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Ainda me lembro da primeira vez que visitei a Casa do Jongo da Serrinha, em Madureira, um dos bairros da zona norte carioca mais conhecidos do Brasil: pelo povo que “charmeia” por meio de sua música o seu jeito de ser, pelo calor quase que o ano inteiro, pelas escolas de samba mais tradicionais do Brasil, como a Portela e o Império Serrano. Madureira é um bairro preto em sua máxima potência. Para mim, é um dos núcleos centrais brasileiros de onde a ancestralidade afro-brasileira se manifesta da maneira mais genuína.
A Casa do Jongo é um espaço multidisciplinar que, tendo como foco a preservação da história da tradicional dança de origem africana, atende a comunidade do Morro da Serrinha e adjacências com atividades artísticas, de educação e de memória. Nesse dia que visitei esse espaço sagrado, fui recebida pela Dyonne Boy, uma das coordenadoras do espaço. A sensação de adentrar aquele salão arejado, com cortinas estampadas e com uma biblioteca, que nos saúda de cara, era a mesma de estar chegando num espaço muito próximo, afetivo, como se a minha alegria estivesse ali.
Depois de muito tempo de funcionamento no Terreirinho na Balaiada, o Grupo Cultural Jongo da Serrinha, finalmente em 2015, conseguiu construir o seu espaço com toda infraestrutura com que sonhavam há mais de 50 anos. E nesses pouco mais de dois anos, o espaço já realizou uma série de atividades regulares dentro e fora da casa, possibilitadas pelo investimento da prefeitura, por meio do edital de fomento.
Acordei no dia 4 de janeiro de 2018 com a notícia mais dura que o início do ano me trouxe: a Casa do Jongo da Serrinha fechou por tempo indeterminado. O motivo: corte do baixíssimo investimento público de R$ 400 mil por ano, que mantinha o funcionamento da casa com todas as suas atividades.
Em um vídeo feito por Ras Adauto e Vik Birkbeck em junho de 1986, para o canal Cultne, no jongo em Pinheiral, município do sul do estado do Rio, Tia Dirce Gabriela, Tia Rose e Tia Dora contam suas histórias com a dança. De todas as coisas interessantes que relatam, uma diz muito sobre como deveríamos encarar essa tentativa das instituições públicas de querer arruinar os espaços de cultura, principalmente os de matriz africana. No vídeo, é dita a seguinte frase: o jongo pertence a todos.
Yasmin Thaynáé cineasta, diretora e fundadora da Afroflix, curadora da Flupp (Festa Literária das Periferias) e pesquisadora de audiovisual no ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro). Dirigiu, nos últimos meses, “Kbela, o filme”, uma experiência sobre ser mulher e tornar-se negra, “Batalhas”, sobre a primeira vez que teve um espetáculo de funk no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e a série Afrotranscendence. Para segui-la no Twitter: @yasmin_thayna
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