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Alicia Kowaltowski

Tartarugas não envelhecem: o segredo da juventude eterna

29 de junho de 2022

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Embora se possa questionar se podemos atingir vidas significativamente mais longas, ou se sequer devemos perseguir este objetivo como cientistas, poucos duvidam que seria interessante termos vidas mais saudáveis

Desde que a humanidade existe, pessoas de diferentes culturas procuram a fonte da juventude eterna, ou mecanismos para evitar a deterioração típica do envelhecimento. Os chineses por volta do século 10 a.C. já contavam histórias sobre o mítico Monte Penglai, habitado por imortais, onde cresciam frutos encantados capazes de curar qualquer doença, promover a juventude eterna e até mesmo ressuscitar os mortos. Qin Shi Huang (259–210 a.C.), primeiro imperador da China unificada, promoveu construções que certamente o imortalizaram, como uma grande muralha e seu mausoléu contendo o exercício de terracota. Mas com o avançar da idade buscou também a imortalidade literal, enviando emissários para buscar pelo Monte Penglai o sonhado rejuvenescimento. Fábulas sobre fontes da juventude aparecem também nos contos de Heródoto e nos romances sobre a vida de Alexandre, o Grande. Durante a exploração espanhola do Caribe e das Américas, o primeiro governador de Porto Rico, Juan Ponce de León, ouviu lendas do povo nativo sobre a existência de fontes de juventude, e supostamente saiu em busca destas ao navegar para onde hoje se encontra a Flórida.

Na atualidade, a sede pela vida eterna não se esvaiu: Jeff Bezos, fundador da Amazon, financiou a recente criação da Altos Labs , uma companhia tecnológica com o objetivo de desenvolver reprogramação celular e rejuvenescimento, recrutando cientistas renomados usando um financiamento nada modesto de US$ 3 bilhões. E não é a primeira companhia anti-idade fundada com apoio de megaempresários da internet: em 2013, Larry Page, cocriador do Google, anunciou o lançamento da Calico , empresa que também conta com financiamento bilionário, para compreender os mecanismos que levam ao envelhecimento, e assim desenvolver intervenções para promover vidas mais longas e saudáveis.

Embora se possa questionar se podemos atingir vidas significativamente mais longas, ou se sequer devemos perseguir este objetivo como cientistas, poucos duvidam que seria interessante termos vidas mais saudáveis, evitando as doenças associadas à idade. À medida que somamos mais anos de vida, aumentam as nossas chances de desenvolver uma gama imensa de doenças, incluindo alterações metabólicas (como a diabetes), proliferativas (tumores), cardiovasculares (infarto e insuficiência cardíaca) e neurológicas (Alzheimer). Estas doenças não somente aumentam nosso risco de morte, mas também de morbidade, levando muitos de nós a viver com menos saúde à medida que envelhecemos, o que certamente é indesejável.

Há muitas pesquisas para entender os mecanismos que nos levam a desenvolver estas alterações associadas à idade, incluindo olhar para a natureza, e como diferentes animais mudam com o passar dos anos. Neste sentido, cientistas têm olhado com interesse para aves, pois estas têm expectativas de vida muito mais longas se comparadas a mamíferos do mesmo tamanho (em geral, animais maiores vivem mais). Um dos achados consistentes entre mamíferos e aves é que a velocidade com que envelhecem é inversamente proporcional à sua reprodução, ou seja, animais que se reproduzem cedo na vida, ou têm altos números de prole por ano, vivem menos. Mas apesar de envelhecer mais lentamente, aves ainda têm processos de envelhecimento, e sua chance de morrer ou desenvolver doenças aumenta com a idade.

Há animais que simplesmente não envelhecem, no sentido que não há aumento da chance de desenvolver doenças ou morrer à medida que o tempo passa. Um exemplo é a hidra, um animal aquático de corpo cilíndrico que não demonstra nenhuma evidência de degeneração com o tempo e, calcula-se, pode viver mais de 1.000 anos. O motivo para isso é que é um animal muito simples, sem cérebro ou vértebras, e com enorme quantidade de células-tronco, capazes de regenerar tecidos. Mas há sinais também da existência de animais mais complexos sem taxa de envelhecimento discernível. Dados da Calico apontam para o surpreendente achado de que o rato-toupeira-pelado, um pequeno mamífero conhecido por viver muito mais tempo do que o esperado para seu tamanho, aparentemente não apresenta aumento de risco de morte com a idade. Mas ainda há dúvidas, pois se trata de um animal difícil de estudar em laboratório ou na natureza, então foram acompanhados muito poucos indivíduos.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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