Coluna
Cristina Pinotti
Mais do que um oceano nos separa: o valor das vidas na pandemia
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Nos países com governos confiáveis, que oferecem serviços públicos de boa qualidade, e cujos líderes foram capazes de se comunicar bem e mostrar os caminhos a serem trilhados durante o enfrentamento da pandemia, ocorreu menor número de mortes e as economias voltaram a funcionar mais rapidamente. Países com governos disfuncionais, sociedades polarizadas e lideranças fracas deixaram seus cidadãos e economias vulneráveis. É dessa forma que Francis Fukuyama explica resultados tão divergentes no enfrentamento da pandemia. A análise das diferenças entre o que ocorreu nos países mais afetados pelo novo coronavírus na Europa continental — Itália, França, Espanha e Alemanha — com relação aos mais afetados nas Américas — Estados Unidos e Brasil — confirma e ilustra a proposição de Fukuyama.
Na Europa continental, o surto epidêmico foi contido, e as regras de distanciamento social vêm sendo progressivamente aliviadas, amparadas por amplos programas de testagem e rastreamento, que identificam e isolam novos focos de contágio. Os resultados são eloquentes, mesmo quando olhamos para os países mais afetados: a média diária de mortes pela covid-19 em 14 de julho está em torno de 22 e 12 na França e Itália, respectivamente, perto de quatro na Alemanha, e abaixo de duas pessoas na Espanha (dados de 13 de julho). O total acumulado de mortes atingiu 35 mil na Itália, 30 mil na França, 28 mil na Espanha, 9 mil na Alemanha.
Já nas Américas, onde o novo coronavírus chegou depois, a situação é muito diferente. Desde o fim de maio, o Brasil lidera o número de mortes diárias pela covid-19 no mundo, com a média móvel de sete dias oscilando em torno de 1.000 mortes, ainda sem sinais de desaceleração. Mais de 70 mil vidas já foram perdidas desde o início da pandemia, podendo chegar a 90 mil no fim do mês, conforme projeções do Covid19Analytics . São números inferiores apenas aos observados nos Estados Unidos, que somam perto de 130 mil mortes. Lá, a curva de novas mortes diárias atingiu o pico no meio de abril (2,1 mil), com o mínimo tendo ocorrido no início de julho (490), a partir de quando voltou a subir, registrando nos últimos dias 680 mortes diárias. A ajuda fiscal de US$ 2,4 trilhões, e a extraordinária injeção de recursos através do Federal Reserve (banco central dos EUA) atestam que só dinheiro não é suficiente para controlar o contágio e o número de mortes numa pandemia.
Cristina Pinottié graduada em administração pública pela EAESP-FGV e cursou o doutorado em economia na FEA-USP. É sócia da A.C. Pastore & Associados desde 1993. Antes trabalhou nos departamentos econômicos do BIB-Unibanco, Divesp e MB Associados. Concentra seus trabalhos na análise da macroeconomia brasileira, com ênfase em temas da política monetária, relações do país com a economia internacional, e planos de estabilização. Nos últimos anos tem se dedicado ao estudo da teoria da corrupção e da história da operação Mãos Limpas, na Itália. É autora de diversos artigos e livros. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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