Coluna
Januária Cristina Alves
Informação e diálogo: o que precisamos para esta eleição
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Neste mês de outubro eu e um grupo de jornalistas e autores estamos celebrando uma efeméride especial : os dez anos da Coleção Informação e Diálogo, publicada pela Editora Moderna. Trata-se de uma coleção de livros que concebi e coordeno, que está no 13º volume, e é voltada para os adolescentes entre 11 e 14 anos. O objetivo é abordar temas contemporâneos a partir de informações cuidadosamente selecionadas para introduzir o assunto daquele volume, e provocar, ao mesmo tempo, os leitores a fazerem perguntas a respeito, fornecendo elementos para que eles mesmos ampliem seus conhecimentos a partir das “pistas” ali contidas. Os livros da coleção abordam temáticas tão diversas como alimentação e música popular brasileira, esportes e convivência em grupo, consumo e universo digital, cidadania e educação financeira, projeto de vida e fake news, sempre de uma maneira provocativa, instigante, simples e atraente (aliás, o projeto gráfico é um dos pontos altos da coleção, facilitando a disposição das informações para o jovem leitor compreendê-las mais facilmente). Somos um sucesso no mercado, os livros são adotados por escolas públicas e privadas nesse Brasil de norte a sul e seguimos produzindo os próximos títulos antenados com as necessidades pedagógicas das escolas e a curiosidade dos leitores. Uma receita de sucesso que, ao meu ver, tem sua explicação exatamente no binômio “informação e diálogo”.
Talvez há dez anos eu não tivesse a consciência tão aguda como a que tenho hoje de que esses dois elementos são a base da comunicação nessa Era da Pós-Verdade. Nunca foi tão necessário entendê-los e usá-los como nos dias de hoje, porque jamais seremos os mesmos depois desse tsunami desinformacional que nos assola. São eles que irão nos salvar da enorme insegurança factual – nome dado por especialistas a esse assombro e dúvida constantes que nos assaltam na calada da noite e no pico do meio-dia, quando temos a sensação de não saber e muito menos entender nada do que nos acontece. A informação nos dá o norte para fazermos escolhas conscientes e o diálogo nos permite falar e ouvir o outro, exercitando a nossa capacidade de compreensão do que é diverso e diferente de nós. Logo, podemos dizer que a informação de qualidade, apurada, checada, séria e esclarecedora, e o diálogo aberto, desarmado de convicções inegociáveis e vieses de confirmação, são o único caminho possível para vencermos a guerra da desinformação.
É extremamente preocupante observar que as pessoas estão evitando falar sobre assuntos fundamentais para a nossa vida como a política, por exemplo, por medo de serem agredidas e/ou perderem a convivência de pessoas queridas como familiares e amigos. Tal comportamento tornou-se mais agudo em função das eleições, como revela uma pesquisa realizada pelo Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo em quatro países, entre eles o Brasil. Aproximadamente dois terços dos brasileiros disseram precisar tomar cuidado ao discutir política no WhatsApp (64%), Facebook (68%) e também fora das plataformas (64%). Esse levantamento foi realizado nos Estados Unidos, Reino Unido, Índia e Brasil. Os índices dos brasileiros são os mais altos verificados nos quatro países, tanto no que se refere ao cuidado observado fora das plataformas, como ao postarem esse tipo de conteúdo nas duas redes pesquisadas. Para comparar o ambiente político dentro e fora das plataformas em cada país, os pesquisadores perguntaram aos entrevistados se eles sentiam a necessidade de evitar discussões políticas no seu cotidiano também offline. As respostas dos brasileiros revelaram que sim, e os percentuais são semelhantes, quase dois terços do total: 64% no dia a dia, 64% no WhatsApp e 68% no Facebook. Isso quer dizer que a polarização política tem levado dois a cada três brasileiros a evitar discussões políticas, e tal dado é preocupante. Principalmente porque política é um tema que perpassa a vida individual e social de todos nós, e evitar falar sobre isso traz danos irreparáveis, como o enfraquecimento da participação cidadã na definição dos rumos do país. Isentar-se parece ser a solução, parece que evitar brigas justifica a atitude, no entanto, isso pode custar o futuro de todos nós, incluindo o das próximas gerações.
