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Sem luz, sem água, sem casa: o drama dos gaúchos nas enchentes

Antonio Mammi e Conrado Corsalette

06 de maio de 2024(atualizado 07/05/2024 às 18h13)

Aeroporto inunda e voos para Porto Alegre estão suspensos até o final de maio. Estações de tratamento de água da capital gaúcha pararam de funcionar. População teme saques e violência em meio à tragédia

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A administradora do aeroporto Salgado Filho informou nesta segunda-feira (6) que os voos para Porto Alegre estão suspensos até o fim de maio. O comunicado foi emitido depois que as águas do lago Guaíba inundaram todas as áreas do aeroporto, incluindo a pista de pouso e a área de circulação de passageiros. O Durma com Essa fala do drama dos gaúchos desde que enchentes começaram a se alastrar pelo Rio Grande do Sul em 29 de abril. Centenas de milhares de casas estão sem luz e água potável, e moradores se organizam para resgatar vizinhos ilhados em uma tragédia que já deixou mais de 90 mortos. O programa traz também Marcelo Montanini falando dos protestos pró-Palestina em universidades americanas.

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Edição de áudio Pedro Pastoriz

Produção de arte Mariana Simonetti

Transcrição do episódio:

Antonio: Uma capital brasileira com o aeroporto tomado pela água e os voos suspenso por um mês inteiro. Casas submersas, o risco de água potável acabar pra população e um rastro de prejuízos humanos e financeiros ainda impossível de calcular. Um desastre climático sem precedentes que vai marcar para sempre o Rio Grande do Sul. Eu sou o Antonio Mammi e esse aqui é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo. 

Conrado: Olá, eu sou o Conrado Corsalette e tô aqui com o Antonio pra apresentar este podcast que vai ao ar todo começo de noite, de segunda a sexta, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Antonio: Segunda-feira, 6 de maio de 2024. Dia em que a administradora do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, informou companhias aéreas de que todos os voos pra capital gaúcha estão suspensos até 30 de maio. O comunicado foi emitido depois que as águas do lago Guaíba inundaram o aeroporto. Áreas de espera, de circulação de passageiros, a pista de pouso e os pátios das aeronaves ficaram submersos pela enchente que avança pela cidade desde que fortes chuvas começaram a cair no Rio Grande do Sul no dia 29 de abril, há uma semana. 

Conrado: A prefeitura de Porto Alegre mandou evacuar o centro da capital e outros bairros próximos ao Guaíba. Os principais cartões-postais da cidade estão debaixo d’água. O Mercado Público, a Praça da Alfândega, a Usina do Gasômetro, a Fundação Iberê Camargo, a Casa de Cultura Mário Quintana, os estádios do Grêmio e do Internacional. Imagens distópicas em uma capital brasileira.

Antonio: Hidrólogos estimam que o Guaíba deve ficar acima da sua cota de inundação por até 10 dias. E o alagamento continua avançando pra outros bairros da cidade. As águas de rios de outras regiões que sofreram com inundações nos últimos dias, como o Vale do Taquari e a Serra Gaúcha, escoaram pro lago na capital. Por isso, apesar de ter feito sol nessa segunda-feira, o nível da água não baixou. Nível que atingiu a marca de cinco metros e trinta centímetros, um recorde histórico. Pra piorar a situação, uma frente fria deve chegar a Porto Alegre na quarta-feira, trazendo chuva e dificuldade para os resgates de pessoas que estão ilhadas na região metropolitana. 

Conrado: Essa marca de inundação, de cinco metros e trinta, supera em muito o recorde anterior, de quatro metros e setenta seis centímetros, registrado em 1941. Essa inundação que desabrigou um quarto da população de Porto Alegre há mais de 80 anos fez com que as autoridades construíssem um sistema anticheias que não conseguiu agora conter o avanço das águas. 

[áudio de moradora da zona norte de Porto Alegre]

A gente saiu no sábado. Quando a gente saiu no sábado não tinha essa água toda, a gente conseguia caminhar. E agora chegar aqui… Eu não sei nem se eu tenho casa mais. A gente saiu só com a minha roupa, a roupa do meu filho.

Antonio: Você ouviu aí o depoimento de uma moradora da zona norte de Porto Alegre à GloboNews nessa segunda-feira. Ela deu essa entrevista em cima de um canteiro de uma avenida tomada pelas águas, e também relatou estar com medo de ter sua casa saqueada. Registros de roubos a residências e comércios abandonados começaram a crescer desde que a tragédia começou a tomar corpo. 

Conrado: Enquanto isso, quem está em bairros que não foram atingidos pela água começou a estocar mantimentos e, sobretudo, água mineral. Quatro das seis estações de tratamento de água de Porto Alegre pararam de funcionar. O prefeito Sebastião Melo recomendou que os moradores que tiverem casa no litoral peguem a estrada pra lá. A saída pro litoral, aliás, é a única via de saída por terra da capital gaúcha.  

