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O que estudos revelam sobre os danos que as bets causam

Antonio Mammi e Letícia Arcoverde

25 de setembro de 2024(atualizado 25/09/2024 às 20h31)

Banco Central mostra que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões com apostas esportivas em agosto. Atividade impacta consumo dos brasileiros e atendimentos psiquiátricos

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Ministro do Desenvolvimento e da Assistência Social, Wellington Dias reagiu nesta quarta-feira (25) a um levantamento do Banco Central que revelou que beneficiários do Bolsa Família movimentaram R$ 3 bilhões em apostas esportivas em agosto. “O Bolsa Família transfere um dinheiro livre para a família e tem por objetivo combater a fome e atender a necessidades básicas. Tudo faremos para manter esse objetivo”. O Durma com Essa mostra o que dizem os estudos mais recentes sobre os impactos das bets no consumo dos brasileiros, explica a regulação do setor e expõe os riscos à saúde associados aos jogos. O programa tem também Lucas Zacari falando dos crimes sexuais associados ao rapper americano Diddy. 

 

 

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Edição de áudio Brunno Bimbati
Produção de arte Lucas Neopmann

Transcrição do episódio

Antonio: Uma indústria que movimenta dezenas de bilhões de reais todos os meses. Um setor que passou anos sob insegurança jurídica, e que opera com cada vez mais pujança no país. Um segmento que muda os hábitos de consumo dos brasileiros, e que atua na linha tênue entre o entretenimento e a dependência. Eu sou o Antonio Mammi e este aqui é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo.

Letícia: Olá, eu sou a Letícia Arcoverde e estou aqui com o Antonio para apresentar este podcast que vai ao ar de segunda a sexta, todo no início de noite, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Antonio: Quarta-feira, 25 de setembro de 2024. Dia em que o ministro do Desenvolvimento e da Social, Wellington Dias, se manifestou sobre um estudo do Banco Central que apontou que 5 milhões de pessoas de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões com apostas esportivas online via Pix em agosto de 2024. Isso equivale a 21% do dinheiro destinado pelo governo ao programa no mês. Ou seja, de cada R$ 5 destinados ao Bolsa Família em agosto, R$ 1 foi gasto com bets.

Letícia: A nota assinada pelo ministro diz o seguinte: “O Bolsa Família transfere um dinheiro livre para a família e tem por objetivo combater a fome e atender a necessidades básicas de pessoas em situação de insegurança alimentar e outras vulnerabilidades. Tudo faremos para manter esses objetivos”.

Antonio: O estudo do Banco Central foi encomendado pelo senador Omar Aziz, do PSD do Amazonas, que tem sido um dos principais opositores das bets no país. Esse levantamento apurou que o volume mensal de transferências via pix de pessoas físicas pra empresas de apostas online variou entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões ao longo do ano. Se esse padrão se mantiver, as bets vão ter movimentado algo em torno de R$ 216 bilhões em 2024, muito acima das estimativas do Ministério da Fazenda. Cerca de 15% desse montante fica com as bets, e o resto é gasto com prêmios. 

Letícia: O estudo foi divulgado na terça-feira, num momento em que estão surgindo uma série de levantamentos do tipo. Um deles, também de 2024, é da consultoria PwC e aponta que os gastos com apostas saltaram de 0,2% para 0,7% nos orçamentos familiares entre 2018 e 2023. As bets já correspondem a 38% dos gastos das famílias com lazer e cultura. 

Antonio: Outro estudo, do Instituto Locomotiva, traçou um perfil dos apostadores no país. Eles são majoritariamente homens, sudestinos, e pertencem as classes C, D e E. 86% dos apostadores têm dívidas, e 64% têm o nome sujo na praça, ou seja, tem o CPF inscrito em órgãos de proteção ao crédito por não ter pago contas dentro do prazo previsto. 

Letícia: Tanto na pesquisa da PwC quanto na do Locomotiva, os organizadores apontam que a maior parte do dinheiro drenado pelas bets iria pro consumo. E não necessariamente pra itens de primeira necessidade. Estamos falando de coisas como um alimento de uma marca melhor no supermercado, uma pizza no fim de semana, uma ida ao cinema, uma peça de roupa, e por aí vai. 

Antonio: Relatórios de bancos privados confirmam essa perda de recursos do varejo para as bets. A Confederação Nacional do Comércio estima que o comprometimento da renda das famílias com as apostas pode diminuir a atividade do varejo em até 11% ao ano. A entidade disse que colheu relatos de empresas do setor de educação que apontam que jovens estão deixando de pagar mensalidades e taxas de matrícula em universidades por causa de apostas. 

