Como esta pesquisa tenta facilitar o tratamento do câncer
Beatriz Gatti
30 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h50)Estudo do Inca propõe abordagem mais rápida e barata da CART-Cell, uma das terapias mais avançadas no combate a tumores. Pesquisadora fala ao ‘Nexo’ sobre as etapas até novo protocolo se tornar viável
Temas
Compartilhe
Luiza Abdo e Martín Bonamino em laboratório do Inca (Instituto Nacional do Câncer)
Uma das terapias com maior potencial de combate ao câncer consiste em retirar algumas células do sistema imunológico e devolvê-las mais fortes ao organismo para melhorar a defesa contra tumores.
O tratamento, chamado de CART-Cell, é recente e teve a primeira aprovação em 2017, nos Estados Unidos. A partir de então, alguns países seguiram o mesmo caminho e passaram a comercializá-lo. Mas a ampliação do acesso à CART-Cell ainda enfrenta obstáculos relacionados aos custos e à duração do tratamento.
Por isso, uma equipe de pesquisadores do Inca (Instituto Nacional do Câncer) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) busca uma solução capaz de encurtar e facilitar a logística do processo, o que poderia torná-lo até 30 vezes mais barato.
Neste texto, o Nexo mostra como os resultados da pesquisa podem facilitar o controle do câncer e explica o que ainda falta para que o novo protocolo seja posto em prática.
O tratamento CART-Cell tem esse nome porque pega as células T, principais responsáveis pelo reconhecimento e eliminação de células infectadas em qualquer organismo humano, e as associa a um receptor sintético chamado CAR (Chimeric Antigen Receptor).
Essa modificação depende da ação de vetores virais, que são ferramentas baseadas em vírus que ajudam os cientistas a obterem o resultado desejado. Por utilizar partes de vírus, a manipulação do processo precisa ocorrer em laboratórios de biossegurança para se evitar riscos biológicos.
Depois da junção das células T com o CAR, elas são multiplicadas e expandidas até poderem ser transferidas para o hospital e reintroduzidas no paciente após alguns dias. Além da necessidade de realizar as modificações em centros especializados, o tratamento precisa ser personalizado, o que contribui para que ele seja muito caro e ainda pouco acessível.
A CART-Cell foi aplicada comercialmente pela primeira vez nos Estados Unidos, após aprovação da FDA (agência norte-americana de saúde) em 2017. No Brasil, três terapias de farmacêuticas estrangeiras já são aprovadas, mas apenas uma se encontra em comercialização – a um valor de cerca de 2 milhões de reais por paciente.
O primeiro ensaio clínico brasileiro desse processo foi autorizado pela Anvisa em julho de 2022 e é coordenado pelo Hospital Israelita Albert Einstein. A tecnologia desenvolvida nacionalmente deve, portanto, aguardar a aprovação dos testes em humanos e regulamentações até passar a ser comercializada.
O novo protocolo desenvolvido pelo Inca propõe um encurtamento do processo a partir de vetores não virais. “A ferramenta que utilizamos não precisa de um alto nível de biossegurança. A ideia é que não seja necessário transferir [as células para centros especializados] e que a modificação seja feita em menos de 24 horas, com uma logística mais simples”, disse ao Nexo Luiza Abdo, bióloga que participou do estudo e é doutoranda pelo Inca e bolsista pela Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).
Além dela, integram o grupo os pesquisadores Leonardo Chicaybam, Luciana Barros, Luísa Marques, Mariana Duarte e Priscila Souza, sob a coordenação de Martín Bonamino, chefe do Programa de Terapia celular e gênica do instituto.
Segundo Abdo, a nova metodologia não exige ativar e expandir as células por vários dias, o que reduz a etapa de modificação para algumas horas. Essa abordagem point-of-care – termo que define qualquer processo médico realizado no mesmo local em que se encontra o paciente – demonstrou resultados promissores em testes com camundongos.
A pesquisadora conta que a sobrevida observada nos animais foi semelhante à obtida pelo protocolo padrão. “A gente não criou novas tecnologias. Usamos o que já estava disponível no laboratório para tornar o protocolo super rápido, e o resultado foi excelente”, afirmou Abdo.
Os resultados foram publicados em 2020 na revista OncoImmunology e receberam, em setembro de 2022, o prêmio Marcos Moraes, dedicado ao reconhecimento de ações de prevenção e combate ao câncer no Brasil.
A expectativa dos pesquisadores do Inca é que, além do encurtamento da terapia, a abordagem se torne cerca de 20 vezes mais barata do que a tradicional. Sua implementação, no entanto, ainda deve levar alguns anos e só pode ocorrer depois da aprovação das fases clínicas da pesquisa.
No momento, o laboratório do Inca trabalha em duas frentes, de acordo com Abdo, que é doutoranda bolsista pela Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro). Uma delas é dedicada ao aperfeiçoamento das células T para melhorar ainda mais seu desempenho. “Estamos adicionando, junto ao CAR, algumas moléculas para deixar a célula mais apta a responder a células tumorais”, explicou ela.
O outro foco atual dos pesquisadores é avançar na parte pré-clínica, que é mais burocrática. Isso significa seguir com testes de segurança e obter as autorizações necessárias para poder iniciar os estudos com humanos.
As fases da pesquisa clínica são importantes para confirmar tanto a segurança quanto a eficiência do protocolo. Na abordagem padrão da CART-Cell, há efeitos colaterais relacionados a uma resposta imune exacerbada, que pode gerar picos de febre e convulsões. “Mas isso já é esperado, está dentro do protocolo e é tratável”, afirmou Abdo.
A hipótese da pesquisadora é que os eventos adversos do novo protocolo sigam um perfil similar ao que acontece com o protocolo tradicional, mas é preciso confirmá-los nas etapas dos ensaios clínicos.
As perspectivas do grupo, segundo a bióloga, são validar o protocolo em poucos anos e conseguir aplicá-lo a nível do SUS (Sistema Único de Saúde). Ela enxerga na abordagem do Inca um bom potencial de garantir qualidade de vida às pessoas com câncer, já que a inovadora CART-Cell representa uma das únicas terapias contra alguns tipos de câncer.
“Se existe uma terapia capaz de fazer com que o paciente sobreviva bem, é muito importante que sejam pesquisadas as possibilidades de torná-la mais abrangente”, acrescentou.
Além do Inca, da Fiocruz e da Faperj, a pesquisa tem apoio do CNPq ( Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), do Pronon (Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica do Ministério da Saúde) e da Fundação do Câncer.
NEWSLETTER GRATUITA
Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia
Gráficos
O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você
NAVEGUE POR TEMAS
ponto. futuro
Destaques
Navegue por temas