[áudio de resgate de homem em São Leopoldo]

Manda um beijo para a sua mulher

Antonio: Você ouviu aí um policial rodoviário federal falando com o engenheiro Claiton Homrich, resgatado numa estrada na região metropolitana de Porto Alegre no dia 30 de abril. O vídeo é impressionante. O Claiton tá montado em cima do carro dele, que tá quase inteiramente submerso. A enxurrada tá muito forte, e pra não tombar, o engenheiro segura o galho de uma árvore. Ele ficou assim por doze horas. O Claiton tava dirigindo de volta pra casa, em São Leopoldo, quando uma onda tombou o carro e arrastou ele pra fora da rodovia.

[áudio de resgate de idoso em Canoas]

– O senhor tem o mesmo nome do meu pai.

– Que legal.

– Nós viemos e vamos te salvar.

– Que legal.

– Espera só um pouquinho que eu vou fazer uma coisinha. 

– Não, eu passo aqui

– Tu passa?

– Vamos passar, então.

– Eu sou magrinho.

– Tu é magrinho que nem eu, então. A gente pode levar essa corda aqui depois? Pode levar essa corda aqui emprestado?

– Não, eu não vou levar corda nenhuma.

– Mas posso levar? Pra nós usar?

– Essa aqui?

– Essa corda aqui para nós usar no jet ski. 

– Ah, pode, pode.

Conrado: Você ouviu aí o diálogo de um voluntário com um idoso resgatado no telhado da sua casa em Canoas, uma das cidades mais afetadas pelas inundações no fim de semana. Esse diálogo foi registrado quando o idoso estava sendo retirado pelo buraco do teto do imóvel. Ele dá uma corda pro voluntário, que diz que vai usá-la em outros resgates por jet ski. Muitos moradores se organizam em mutirões pra resgatar pessoas que ainda estão ilhadas em suas casas, usando jet skis e barcos. Tudo isso num contexto em que helicópteros oficiais não conseguiam erguer voo devido a tempestades. 

[áudio de morador de Canoas]

Aí chegou um momento que foi o mais desesperador de todos, que foi o seguinte. Quem que a gente manda? Só pode um no jet ski. E aí a gente optou por mandar o menino de 12 anos nosso, o Gustavo, que era o mais velho ali, eu tenho um mais velho mas não tava lá, graças a Deus, e aí escrevemos no braço deles o telefone, que a gente ainda tinha bateria da minha mulher, o telefone da minha esposa, porque ele ia ser largado na estação de trem, e do outro lado da BR-116 ia estar minha irmã. A gente não tinha mais internet, não tinha rede, não tinha mais nada de telefone, mas a gente escreveu aquele número para alguém saber onde pudesse achar a gente. 

Antonio: Você ouviu aí o Herbert Poersch, também morador de Canoas. Esse depoimento traz mais uma nuance dramática da tragédia. Muitas crianças foram resgatadas sem os pais, por causa dos limites das embarcações. Uma universidade da cidade de Canoas disponibilizou as suas salas pra abrigar essas crianças e centralizar a busca pelos responsáveis. O Herbert acabou encontrando o filho dele. 

[mudança de trilha]

Conrado: Até essa segunda-feira, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul tinha contabilizado mais de 80 mortos, 100 desaparecidos e dezenas de feridos por causa das chuvas no Rio Grande do Sul. O governo decretou calamidade pública em 336 municípios do estado, concentrados nas regiões central, metropolitana, no Vale do Rio Pardo, no Vale do Taquari e na Serra Gaúcha. 

Antonio: 150 mil pessoas tiveram que deixar as suas casas. 850 mil residências tão sem água no estado, e mais de 500 mil tão sem energia elétrica. A cidade de Eldorado do Sul, na beira do lago Guaíba, ficou completamente submersa. Segundo o governo do estado, 17 hospitais tiveram que fechar ser fechados e outros sete tão operando parcialmente. 

Conrado: Como o nível da água ainda tá alto em grande parte das cidades atingidas pelas enchentes, não é possível mensurar o grau do estrago causado pela tragédia. Mas onde a água começou a baixar, já dá pra ter uma ideia. Em Arroio do Meio, no Vale do Taquari, casas inteiras estão completamente destruídas e carros arrastados pela enxurrada aparecem destroçados pelo caminho. Pontes que davam acesso a cidades colapsaram e estradas ficaram inutilizadas.

Antonio: No fim de semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, sobrevoaram o estado e se encontraram com o governador Eduardo Leite. O Lula prometeu não deixar a burocracia estatal atrasar repasses ao Rio Grande do Sul. O Congresso articula a liberação de verbas de emendas parlamentares. O Eduardo Leite, por sua vez, diz que o estado precisa de um Plano Marshall, numa referência ao plano de reconstrução econômica implementado pelos Estados Unidos na Europa e no Japão depois da Segunda Guerra Mundial. 

