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Em 1937, uma dupla de pesquisadores nos EUA buscou determinar a zona de termoneutralidade de seres humanos, ou a temperatura do ambiente em que a nossa produção de calor basal corresponde ao necessário e suficiente para que nossos corpos se mantenham na sua temperatura normal de funcionamento, de cerca de 37°C. Descobriram que para homens nus (o estudo não envolveu mulheres) sem nenhuma atividade física, temperaturas ambientes de cerca de 30°C os mantinham termoneutros. Nesta temperatura e condições, não se observava a ativação de estratégias para aumentar nem diminuir a temperatura corporal – a produção de suor, por exemplo, é uma forma de evitar superaquecimento.
Quando estamos vestidos, as roupas retêm significativamente o calor gerado pelos nossos corpos. Esse fator, aliado à presença de algum tipo de movimentação física, determina que a temperatura de ambientes internos em que a maioria das pessoas se sente confortável é entre 20°C e 25°C (dependendo de características da pessoa e da vestimenta usada).
Boa parte do Brasil, nesta semana, se encontra com temperaturas significativamente inferiores a 20°C. E boa parte do Brasil não possui calefação em ambientes internos, realidade que causa espanto em muitos visitantes estrangeiros, ao se darem conta que passam mais frio aqui do que em países temperados, pelo simples fato de serem expostos a temperaturas baixas o tempo todo. Mas isso não significa que todos vamos ver nossos corpos esfriar abaixo dos 37°C, pois, além de nos vestirmos com mais camadas de roupas para evitar a perda de calor dos nossos corpos, temos mecanismos que podem ser ativados para nos manter aquecidos.
Um mecanismo para manter nossos corpos aquecidos é evitar a perda de calor através da vasoconstrição periférica, ou a diminuição da chegada de sangue (quente) nos vasos das nossas extremidades, como mãos e pés, onde o calor pode ser perdido para o ambiente. Esse mecanismo poupa o calor para as partes centrais do corpo, onde também ficam os órgãos mais vitais. É por causa desta constrição de vasos que nossas mãos e pés ficam gelados quando estamos com frio. É também por causa deste mecanismo que a mania de estabelecimentos brasileiros de aferir a temperatura corporal no punho dos clientes em vez da testa é inapropriada, além de anticientífica.
O segundo mecanismo para manter a temperatura corporal no frio é gerar calor adicional dentro dos nossos corpos. Como todos os seres vivos, nós humanos estamos o tempo todo transformando quimicamente moléculas dentro de nossos corpos, através do metabolismo . Essas transformações químicas liberam energia, e, como ditam as leis da termodinâmica, toda a energia liberada que não é armazenada de algum modo resulta na formação de calor. Essa formação de calor metabólico é constante nos nossos corpos, de modo semelhante à produção de calor pelo motor de um carro, porque nem toda a energia liberada da queima de combustíveis é aproveitada no movimento do veículo. Como não existe “aproveitamento perfeito” de energia química, a liberação de calor metabólico é constante e inevitável em seres vivos, e é o motivo pelo qual nossa temperatura ambiente de termoneutralidade é de 30°C, menor que a nossa temperatura corporal de 37°C. Viver e metabolizar nos aquece constantemente.
Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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