Coluna
Cristina Pinotti
Mulheres, jovens e o mercado de trabalho no pós-pandemia
Temas
Compartilhe
A pandemia forçou algumas famílias a redefinir a maneira de lidar com os trabalhos domésticos, como o preparo das refeições, a limpeza da casa e das roupas, e os cuidados com crianças, doentes e idosos. Nos melhores casos, as tarefas foram divididas de forma solidária e cooperativa entre os membros da família, de acordo com as habilidades e as capacidades de cada um. Entretanto, é inegável que a maioria das mulheres vêm sofrendo importante sobrecarga, o que provoca o temor de voltar ao passado, com perda de conquistas duramente obtidas em tempos recentes. Será esse um fenômeno passageiro?
Alterações no mercado de trabalho ocorrem lentamente pela influência de fatores institucionais, da migração do campo para as cidades, das mudanças demográficas, do surgimento de novas tecnologias como os eletrodomésticos etc. Alguns desses ciclos já se consolidaram no Brasil, não devendo provocar grandes mudanças a curto prazo, e outros tornam o cenário desafiador. Este é o caso da demografia, cujas variáveis mais relevantes para o mercado de trabalho são a taxa de natalidade (nascidos vivos por ano em relação à população), que vem caindo, e a expectativa de vida, que vem crescendo. Ambas atuam aumentando a oferta de mão de obra, tanto de mulheres como de homens. Já a revolução da tecnologia reduz a oferta de empregos, sobretudo para as pessoas menos qualificadas. Enfrentamos, portanto, uma situação hostil em que há aumento de oferta de mão de obra ao lado de redução da criação de postos de trabalho. É nesse contexto que ocorre o solavanco provocado pela pandemia.
Assim como ocorreu em grande parte dos países, a necessidade de afastamento social provocou aumento do desemprego no Brasil. As mulheres foram mais afetadas do que os homens: sua participação na força de trabalho caiu 7,3 pontos percentuais no terceiro trimestre deste ano com relação à média de 2019, enquanto a dos homens caiu 6 pontos percentuais, já considerada a ligeira recuperação observada no último trimestre (gráfico abaixo). Com isso, menos da metade (45,8%) das mulheres com mais de 14 anos está trabalhando ou procurando emprego, fato que não ocorria há 30 anos. Já para os homens, tal proporção é de 65,7%, resultando em um ligeiro, e possivelmente temporário, aumento do gap de gênero no emprego — a diferença entre a taxa de participação dos homens e das mulheres no mercado de trabalho.
Esse efeito tende a desaparecer em 2021, após a vacinação da população , caso sejam confirmadas as evidências de que o fechamento das escolas e creches tenha sido o fator principal a levar parte das mães com filhos pequenos a abandonar seus empregos, além das demissões por fechamento de empresas ou interrupção de atividades informais, que afetaram homens e mulheres. Resta saber se será retomado o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho, tendência que caminha na direção oposta da observada nos países desenvolvidos.
Cristina Pinottié graduada em administração pública pela EAESP-FGV e cursou o doutorado em economia na FEA-USP. É sócia da A.C. Pastore & Associados desde 1993. Antes trabalhou nos departamentos econômicos do BIB-Unibanco, Divesp e MB Associados. Concentra seus trabalhos na análise da macroeconomia brasileira, com ênfase em temas da política monetária, relações do país com a economia internacional, e planos de estabilização. Nos últimos anos tem se dedicado ao estudo da teoria da corrupção e da história da operação Mãos Limpas, na Itália. É autora de diversos artigos e livros. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Navegue por temas