Percepções sobre o Patrimônio Mundial em risco: o caso de Ouro Preto
Autoria
Giovana Martins Brito
LattesÁrea e sub-área
Ciências Humanas/História
Publicado em
23/02/2024
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A cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, foi o primeiro bem cultural brasileiro a ser declarado um patrimônio mundial pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em 1980. Ela surgiu na época da forte exploração de ouro na região, tendo preservado ao longo dos anos sua arquitetura marcadamente religiosa e colonial e produções artísticas locais.
Esta pesquisa tenta entender quais os riscos para a preservação do patrimônio cultural de Ouro Preto a partir de duas diferentes perspectivas: a da comunidade local e a de órgãos técnicos especializados em preservação que atuam na cidade.
Quais os contrastes entre a percepção da comunidade local e os discursos técnicos sobre os riscos que atingem o patrimônio histórico de Ouro Preto? E como a comunidade local pode ajudar na formulação de políticas para preservá-lo?
O debate sobre a segurança e a preservação de patrimônios culturais vem conquistando cada vez mais espaço nas discussões contemporâneas devido aos recentes acidentes que atingiram bens culturais. Diante das transformações ocorridas com o crescimento das cidades e dos sistemas produtivos que seguem a lógica de acumulação do capitalismo, as relações entre a sociedade e o território seguem em constante alteração.

Ouro Preto, em Minas Gerais
Nesse cenário, adicionando ainda pautas como as mudanças climáticas, a eclosão de riscos que podem ameaçar os patrimônios culturais torna-se uma preocupação latente e aponta a necessidade de elaboração de medidas de prevenção e controle. É fundamental discutir a proteção do patrimônio cultural, uma vez que carregam elementos de referência, memória e identidade da sociedade.
A pesquisa investigou as problemáticas que envolvem a preservação do sítio histórico de Ouro Preto. O objetivo geral foi explorar as interpretações referentes à noção de risco atrelado ao patrimônio mundial através de comparação entre os discursos técnicos e as percepções da comunidade local da cidade.
Analisou-se, primeiramente, o processo mobilizado pela Unesco para a elaboração de documentos que visavam a proteção de patrimônios culturais e o reconhecimento de riscos que os ameaçam.
Em seguida, investigou-se o caso do sítio histórico de Ouro Preto, e foram examinados alguns dos principais riscos que incidem especificamente sobre a cidade. Nessa etapa, foram debatidas as narrativas acerca do processo do reconhecimento do lugar como patrimônio cultural e a veiculação de notícias sobre danos locais.
Depois, a pesquisa se debruçou sobre a avaliação do estado de conservação do patrimônio, por meio de documentos técnicos e instrumentos da política urbana. Constatou-se que há no local riscos geológicos devido à ocupação desordenada dos morros circundantes e a vulnerabilidade associada a vestígios de mineração. Além disso, há riscos de incêndio, por causa das características das construções coloniais e das dificuldades de combate ao fogo pelo fato de as edificações serem muito próximas umas das outras e pelas limitações do espaço urbano.
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Por fim, foram aplicados questionários direcionados à comunidade local que visavam compreender a relação da população com o sítio histórico, sua percepção sobre os riscos envolvidos na preservação do patrimônio e sua visão sobre a atuação dos órgãos de proteção responsáveis. E então foram realizadas entrevistas com representantes da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais e do escritório técnico do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em Ouro Preto, a fim de esclarecer que ações eram empreendidas por eles e quais eram suas formas de articulação.
Dentre os pontos indicados em documentos da Unesco como perigos potenciais para patrimônios mundiais — que também vão ao encontro das conclusões deste estudo de caso de Ouro Preto — destacam-se questões relacionadas a problemas de gestão e institucionais, riscos decorrentes de processos de urbanização e desenvolvimento e ameaças devido a fatores geológicos e climáticos.
Visto essa extensa gama de obstáculos, não é possível uma perspectiva isolada do trabalho de preservação do patrimônio. É fundamental uma abordagem ampla que considere o território em que ele está inserido e as dinâmicas sociais que o envolvem. Tal articulação, para além de promover a cooperação técnica e o compartilhamento de responsabilidades, também contribui no processo de identificação de riscos e desenvolvimento de ações que evitem desastres.
Outra questão central constatada na pesquisa foram os entraves na interlocução entre os órgãos de proteção e a população. A apropriação do patrimônio cultural pela população se dá através da vivência cotidiana e de relações construídas por meio da afetividade, identidade e pertencimento. Mas foi observado um distanciamento dos moradores dos meios institucionais relacionados aos patrimônios.
Nesse sentido, defende-se o caráter essencial de fortalecimento do diálogo das instituições com a comunidade local, de forma a construir uma maior aproximação e proporcionar a mediação dos conflitos existentes.
Pesquisadores e profissionais que atuam na área do patrimônio cultural, historiadores, arquitetos, profissionais da área de geologia e engenharia e gestores e técnicos que atuam na formulação de políticas públicas.
Giovana Martins Brito é doutoranda e mestra em história pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Possui graduação em história com habilitação específica como profissional do patrimônio histórico pela mesma universidade. É membro do ICOMOS Brasil (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) na categoria Jovens Profissionais (Emerging Professionals Working Group). Integra o Laboratório de Patrimônios Culturais e o Grupo de Pesquisa Patrimônio e Relações Internacionais (CNPq). Além disso, atua na realização de trabalhos de consultoria e gestão do patrimônio cultural através de serviços relacionados ao Programa ICMS Patrimônio Cultural em Minas Gerais.
Referências
- BARBOSA, Viviane da Silva Borges. Fechamento de mina para as minas setecentistas: inventário dos vestígios e avaliação dos ativos e passivos socioambientais resultantes em Ouro Preto, Minas Gerais. 2021. Tese (Doutorado em Engenharia Mineral) – Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2021.
- COSTA, Inês de Carvalho. O Sentimento de Perda: Património Mundial – Casos de estudo dos principais riscos para os Bens Culturais. 2020. Dissertação (Mestrado em História da Arte, Patrimônio e Cultura Visual) – Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2020.
- MOUTINHO, Zaira Anislen Ferreira. Lugar e percepção dos riscos socioambientais em Ouro Preto – MG. 2014. 108 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Brasília, Brasília, 2014.
- SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Diferentes olhares sobre a preservação das cidades: entre os dissensos e os diálogos dos moradores com o patrimônio. 2016. 266 f. Tese (Doutorado em Urbanismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
- UNESCO; IPHAN. Gestão de riscos de desastres para o Patrimônio Mundial (Manual de referência do patrimônio mundial). Brasília, 2015. 80 p.