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Embora acusadas pelo próprio ministro da Educação, de forma totalmente irresponsável, de serem locais de prática de balbúrdia, as universidades e institutos de pesquisa públicos brasileiros seguem firmes em seu papel de centros de aquisição e difusão de conhecimento durante a atual pandemia. É nos laboratórios dessas instituições que foi identificado o vírus no Brasil. É nos seus hospitais que são tratados os casos mais complexos, e estudadas possibilidades de tratamento. É nos grupos de pesquisa desses locais que nascem ideias de novos equipamentos médicos e de proteção. São das universidades públicas os principais profissionais capazes de fazer modelos de propagação e instruir políticas públicas a partir deles. E também é nessas instituições que se abrigam centros e profissionais de comunicação de qualidade que vêm informando o público, se não convencendo nossas autoridades políticas, como melhor agir a cada fase do momento, com embasamento científico.
Essas ações são completamente coerentes com a função milenar de universidades, centros que abrigam cientistas pensadores, que buscam empurrar as fronteiras do conhecimento humano, e estudantes engajados no processo de aprender. Nesse modelo Humboldtiano, cuja eficiência é amplamente comprovada nas universidades mundialmente reconhecidas como de melhor qualidade, o ensino e pesquisa trabalham sinergicamente para o progresso do conhecimento e melhoramento da sociedade por meio da extensão universitária.
Obviamente, esses processos de ensino superior e pesquisa não são baratos, embora sejam excelentes investimentos para o desenvolvimento de uma sociedade. É necessário sempre um apoio governamental importante, principalmente em relação à pesquisa, que é o maior gasto universitário, pois a pesquisa básica, a que é mais fundamental e pode levar aos maiores ganhos de desenvolvimento, tem menor aplicabilidade imediata, e consequentemente atrai menor investimento privado. Essa característica é verdadeira em todo o mundo, independentemente de tendências políticas. Além de financiamento público, há internacionalmente também o investimento de indivíduos em ciência básica por filantropia, ou outras motivações pessoais. Nascem assim associações como o Howard Hughes Medical Institute, a Bill & Melinda Gates Foundation e a Chan Zuckerberg Initiative, dentre milhares de outras iniciativas privadas para sustentar pesquisa científica.
No Brasil há algumas iniciativas similares, como o Instituto Serrapilheira (que financia projetos de jovens cientistas) e o Instituto Questão de Ciência (voltado para divulgação científica e defesa de embasamento científico nas políticas públicas). Mas é praticamente ausente no Brasil o investimento pessoal em universidades, enquanto no exterior esse tipo de investimento é não somente comum, mas esperado e cobrado de ex-estudantes que seguiram carreiras de sucesso. Em parte, a culpa pela falta de obtenção de recursos pessoais das universidades é de nosso país, em que não há incentivos fiscais para tais contribuições, mas sobram complicações burocráticas. Em parte, também, a culpa recai sobre as universidades, que historicamente nunca se organizaram para buscar ou receber doações.
Essa acomodação das universidades mudou agudamente com a pandemia. Ao precisarem, de repente, agir rapidamente em busca de soluções específicas — mas cada vez com menos apoio governamental e menor repasse de verbas em vista da crise econômica — as universidades criaram mecanismos para receber doações. Um exemplo é o programa USP Vida , um fundo que ajuda ao Hospital Universitário e pesquisas ligadas à covid-19 da universidade, e que recebe doações pessoais e de empresas por meio de diversos mecanismos, todos bastante simples. Ainda é uma iniciativa pontual, focada na pandemia, e que não abrange a enormidade das atividades dessa universidade em milhares de outras áreas. Mas é um começo, que pode levar a uma importante mudança de atitudes.
Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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