Profissões

‘Busco me fortalecer e fortalecer quem também foi atingido’

Mariana Vick02 de junho de 2024(atualizado 20/06/2024 às 20h31)
Foto: Arquivo pessoal

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Ana Lúcia Magalhães, vice-presidente do Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande do Sul, fala ao ‘Nexo’ sobre as mudanças no trabalho e no cotidiano durante o desastre no território gaúcho
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“É um misturar de sentimentos”, disse ao Nexo a assistente social Ana Lúcia Magalhães sobre o desastre que atinge o Rio Grande do Sul. Hospedada com o marido na casa de amigos em São Leopoldo, longe da filha e da mãe, afirmou que tenta se moldar “na busca por estar fortalecida e fortalecer as milhares de pessoas que também foram atingidas. Isso tudo num contexto de muitas incertezas.”

Magalhães, que é vice-presidente do Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande do Sul, concilia os desafios de estar desalojada com o atendimento aos mais vulneráveis na tragédia. “Nunca tinha visto uma situação desta. O sentimento é que estamos num filme, que não é real. A natureza tem nos dado recados — infelizmente da pior forma.” 

Ela é a segunda entrevistada da cobertura especial que o Nexo faz para dar espaço a profissionais que estão na linha de frente da tragédia no Rio Grande do Sul. A iniciativa traz entrevistas com representantes de diferentes categorias que contam quais são os desafios de trabalhar neste momento e como o desastre os afetou. Mostra também o que os motiva num cenário de tantas adversidades.

O que te motivou a ser assistente social?

ANA LÚCIA MAGALHÃES Desde a adolescência já atuava na militância na luta antirracista e procurava uma profissão com a qual me identificasse na garantia de direitos, no fortalecimento de políticas públicas e dos sujeitos pra acessar seus direitos e na transformação social da nossa sociedade. Quando conheci um pouco mais sobre o curso de serviço social e a profissão assistente social, de imediato senti que essa era profissão que escolheria. Ela também me escolheu e não me arrependo, pois tenho muito amor e orgulho de ser assistente social. É uma profissão que vai além das lutas com as quais eu já me identificava. 

Quais são os desafios de estar na linha de frente neste momento, atuando na tragédia no Rio Grande do Sul?

ANA LÚCIA MAGALHÃES Tem sido uma tarefa desafiadora, pois, além de ser trabalhadora de assistência social, fui atingida por esta tragédia. É um misturar de sentimentos, e a gente tem que ir se moldando na busca por estar fortalecida e fortalecer as milhares de pessoas que também foram atingidas. Isso tudo num contexto de muitas incertezas, de questões que teremos que aprofundar, debates em meio à complexidade da questão ambiental, social e de saúde mental que afeta o estado do Rio Grande do Sul. 

Como o desastre afetou seu cotidiano? Tem sido possível separar trabalho e vida pessoal num momento como este? 

ANA LÚCIA MAGALHÃES O desastre me afetou diretamente, tanto na vida pessoal como profissional. Estou residindo hoje na casa de um amigo nosso, meu e do meu esposo, numa região que não foi atingida. Minha filha e minha mãe estão na casa dos meus compadres. 

Eu e meu esposo tivemos que ficar numa região com possibilidade de trabalho mais próximo do centro, pois, por um período, o acesso ao outro lado da cidade — onde minha filha e mãe estão ficando — estava interrompido, devido ao volume de água na BR-116 [rodovia que passa pelo Rio Grande do Sul] e em trajetos dentro da cidade. 

As aulas em algumas escolas ainda estão suspensas [a entrevista foi dada no dia 24 de maio], incluindo a escola onde minha filha estuda. Não conseguimos nem acessar nossa casa, pois está alagada. Mas sigo na linha de frente, entre altos e baixos, pois é um processo desafiador ser trabalhadora e estar na situação de desabrigada. De qualquer forma, tento, na medida do possível, não separar o trabalho da vida pessoal, mas buscar estar fortalecida para poder ter saúde mental para atender às famílias. É um desafio diário. Cada dia é um dia. 

O que mais te surpreendeu nas últimas semanas? Há algo que a sra. nunca havia visto nos seus anos de trabalho? 

ANA LÚCIA MAGALHÃES Nunca tinha visto uma situação desta. O  sentimento é que estamos num filme, que não é real. Em 2023, tivemos em junho uma enchente aqui no município, e sucessivamente foi ocorrendo esse agravante em outros municípios. No fim do ano, na minha cidade natal, que é Cachoeira do Sul, a casa da minha mãe — que utilizamos quando vamos para o interior — foi atingida. Mas nada, nada se compara ao que estamos vivendo hoje. E [algo] que [jamais] pudéssemos imaginar que poderia acontecer. É muito triste, porque gera muitas inseguranças. As pessoas tentam encontrar culpados, mas a natureza tem nos dado recados — infelizmente, da pior forma. 

O que tem te motivado agora? Qual é a importância dos assistentes sociais neste momento?

ANA LÚCIA MAGALHÃES Penso que é importante destacar, antes de qualquer coisa, que nós, assistentes sociais, somos profissionais que atuamos em todas as políticas públicas, não somente na política pública de assistência social. Nossa categoria está na educação, na saúde, no meio ambiente, no esporte, na habitação, na luta por pautas que historicamente sofrem com a exclusão e desigualdade social, como as das população negra e indígena, LGBTQIAP+, de mulheres, pessoas com deficiência, população em situação de rua, populações que são estigmatizadas como minoria e inviabilizadas em nossa sociedade. 

São todas estas bandeiras de luta, nosso projeto ético-político da profissão, nosso compromisso pela manutenção de uma sociedade igualitária e justa, que me motivam hoje e todos os dias, desde que fui escolhida e escolhi ser assistente social. Nossa categoria ainda é pouco valorizada. Ainda lutamos por direitos básicos, como o piso salarial, o cumprimento de leis que — pela sobrecarga e complexidade das demandas que acompanhamos e atendemos direta e indiretamente — possibilitem carga horária de 30 horas semanais e o cumprimento da lei nº 13.935/19, que assegura assistentes sociais e psicólogos na rede pública de educação. Essas são garantias de direitos para nós enquanto categoria profissional, que também luta pela garantia de direitos da classe trabalhadora e pensa no indivíduo e no coletivo em todos os públicos — infância, juventude, fase adulta e idoso. São essas e outras motivações que nos fazem ser diferenciados enquanto profissionais. 

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