Letícia: Por isso, a Confederação entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo pra declarar a inconstitucionalidade da lei que regulamentou as bets no Brasil no fim de 2023. A entidade alega que a legislação ampliou a disponibilidades das bets no país e acelerou o endividamento das famílias.

[mudança de trilha]

Antonio: A entrada oficial das bets no país aconteceu no apagar das luzes do governo Michel Temer, em dezembro de 2018. O então presidente sancionou uma lei autorizando as empresas do setor a operarem no Brasil. A norma previa quatro anos pro setor ser regulamento pelo Ministério da Fazenda. 

Letícia: Esses quatro anos corresponderam ao mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, e nada aconteceu. Pressionado pela bancada evangélica, que barrava as discussões sobre legalização de jogos de azar no país, o governo engavetou a regulamentação.

Antonio: Mas se a lei seguia em branco, na realidade as apostas esportivas estavam a todo o vapor, movimentando altas quantias. E o governo Lula conciliou a necessidade de regulamentar o assunto com a oportunidade de garantir mais uma importante fonte de arrecadação. Em dezembro de 2023, o presidente assinou uma lei regulamentando as bets, que vai passar a valer em 2025. 

Letícia: O texto impõe aos apostadores o pagamento de 15% de Imposto de Renda sobre o valor líquido dos prêmios, e as casas de apostas ficam sujeitas a uma tributação de 12% sobre o que arrecadam. Esses impostos devem garantir até R$ 12 bilhões por ano aos cofres públicos, de acordo com estimativas oficiais. O dinheiro seria direcionado na sua maior parte à seguridade social, mas também aos esportes, à segurança pública e à educação. 

Letícia: A regulação tem outros eixos pra além da taxação. A lei impõe restrições a meios de pagamentos, por exemplo, não pode apostar com cartão de crédito. Impõe restrições também ao perfil dos apostadores. Estão vetados menores de 18 anos, e também atletas e funcionários de clubes esportivos e suas famílias, pra evitar manipulação. E também barra pessoas com nome sujo na praça, incluídas em serviços de proteção ao crédito. As bets vão ter que fazer uma avaliação de risco sobre os apostadores, pra entender se estão diante de alguém em situação temerária financeiramente. 

Antonio: Outro ponto importante é que as bets têm que pedir uma outorga pro Ministério da Fazenda pra poder começar a operar legalmente no país. E elas vão ter que operar em território nacional, muitas delas ficavam em paraísos fiscais. Inicialmente, as bets tinham até janeiro de 2025 pra pedir essa autorização. Mas essa data foi adiantada pra outubro. Ou seja, quem não pedir outorga pro governo até lá, vai ser suspenso e ter seu site tirado do ar no Brasil. 

Letícia: O ministério justificou esse adiantamento citando a série de operações policiais envolvendo bets suspeitas de lavagem de dinheiro. Essas investigações miraram celebridades acusadas de integrar esquemas ilegais e empresas grandes como a Esportes da Sorte, patrocinadora do Corinthians, um dos 19 clubes da primeira divisão do futebol brasileiro que tem uma marca do setor estampada no seu uniforme.

Antonio: O secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Regis Dudena, disse que antecipar os cadastros vai permitir separar empresas sérias de empresas criminosas. E o chefe dele, o ministro Fernando Haddad, destacou também outro argumento: a saúde mental da população.  

Fernando Haddad: Nós estamos vendo a necessidade premente de começar a colocar ordem nisso e nos associarmos ao Ministério da Saúde. Há muitos relatos de problemas de saúde que estão nos chegando e o objetivo da regulamentação é esse. 

Antonio: Você ouviu aí o ministro numa entrevista a jornalistas em 17 de setembro, logo depois de anunciar o pente-fino nas bets. Naquela altura, só 113 dos 2.000 sites de apostas em funcionamento no Brasil tinham acionado a pasta pra conseguir uma outorga e operar regularmente no país. 

[mudança de trilha]

Letícia: O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais define 11 fatores para que uma pessoa seja considerada dependente de jogos. A Isadora Rupp, redatora do Nexo, procurou a Associação Brasileira de Psiquiatria pra entender o que torna uma pessoa adicta em jogos. A Carla Bicca, coordenadora da comissão de psiquiatria das adições da entidade, disse que se a pessoa se encaixar em dois desses 11 critérios, como tentar parar e não conseguir e colocar a sua atividade profissional em risco, ela já tem uma dependência, que pode ser leve, moderada ou grave. 

Antonio: A Carla Bicca disse que, por fatores genéticos ou multifatoriais, certas pessoas têm uma desregulação no eixo do cérebro que mexe na área de gratificação. Com o jogo, essas pessoas sentem mais prazer e recompensa e vão se tornando dependentes. Pessoas com comorbidades psiquiátricas – ou seja, que convivem com algum transtorno mental – têm risco maior. 

