Coluna

Reinaldo Moraes

‘My God!’

24 de dezembro de 2015

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Todo fim de ano sou acometido de um tipo de labilidade emocional que me torna especialmente vulnerável às minhas antigas crenças místicas

Fui coroinha até os 13 anos e rezava minhas avemarias e padrenossos até os 15 anos. Acreditava em Deus, em Jesus Cristo (gostava mais dele fora daquela cruz) e em todos os santos, amém. Mas aí, no ano de 1965, os Beatles lançaram o filme Help, título extraído da música homônima que não parava de girar na minha vitrola e em todas as rádios do universo. Um russo saiu da cápsula espacial e começou a flutuar no espaço dando tchauzinho pra câmera. O romance pré-hippie “Admirável mundo novo”, do Aldous Huxley, me caiu nas mãos. Eu me apaixonei perdidamente por Nara Leão cantando “Minha namorada”. Tomei meu primeiro chope no já extinto bar e lanchonete Simbad, na rua Augusta, levado, junto com dois outros colegas de classe, por um professor comunista de história. Quando fui ver, tinha parado de acreditar em Deus. Só não me arrisco a grafar o nome d’Ele em minúscula, porque, bom, vai saber, né? Não estou em idade de arrumar novos inimigos.

Acontece que todo fim de ano, e este fim de ano não é nenhuma exceção, sou acometido de um tipo de labilidade emocional que me torna especialmente vulnerável às minhas antigas crenças místicas, como aquela que me levava a me ajoelhar e desatar uma torrente de orações católicas que eu sabia de cor. Basta ouvir um “Noite feliz” ou um mero “Jingle bell” na rua que meus olhos marejados já se erguem aos céus, onde busco algum sinal da presença d’Ele, em meio às nuvens tormentosas de verão e aos aviões e helicópteros de carreira.

Eis que, numa dessas, olhando, não o céu, mas a vitrine de uma loja de eletrodomésticos de um shopping aqui perto de casa, toda engalanada pro natal, eu vi. Sim, meninos, eu vi.

O quê?

Deus?!

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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