Coluna

Alicia Kowaltowski

É hora de fazer uma doação para uma universidade pública

03 de junho de 2020

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A pandemia acelerou a criação de canais em que pessoas podem contribuir para as instituições educacionais, uma prática comum em países como os Estados Unidos

Embora acusadas pelo próprio ministro da Educação, de forma totalmente irresponsável, de serem locais de prática de balbúrdia, as universidades e institutos de pesquisa públicos brasileiros seguem firmes em seu papel de centros de aquisição e difusão de conhecimento durante a atual pandemia. É nos laboratórios dessas instituições que foi identificado o vírus no Brasil. É nos seus hospitais que são tratados os casos mais complexos, e estudadas possibilidades de tratamento. É nos grupos de pesquisa desses locais que nascem ideias de novos equipamentos médicos e de proteção. São das universidades públicas os principais profissionais capazes de fazer modelos de propagação e instruir políticas públicas a partir deles. E também é nessas instituições que se abrigam centros e profissionais de comunicação de qualidade que vêm informando o público, se não convencendo nossas autoridades políticas, como melhor agir a cada fase do momento, com embasamento científico.

Essas ações são completamente coerentes com a função milenar de universidades, centros que abrigam cientistas pensadores, que buscam empurrar as fronteiras do conhecimento humano, e estudantes engajados no processo de aprender. Nesse modelo Humboldtiano, cuja eficiência é amplamente comprovada nas universidades mundialmente reconhecidas como de melhor qualidade, o ensino e pesquisa trabalham sinergicamente para o progresso do conhecimento e melhoramento da sociedade por meio da extensão universitária.

Obviamente, esses processos de ensino superior e pesquisa não são baratos, embora sejam excelentes investimentos para o desenvolvimento de uma sociedade. É necessário sempre um apoio governamental importante, principalmente em relação à pesquisa, que é o maior gasto universitário, pois a pesquisa básica, a que é mais fundamental e pode levar aos maiores ganhos de desenvolvimento, tem menor aplicabilidade imediata, e consequentemente atrai menor investimento privado. Essa característica é verdadeira em todo o mundo, independentemente de tendências políticas. Além de financiamento público, há internacionalmente também o investimento de indivíduos em ciência básica por filantropia, ou outras motivações pessoais. Nascem assim associações como o Howard Hughes Medical Institute, a Bill & Melinda Gates Foundation e a Chan Zuckerberg Initiative, dentre milhares de outras iniciativas privadas para sustentar pesquisa científica.

No Brasil há algumas iniciativas similares, como o Instituto Serrapilheira (que financia projetos de jovens cientistas) e o Instituto Questão de Ciência (voltado para divulgação científica e defesa de embasamento científico nas políticas públicas). Mas é praticamente ausente no Brasil o investimento pessoal em universidades, enquanto no exterior esse tipo de investimento é não somente comum, mas esperado e cobrado de ex-estudantes que seguiram carreiras de sucesso. Em parte, a culpa pela falta de obtenção de recursos pessoais das universidades é de nosso país, em que não há incentivos fiscais para tais contribuições, mas sobram complicações burocráticas. Em parte, também, a culpa recai sobre as universidades, que historicamente nunca se organizaram para buscar ou receber doações.

Essa acomodação das universidades mudou agudamente com a pandemia. Ao precisarem, de repente, agir rapidamente em busca de soluções específicas — mas cada vez com menos apoio governamental e menor repasse de verbas em vista da crise econômica — as universidades criaram mecanismos para receber doações. Um exemplo é o programa USP Vida , um fundo que ajuda ao Hospital Universitário e pesquisas ligadas à covid-19 da universidade, e que recebe doações pessoais e de empresas por meio de diversos mecanismos, todos bastante simples. Ainda é uma iniciativa pontual, focada na pandemia, e que não abrange a enormidade das atividades dessa universidade em milhares de outras áreas. Mas é um começo, que pode levar a uma importante mudança de atitudes.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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