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Durante um jantar em família que continha kombu, uma alga típica da culinária japonesa, Kikunae Ikeda (1864-1936), professor de química da Universidade Imperial de Tóquio, decidiu tentar identificar qual seria o componente da alga que dava seu sabor especial. Ele chamou o sabor de umami, que em japonês significa uma sensação de paladar agradável, típica de comidas salgadas. Embarcou então numa série de estudos com a finalidade de achar o segredo do sabor delicioso.
Os sabores que detectamos são uma combinação de percepções e sinais que ocorrem na boca e no nariz. Na boca, identificamos quatro sabores além do umami: doce, amargo, ácido e salgado. O restante dos sabores percebidos, toda aquela variedade de sensações diferentes que a comida traz, é proveniente dos cheiros dos alimentos (e é o motivo pelo qual a comida fica menos saborosa quando você está com o nariz congestionado). Tanto na boca quanto no nariz, moléculas específicas dos alimentos se ligam a receptores que, quando ativados, estimulam nervos que levam o sinal ao cérebro, que então processa as informações recebidas e dá a nós a percepção dos alimentos que comemos.
Para identificar a fonte do sabor umami, Ikeda usou uma estratégia experimental comum na prática científica: a separação de componentes para identificação da fração ativa, que nesse caso era aquela com sabor delicioso. Basicamente, essa estratégia consistiu em começar com um alimento que conhecidamente possuía o sabor umami, macerá-lo e separar componentes com características diferentes desse alimento, testando cada fração para seu sabor. Ao final de várias rodadas de separação e identificação, Ikeda havia isolado um sólido branco que ele identificou como sendo glutamato, na sua forma de sal de sódio.
Glutamato pode ser um nome pouco conhecido da maioria das pessoas, mas é uma molécula que todos nós possuímos e comemos. É um dos 20 tipos de aminoácidos, componentes básicos que, quando ligados quimicamente, fazem as proteínas. O glutamato está presente de forma livre dentro de vários alimentos deliciosos, como queijos, tomates e molho de soja, e também é liberado de carnes e outros alimentos ricos em proteínas quando as comemos, porque temos enzimas na nossa saliva que quebram as proteínas, produzindo glutamato e outros aminoácidos. O resultado é que, toda vez que comemos alimentos ricos em proteínas, ativamos receptores umami em nossas bocas, e temos a sensação de comer algo muito prazeroso.
Em 1908, Ikeda já tinha desenvolvido métodos industriais que eram capazes de produzir o pó branco que causava a sensação saborosa, levando à fundação da Ajinomoto (que em japonês significa “essência de sabor”), empresa dedicada originalmente à venda de sais de glutamato. O produto é comumente usado na culinária oriental, mas não é sem controvérsias, tendo sido associada à “síndrome do restaurante chinês”, uma série de sintomas desconfortáveis como dor de cabeça e sensação de calor que foram inicialmente sugeridos serem causados pelo glutamato adicionado. Hoje sabemos, através de estudos científicos diversos e aprofundados, que não há relação entre o consumo de glutamato e esses sintomas. O consumo de quantidades usuais do aditivo alimentar é considerado seguro pelas principais agências de regulamentação internacionais.
Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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