Coluna

Reinaldo Moraes

O mirífico Mirisola

18 de dezembro de 2015

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"Paisagem sem reboco" reúne crônicas de um escritor que se recusa a negociar delicadezas

Tem livro novo do Marcelo Mirisola na praça: “Paisagem sem reboco”, uma nova reunião de suas crônicas, cometidas todas ou quase todas (creio que todas) na mídia internética. Mas não são crônicas canônicas, à maneira de um Rubem Braga, Paulo Mendes Campos ou Nelson Rodrigues, embora o autor tenha bebido não poucos goles da fonte rodrigueana, por exemplo.

Não, trata­-se aqui de crônicas nitidamente mirisolianas, o que significa que podem ser lidas também como contos. Do mesmo jeito que os contos do mirífico escritor também podem ser lidos como crônicas, artigos reflexivos sobre tudo e qualquer coisa, inclusive política e relacionamentos amorosos. Ou como grandes detampatórios poéticos. Ou tudo isso misturado no mesmo texto, às vezes na mesma linha.

À diferença dos grandes cronistas brasileiros, porém, que deixaram sua marca d’água na voz narrativa de não poucos escritores mais jovens que os leram, o estilo mirisoliano só pode ser encontrado na prosa do próprio Marcelo Mirisola. É assim como uma moeda raríssima cunhada num metal que só pode ser encontrado naquele moeda única. Um fenômeno paradoxal, desses que, bem de vez em quando, surgem na literatura, meio que do nada.

Mirífico, eu disse aí em cima. Termo que remonta, na língua portuguesa, segundo o dicionário Houaiss, ao ano de 1450, quando o próprio Pedr’Álvares Cabral ainda estava no saco do pai dele e na bolsinha de óvulos de sua genitora. É um adjetivo que qualifica algo “que sobressai pela opulência, riqueza, suntuosidade; maravilhoso, extraordinário, magnífico; perfeito, admirável.”

Quem conhece o Mirisola, com aquelas bochechas das quais ele próprio vive escarnecendo, várias artérias entupidas (já fez mais angioplastias do que obturações nos dentes) e uns joelhos cujas articulações cronicamente inflamadas mal aguentam seu peso, vai achar que estou louco atribuindo à sua pessoa, ou mesmo à sua obra, tal adjetivo. Ou, então, que estou devendo uma grana pro cara, ou que boiolei depois de velho, ou alguma merda do tipo.

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

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