Antes de dar nome às zonas sul, norte, leste e oeste, a “zona” dava nome ao círculo em volta de nosso próprio umbigo. “Cintura” era o primeiro sentido da palavra em grego, “zṓnē”, por extensão a “parte do corpo onde se localiza a cintura; zona terrestre ou celeste”. O termo chegou até nós no século 14, por meio do latim “zōna”, “zona; círculo da esfera”, tudo isso segundo o dicionário Houaiss.
Dado que a Terra é redonda, quando pensamos nas zonas polares, temperada e tropical, o sentido de “cintura” está preservado — cada uma dessas zonas é como um cinto que dá a volta no planeta. A zona ainda guarda uma lembrança do que foi, mas hoje também denomina uma região qualquer de aspecto disforme, e o mais perto que chegamos da nossa cintura usando a palavra é com a expressão “zona abdominal”.
Sabemos que o sentido das palavras caminha com o tempo, e informalmente, no Brasil, “zona” passou a significar “área de uma cidade onde se localiza o meretrício”. Assim que “fazer a zona” ou “zonar” é percorrer essa área em busca de aventuras sexuais, e “cair na zona” é prostituir-se. O Houaiss aponta como hipótese para a origem dessa acepção o hebraico “zonah”, que quer dizer “prostituta”. Talvez pela semelhança sonora esse sentido tenha se colado à palavra já existente na nossa língua. E pode ser que assim “zona” tenha ganhado sua outra acepção tão corrente entre falantes brasileiros: “desordem, tumulto”. Afinal, as palavras bagunça , bordel e orgia mostram que essas zonas semânticas costumam aparecer ligadas na língua.
Enquanto isso, na infectologia, “zona” é sinônimo de “herpes-zóster”, por influência do francês, desde o começo do século 19. Uma consulta ao dicionário Gaffiot mostra que a mesma palavra em latim já queria dizer “espécie de doença de pele”. O termo teria ganhado essa acepção na farmacopeia de Scribonius Largus, médico romano que serviu na corte do imperador Cláudio no século 1. A imagem usada por Scribonius faz sentido; Drauzio Varella nos conta que a doença também é conhecida no Brasil como “cobreiro”, pois as vesículas que surgem na pele acompanham o trajeto das raízes nervosas, criando uma faixa. Na cintura ou não, formam uma cintura.
A verdadeira zona linguística vem quando descobrimos que “zōstḗr” não era só a forma grega para “erupção de pústulas no corpo”; sua primeira acepção era “cintura, cinto”. Ainda hoje, para nós, “zóster” quer dizer tanto “herpes-zóster” quanto “parte alongada de uma superfície, contorno de uma área” e vejam só: “faixa, zona, cintura”. Se a língua tende a atrelar volúpia e bagunça, a cintura anda junto com as doenças cutâneas. Que, aliás, fazem uma bela zona no nosso corpo.
Sofia Mariutti é poeta e tradutora. Trabalhou como editora na Companhia das Letras entre 2012 e 2016. Em 2017, lançou pela Patuá a reunião de poemas “A orca no avião”, seu primeiro livro. Mestranda em literatura alemã pela USP, trabalha em 2019 na tradução da biografia de Franz Kafka para a editora Todavia.
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