Os impactos do uso excessivo de telas na infância e adolescência

Ensaio

Os impactos do uso excessivo de telas na infância e adolescência
Foto: Robin Worrall/Unsplash

Vitor Friary


31 de agosto de 2024

Exposição excessiva pode estar mantendo os processos cerebrais dos jovens em um estado muito semelhante ao de cérebros de dependentes químicos

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O uso excessivo de telas entre os jovens pode desencadear uma série de problemas, tanto neurológicos quanto psicológicos. Estudos de neuroimagem indicam que essa prática pode alterar a estrutura cerebral, especialmente em áreas relacionadas ao controle de impulsos e processos mentais de recompensa. Essas áreas do cérebro são responsáveis por regular nossos desejos e vontades, além de nos recompensar com sensações de prazer e satisfação quando realizamos certas atividades. Uma pesquisa publicada na revista JAMA Pediatrics mostra que crianças com maior tempo de tela apresentam menor integridade estrutural da substância branca, crucial para a função cognitiva, tomada de decisões e autocontrole. Além disso, a exposição prolongada a dispositivos eletrônicos e a internet está associada a um aumento nos sintomas de TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade), dificultando a manutenção da atenção em tarefas mais prolongadas.

Do ponto de vista psicológico, o tempo excessivo de tela tem sido correlacionado com o aumento dos níveis de depressão e ansiedade em adolescentes. Um outro estudo de 2019, publicado na JAMA Psychiatry, revelou que adolescentes que passam mais tempo em mídias sociais e dispositivos eletrônicos têm maior risco de desenvolver sintomas depressivos. Os distúrbios do sono também são uma consequência comum, uma vez que o uso de dispositivos antes de dormir interfere na qualidade do sono. A luz azul emitida pelas telas inibe a produção de melatonina, levando a dificuldades para adormecer e menor duração do sono. Uma revisão de estudos publicada no Journal of Clinical Sleep Medicine destacou que adolescentes com maior tempo de tela apresentam maior prevalência de insônia e sono de má qualidade.

Muitos jovens utilizam as telas como válvula de escape para não confrontar desafios do dia a dia ou evitar emoções como o tédio

Mas por que as crianças e os jovens passam tanto tempo em frente às telas? É crucial considerar que os motivos que os levam a essa prática também são importantes. Muitos jovens utilizam as telas como válvula de escape para não confrontar desafios do dia a dia ou evitar emoções como o tédio. Eles muitas vezes não são estimulados a pensar sobre o tédio e suas emoções de maneira inteligente. De fato, muitas crianças e jovens nem reconhecem quando estão se sentindo dessa maneira, muito menos sabem o que fazer com isso. Inteligência emocional? Qual o papel da família nesse despertar?

Por outro lado, a exposição excessiva às telas pode estar mantendo os processos cerebrais dos jovens em um estado muito semelhante ao de cérebros adictos. Especialistas do King’s College London, na Inglaterra, já observaram em estudos que o cérebro de uma pessoa viciada em internet e jogos é muito parecido como o cérebro de pessoas com problemas de dependência de substâncias, de vícios químicos, por exemplo. O excesso de estimulação cerebral provocado por jogos, por exemplo, pode modificar áreas relacionadas ao controle de impulsos e processos de recompensa, tal qual ocorre em cérebros de pessoas adictas.

Diante desses fatos, é essencial promover um equilíbrio e moderação no uso de telas. A Academia Americana de Pediatria recomenda limitar o tempo de tela a menos de duas horas por dia para crianças e adolescentes, incentivando atividades físicas e interações sociais presenciais como alternativas saudáveis. Além disso, é fundamental promover a educação digital, ensinando os jovens a usarem as tecnologias de maneira responsável e consciente, equilibrando o tempo online com outras atividades essenciais para o desenvolvimento saudável.

Essas reflexões destacam a importância de monitorar e regular o uso de telas entre os jovens para prevenir possíveis impactos negativos em sua saúde neurológica e psicológica, ao mesmo tempo em que se entende e aborda os motivos subjacentes que os levam a essa prática.

Para abordar o problema do vício em telas e lidar com as emoções que levam ao uso abusivo, práticas de mindfulness podem ser extremamente eficazes. Mindfulness, ou atenção plena, envolve técnicas de meditação e exercícios que ajudam a focar no presente e desenvolver uma consciência não reativa dos pensamentos e emoções. Estudos demonstram que o mindfulness pode reduzir a impulsividade e melhorar a regulação emocional, fatores que são frequentemente comprometidos no uso excessivo de telas.

A aplicação de mindfulness pode ajudar os jovens a reconhecerem suas emoções e lidarem com elas de maneira mais saudável. Em vez de recorrer às telas como válvula de escape, eles podem aprender a identificar sentimentos de tédio, ansiedade ou estresse e usar técnicas de respiração e meditação para lidar com essas emoções. Isso não apenas reduz a dependência das telas, mas também promove um maior bem-estar emocional e mental.

Além disso, programas de mindfulness podem ser incorporados em ambientes escolares e familiares, oferecendo aos jovens ferramentas práticas para enfrentar desafios diários sem recorrer ao uso excessivo de dispositivos eletrônicos. A prática regular de mindfulness tem sido associada a melhorias na atenção, redução de sintomas de ansiedade e depressão, e maior resiliência emocional.

Portanto, integrar práticas de mindfulness na rotina dos jovens é uma abordagem eficaz para combater o vício em telas e promover uma saúde mental equilibrada. Ao combinar a educação digital com técnicas de mindfulness, podemos criar um ambiente mais saudável e consciente para as futuras gerações.

Vitor Friary é psicólogo clínico especializado em Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness e diretor do Centro de Mindfulness.

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