Antes de ser usado como interjeição, “obrigado” é adjetivo, que indica obrigação ou força das circunstâncias. Somos obrigados a votar, e depois somos obrigados a engolir o resultado das eleições. No livro “Viva a língua brasileira”, Sérgio Rodrigues nota um erro corrente, que pode ser uma mutação linguística em curso: o adjetivo “obrigado” estaria perdendo a flexão de gênero e número quando usado como interjeição, e as mulheres estariam deixando de dizer “obrigada”. Será?
O fato é que quando agradecemos, em português, nos colocamos em lugar de dívida. Se te digo “obrigada”, no fundo estou dizendo que sou obrigada a você, me sujeito às suas condições, ofereço-me em sacrifício. Há até uma expressão própria para o dever moral que temos de cumprir quando recebemos um favor de alguém: “dívida de gratidão”. Mas nem sempre o outro lado espera alguma coisa de volta: “ Obrigado por tudo quanto/ Você me fez por nada ”.
Antes do obrigado vem o “por favor”. Depois do obrigado vem o “de nada”. “Obrigado você” não faz sentido, a não ser que se queira reforçar o já dito e criar uma dívida ainda maior a quem agradeceu: “você me deve mesmo uma”. Para preservar a cordialidade, melhor seria “obrigado eu”, “eu que agradeço”, ou “obrigado a você”.
Obrigado ao cosmos é “ gratiluz ”. Obrigado entre irmãos é “valeuzão”. Quando alguém te oferece alguma coisa, “obrigado” pode ser sim e pode ser não — muitas vezes não fica tão claro, e você acaba tendo que comer aquele bolo que não queria.
Muitos acham que o japonês “arigatô” vem do nosso “obrigado”, mas não há comprovação, embora os japoneses tenham de fato herdado muitas palavras do português do século 16, como “koppu”, de “copo”, e “karuta”, de “carta”.
Sofia Mariutti é poeta e tradutora. Trabalhou como editora na Companhia das Letras entre 2012 e 2016. Em 2017, lançou pela Patuá a reunião de poemas “A orca no avião”, seu primeiro livro. Mestranda em literatura alemã pela USP, trabalha em 2019 na tradução da biografia de Franz Kafka para a editora Todavia.
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