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Ano passado, no aniversário de quatro anos da minha filha Aurora, ela quis que o tema da decoração da festa fosse a Patrulha Canina, um desenho animado canadense de cachorros falantes que dirigem carros coloridos (à venda em miniatura nas melhores lojas, aliás).
Este ano, quando a data se aproximou, ela chegou decidida e nos informou que desta vez a festa seria indígena. Foi essa a palavra que usou: “indígena”, do jeito que havia aprendido num projeto da escola. Ela e os colegas haviam recebido a tarefa de convocar os pais para ajudá-los numa pesquisa sobre os povos nativos do Brasil. Coube a nós – ela e eu – ler sobre os Ticuna, da Amazônia. Assim, aprendi que se trata da etnia mais numerosa do país, e que são músicos e artistas plásticos originais. Pesquisando juntos, compreendemos o significado de uma estatueta ticuna que tínhamos há anos na prateleira, trazida de uma viagem a Manaus – e o que antes era só um objeto bonito se encheu de histórias.
O tema mobilizou as crianças, e logo um dos pais, animado com a animação delas, propôs uma excursão de ônibus até o litoral, onde havia uma aldeia guarani que ele conhecia disposta a recebê-las, de um jeito que deixasse benefícios por lá. Foram todos, voltaram enlameados e encantados com a diversidade humana. Haviam sido recebidos na escola da aldeia, por crianças que mal falavam português e, depois de um momento de hesitação diante da barreira cultural, se entregaram à linguagem universal da brincadeira.
Por isso tudo, não foi assim tão surpreendente quando Aurora exigiu uma festa indígena no aniversário de cinco anos. Por um momento, a escolha dela nos deixou um pouco preocupados. Minha esposa cogitou demovê-la da ideia: “nesses tempos de hoje, não é ofensivo vestir crianças de índio?”, ela perguntou. “Indígenas”, corrigi, do jeito que nossa filha nos corrige.
Aurora amou tanto o cocar de penas sintéticas coloridas comprado na 25 de Março que lhe demos de presente que quis amarrá-lo na testa logo de manhã, e foi para a escola com ele. Claro que de jeito nenhum o cocar caricatural reverteu em renda para etnia nenhuma deste meu Brasil. Nem a tinta vermelha feita de petrolato, que, no saquinho de lembranças que demos para os convidados, fez as vezes de urucum, para azar dos outros pais. Mas, se tem uma coisa que nós aprendemos sendo pais é que interesses precisam ser alimentados, não reprimidos, ao custo de matá-los. É assim que uma criança cresce.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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