Letícia: De acordo com a médica, geralmente a pessoa não percebe o problema, e tem dificuldade para aceitar a dependência: é a família ou pessoas próximas a ela que notam que ela passa muito tempo envolvida na atividade e quase não realiza mais outras coisas que lhe davam prazer. Endividamento, pedir dinheiro emprestado aos amigos ou furtar pequenas quantias para apostar são outros sintomas de agravamento da dependência

Antonio: Pra Carla Bicca, o fácil acesso às apostas online, pelo computador, celular ou no smartwatch, e a propaganda das bets nas ruas, nos times de futebol e nas redes sociais pioram o problema. A psiquiatra disse que ainda não existem estudos que deem o diagnóstico do tamanho da dependência de jogos no Brasil, mas que a observação clínica mostra um grande aumento de casos. 

Letícia: No setor público, os tratamentos contra dependência e adição, inclusive de jogos online, são realizados pelo SUS, via unidades básicas de saúde, e pelos Caps. Centro de Atenção Psicossocial, que cuida de doenças psiquiátricas. Ambulatórios especializados ligados à universidades públicas são outro meio de atendimento. Um exemplo é o do Pro-Amiti, serviço da Universidade de São Paulo  que viu a busca pelo tratamento subir 178% de 2022 a 2023. 

Antonio: A situação preocupa ainda mais porque o sistema público já está sobrecarregado de pacientes buscando tratamento pra dependência em álcool e drogas. Então a tendência é que aumente a demanda por equipamentos públicos pra tratar quem tem transtornos ligados a jogos de azar. Uma crise sanitária que pode estar sendo encomendada pelas fortunas movimentadas pelas bets. 

Letícia: O Durma com essa volta já.

[publicidade]

Letícia: O rapper americano Diddy foi preso na semana passada sob a acusação de ter praticado uma série de crimes sexuais. O Lucas Zacari escreveu sobre o caso dele, que pode acabar até em prisão perpétua. Lucas, quais são os motivos da prisão do Diddy?

Lucas: O Diddy foi preso depois de um júri de Nova York ter aceitado um pedido da promotoria pra processar ele por tráfico sexual, extorsão e envolvimento com prostituição. O caso tem muitos detalhes sórdidos e gira em torno de umas festas que ele promovia que ficaram conhecidas como “freak offs”. Segundo a investigação, nessas festas o Diddy drogava mulheres e obrigava elas a fazer sexo com garotos de programa, filmando tudo. Além disso, ele enfrenta nove acusações de abuso sexual de mulheres diferentes, incluindo relatos de estupro e de agressão física. Os promotores também alegam que seguranças e funcionários da gravadora do Diddy agiam como uma “empresa criminosa” nesse esquema de crimes sexuais, cometendo crimes como sequestros, trabalho forçado, incêndios e subornos.

Letícia: E como esse caso chocante impacta a indústria da música?

Lucas: O nome de batismo do Diddy é Sean Combs, e ele já adotou outros nomes artísticos como Puff Daddy e P. Diddy. O rapper e produtor musical foi um dos principais responsáveis pela consolidação comercial do hip-hop nos anos 90, lançando nomes como o Notorious B.I.G e o Usher e influenciando comercialmente gente como o Jay-Z e o Dr. Dre. Ele foi como que um pioneiro do empreendedorismo no hip-hop, com participação em emissoras de TV, marcas de roupa e bebidas alcoólicas. Então por causa dessa influência toda esse caso teve um impacto muito grande na indústria musical. Artistas próximos a ele, como o Jay-Z, a Beyoncé e o Will Smith foram criticados pela falta de posicionamento sobre as acusações. E o caso do Diddy também remete a outra grande estrela da música que teve o seu nome ligado a crimes sexuais. Estamos falando do R. Kelly, cantor de R&B que foi condenado por extorsão e tráfico sexual de menores em 2021. Ele se tornou o primeiro artista a ter suas músicas retiradas das playlists e de recomendações algorítmicas do Spotify, embora o seu perfil continue no ar no serviço de streaming. Então existe toda uma conversa se os desdobramentos do caso do Diddy podem afetar o catálogo dele.

Letícia: O texto do Lucas você lê em nexojornal.com.br. 

Antonio: Dos danos causados pelas bets às finanças e à saúde às acusações de crimes sexuais contra o rapper Diddy, Durma com Essa.

Letícia: Com roteiro, produção e apresentação de Antonio Mammi, edição de texto e apresentação de Letícia Arcoverde, produção de Isadora Rupp, participação de Lucas Zacari, produção de arte de Mariana Simonetti e edição de áudio de Brunno Bimbati, termina aqui mais um Durma com Essa. Amanhã a gente volta. Até!

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