Conrado: Enquanto isso, órgãos públicos e organizações sociais articulam uma série de iniciativas pra ajudar as vítimas das enchentes, com pontos de arrecadação de itens como alimentos, colchões e água potável. A Defesa Civil do estado está aceitando doações de dinheiro via Pix e recebendo doações em Porto Alegre. A Cufa, Central Única de Favelas, está recebendo doações em dinheiro e recolhendo  donativos em locais de coleta disponibilizados no site da organização. Agências de correios em São Paulo e no Paraná também estão recebendo doações, que vão ser transportadas gratuitamente. E há ainda uma série de outras entidades que estão organizando suas campanhas de arrecadação. 

Conrado: E algumas recomendações nas doações. Em quase todas as campanhas de arrecadação são aceitos itens como alimentos da cesta básica, roupas, produtos de higiene pessoal e material de higiene seco, como papel higiênico, fraldas e pasta de dente. Algumas iniciativas também tão recebendo colchões, cobertores, roupas de cama e ração animal, entre outros itens. Vale conferir as regras de cada entidade antes de doar. E ficar muito esperto com golpes: evite transferências via Pix sem checar direitinho as informações antes. 

Conrado: O Durma com Essa volta já.

[mensagem Rádio Novelo Apresenta]

[trilha da redação]

Conrado: A Universidade de Columbia, em Nova York, cancelou o evento de formatura dos seus estudantes, que tava previsto pra acontecer em 15 de maio. O motivo são as manifestações pró-Palestina que acontecem na universidade e em muitos outros campi pelo país desde abril. O Marcelo Montanini escreveu sobre o assunto e vai falar disso com a gente. Marcelo, como começaram os acampamentos e quais são as reivindicações dos manifestantes?

Marcelo: A onda de protestos ganhou força depois que 108 estudantes foram presos em Columbia em 19 de abril. Eles tavam acampados no campus fazia dois dias e com as prisões esses protestos se alastraram por outras universidades americanas. Com o tempo, as manifestações foram ficando mais tensas. Prédios das universidades foram invadidos e aconteceram confrontos entre os manifestantes e a polícia. Desde então, mais de 2.300 estudantes já foram detidos. O objetivo dos manifestantes é pressionar as universidades e o governo americano a cortar as relações com o governo e empresas israelenses. Muitas instituições de ensino americanas recebem investimentos e têm convênios não só com o governo de Israel, mas também com companhias do país ligadas à indústria militar. Desde outubro de 2023, as forças israelenses mataram mais de 34 mil palestinos na Faixa de Gaza, numa ação que teve início depois que o Hamas matou 1.200 pessoas e sequestrou outras centenas em um ataque-surpresa a Israel.

Conrado: E como esses protestos tão repercutindo na política americana?

Marcelo: A Câmara dos Estados Unidos aprovou na semana passada uma lei de antissemitismo. O texto ainda precisa passar pelo Senado, mas traz algumas definições legais que podem dar mecanismos legais pra punir os estudantes. Segundo especialistas, críticas ao governo de Israel podem acabar sendo interpretadas como manifestações de aversão ao povo judeu, pela legislação. A lei foi patrocinada pelo presidente da Câmara, Mike Johnson, que é republicano. Os políticos republicanos, aliás, têm usado os confrontos para defender sua agenda de lei e ordem, associando os tumultos a uma falta de pulso do presidente Joe Biden, que é democrata e também alvo dos protestos, por causa da relação do governo americano com Israel. Biden defendeu o direito de manifestação dos estudantes, mas critica a violência. Ainda é cedo para mensurar o impacto que as manifestações vão ter na eleição de novembro, já que o ano letivo vai terminar entre maio e junho e os atos podem ser desmobilizados no recesso universitário. Mas tudo depende do que acontecer na Faixa de Gaza. Além disso, o eleitorado jovem dos grandes centros urbanos, que escolheu Biden em 2020, pode não ter o mesmo estímulo pra sair de casa e votar no democrata em novembro, num contexto em que as pesquisas apontam pra uma eleição apertada contra o ex-presidente Donald Trump. 

Conrado: O texto do Marcelo você lê em nexojornal.com.br. 

Antonio: Do drama dos gaúchos nas enchentes aos protestos universitários nos Estados Unidos, Durma com Essa.

Conrado: Com roteiro, apresentação e produção de Antonio Mammi, apresentação e edição de texto de Conrado Corsalette, participação de Marcelo Montanini, edição de áudio de Pedro Pastoriz e produção de arte de Mariana Simonetti, termina aqui mais um Durma com Essa. Até amanhã!   

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