Coluna

Alicia Kowaltowski

O que acontece com o corpo após grandes perdas de peso

12 de janeiro de 2022

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Estudo analisou como estavam participantes do reality show ‘The Biggest Loser’ seis anos depois da pesagem final na TV

O programa de televisão norte-americano “The Biggest Loser” ( O grande perdedor) estreou em 2004 e em 18 temporadas acompanhou a perda de peso de pessoas muito obesas, que são filmadas durante esta trajetória. É uma atrocidade do ponto de vista de tratamento da obesidade, pois dá um prêmio financeiro rechonchudo para a pessoa que perder a maior porcentagem do próprio peso até o fim do programa. Isso os incentiva a ganhar o máximo de peso antes da pesagem inicial, e perder a qualquer custo durante o programa. Além disso, o programa espalha inverdades metabólicas e faz propagandas de produtos dietéticos duvidosos.

Mas se o programa é um péssimo exemplo em termos de saúde, é também uma oportunidade para estudar grandes e rápidas perdas de peso. Com esse intuito, um grupo de cientistas resolveu verificar o que aconteceu com 14 participantes do programa seis anos depois da pesagem final na TV. O estudo questionou como essas pessoas se sairiam a longo prazo, já que parecia óbvio que a perda de peso sustentada durante o programa não se manteria: o show envolve restrição extrema de calorias ingeridas e intensos exercícios físicos, que basicamente ocupam o dia inteiro dos participantes.

Participaram do estudo oito mulheres e seis homens que perderam em média 58 quilos durante as 30 semanas do programa, correspondendo a mais de um terço do peso inicial. Após seis anos, 13 dos 14 participantes do estudo haviam ganho parte do peso perdido de volta, algo não inesperado, já que se premiava financeiramente o maior perdedor. Mas o que é surpreendente, e bastante angustiante para os participantes, é o que aconteceu com o gasto de energia deles. Nossos corpos gastam energia diariamente só para nos manter vivos, em funções essenciais como o cérebro pensar, o fígado alterar moléculas quimicamente, os rins filtrar o sangue, e o coração fazer esse sangue circular. Esses gastos são conhecidos como a taxa metabólica basal, e são tipicamente bastante maiores que aqueles do exercício físico . As medidas de taxas metabólicas basais dos participantes diminuíram em média 23% durante o programa, um resultado esperado, pois o consumo de calorias em repouso diminui conforme aumenta o gasto de energia com o exercício, ou quando há restrição de calorias ingeridas. Essa diminuição de gasto de energia basal é tão significativa que não era compensada pela atividade física; os corpos dos participantes estavam gastando em média 800 calorias a menos por dia, apesar do extenso programa de exercícios ao qual se submetiam.

Mas o pior, e muito surpreendente para os cientistas, são os achados de que as taxas metabólicas basais dos participantes seis anos depois ainda estavam nos mesmos níveis baixos que no final das 30 semanas de perda de peso intenso. Isso explica um motivo pelo qual a maioria dos participantes do programa teve ganho de peso posterior, e retrata uma verdadeira dificuldade em manter pesos baixos; seus corpos sofreram adaptações que mantêm gastos de energia muito limitados. Para piorar, há também estudos que indicam que cinco anos após dietas para perda de peso ainda persistem alterações hormonais em resposta à dieta que aumentam a fome . Deste modo, em pessoas que perderam peso ocorrem duas alterações concomitantes que facilitam re-engordar: a diminuição do uso de energia pelo corpo e o aumento da fome.

Mas nem tudo nesses estudos são más notícias. Uma boa notícia do estudo dos participantes do “The Biggest Loser” é que estes tiveram uma perda de massa magra (composta principalmente por músculos) menor que obesos que perderam peso após cirurgia bariátrica. Isso mostra que o regime intenso de exercícios pode ter beneficiado a manutenção dos músculos, fator importante para a saúde a longo prazo. Outra boa notícia é que os participantes, em média, mantiveram pesos 12% menores após seis anos, com melhora também em alguns parâmetros metabólicos como os níveis de “bom colesterol” . Essa diferença, embora pareça pequena relativamente à perda de peso original, pode ter impacto em termos de ganho de saúde. Os participantes do estudo também mantiveram níveis de atividade física diária associados a melhoras de saúde cardíaca, mental e muscular.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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