A política perpassa a vida individual e social de todos nós. Evitar falar sobre isso traz danos irreparáveis, como o enfraquecimento da participação cidadã na definição dos rumos do país
“Infelizmente, temos a tendência de evitar conversas difíceis. Preferimos fugir do diálogo — ou partir para a briga — e nos afastar daqueles que votam em um candidato que consideramos asqueroso. Esquecemos que diferenças políticas ou de qualquer outra ordem são saudáveis. Ou que adversário político não precisa ser um inimigo. Quem mais sai ganhando com esse afastamento é o político que dissemina o ódio. É isso que ele ou ela quer. A divisão, a dissídia, as rupturas ”, afirma a jornalista e cofundadora do Redes Cordiais, Clara Becker, em seu artigo “Não há saída para o abismo brasileiro sem passar pelo diálogo”. Tal como ela comenta, não surpreende o dado revelado pela pesquisa Partisan Polarization Is the Primary Psychological Motivation behind Political Fake News Sharing on Twitter (Polarização partidária é a principal motivação psicológica por trás das fake news políticas compartilhadas no Twitter, em tradução livre), publicada pela American Political Science Review – de que o compartilhamento de notícias falsas tem mais a ver com convicções político-partidárias e a busca constante dos usuários para difamar e atacar seus oponentes do que qualquer outra razão. Ou seja, as redes são o terreno da pura emoção e, tomados por elas, curtimos, compartilhamos e produzimos conteúdos que reforçam nossas crenças para “ganharmos a discussão”. E as crenças, como sabemos, não levam em conta a informação, mas tão somente são uma outra razão para que se acredite mais firmemente nela.
A receita para sair dessa enrascada não é simples, muito pelo contrário, trata-se de um conjunto de medidas sócio-políticas-econômicas e individuais que são de diversas ordens e magnitudes, mas que começam com uma atitude que definitivamente é transformadora: a empatia. Calçar os sapatos do outro, como bem sabemos, requer um tanto de desprendimento, de ausência de julgamentos e de disponibilidade para ouvir. Em seu livro sobre pós-verdade, o jornalista britânico Mattew D’Ancona lembra um princípio fundamental para quem busca falar a verdade: que para isso é preciso falar com o coração, expondo dúvidas e receios, compartilhando nossa humanidade. É necessário não ridicularizar e buscar compreender por que a pessoa acredita no que acredita. Fazer perguntas sobre as crenças do outro e concentrar-se em conversar sobre fatos simples e bem pontuais, a fim de desencadear uma lógica de autorreflexão, favorece que a pessoa tenha tempo para processar as informações sobre as quais ela certamente nunca pensou. O caminho para o diálogo passa por mais informação verificada e menos disputa. Compreender a realidade do outro – ainda que ela nos pareça uma realidade paralela – e ter a paciência necessária para lhe mostrar as outras realidades possíveis é um exercício para aprendermos a ter conversas maduras, aquelas que nos mostram que discordar não é atacar e que pensar diferente não inviabiliza buscar os pontos semelhantes que certamente possuímos sobre o mesmo tema.
Precisamos educar nossas crianças e jovens a reconhecerem suas emoções, a responderem a qualquer tipo de provocação como um desafio em busca de respostas – e quanto mais as tivermos, mais conheceremos aquele assunto -, a entenderem o que são limites e possibilidades e, com isso, perceberem mais as pontes que nos unem do que os muros que nos separam. Só venceremos a desinformação com a informação que se transforma em conhecimento, e com o diálogo, que permite que possamos admitir que nem sempre sabemos de tudo, mas que podemos descobrir juntos o que faz sentido.
Januária Cristina Alvesé mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews - Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação - ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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