Coluna

Alicia Kowaltowski

Adoçante faz mal para a saúde? Ajuda a emagrecer?

31 de maio de 2023

Temas

Compartilhe

Apesar de documento da Organização Mundial da Saúde poder gerar respostas erradas paralelas e sem embasamento científico, há um ponto a se fazer sobre o consumo geral de produtos para substituir açúcar

Recebi estes dias uma mensagem de uma conhecida perguntando se realmente era perigoso consumir adoçantes, conforme ela ouviu dizer serem as novas recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde). Não é surpreendente que ela tenha se assustado, pois um anúncio da OMS sobre adoçantes (que de fato foi feito em 15 de maio) carrega um peso, em decorrência de sua posição como agência mundial. Infelizmente o posicionamento oficial gerado pelo documento da OMS foi distorcido em redes sociais e agências de notícias de menor cuidado editorial, chegando a lançar manchetes absurdas como “OMS Faz Alerta Para Pessoas Pararem de Tomar Estes 9 Adoçantes Imediatamente” ou “Recomendação é Manter o Paladar Natural e Sem Aditivos”, dentre outras afirmações inverídicas e absurdas que encontrei.

Vamos aos fatos: o que foi publicado pela OMS em relação a adoçantes é uma “recomendação condicional”, ou seja, um guia com base em algumas evidências, mas sem certeza destas, faltando provas científicas mais consistentes, que poderiam apoiar uma “recomendação forte” (outra categoria de recomendações da OMS). Este documento em nenhum momento sugere que adoçantes possam ser perigosos ou tóxicos. Pelo contrário, faz referência clara ao fato de que seu consumo é seguro, como demonstrado por múltiplos estudos e análises cuidadosas de agências regulamentadoras. Qualquer molécula, até mesmo a água, é tóxica se consumida em muito excesso, mas as quantidades necessárias de adoçantes para se chegar à toxicidade são tão maiores do que se pode consumir no dia a dia que não há nenhum perigo. A recomendação condicional da OMS não é um documento sugerindo que adoçantes são perigosos.

Também não é um documento demonizando adoçantes por não serem de “paladar natural”. Não há nenhum motivo para isto, já que a OMS certamente entende que moléculas naturais não são magicamente menos tóxicas ou piores para a saúde de humanos do que moléculas produzidas pela tecnologia humana. O documento claramente se refere a “adoçantes não-açúcar” naturais ou sintéticos, moléculas com gosto adocicado mas sem ou com baixo valor calórico, incluindo o aspartame, ciclamatos, sacarina, sucralose, stevia e várias proteínas derivadas de plantas. E o documento claramente se refere não à segurança destes adoçantes, mas sim à aplicação como mecanismo para controle de peso e prevenção da obesidade. Também é enfatizado o foco da publicação em obesidade: o texto não se refere a evidências associadas ao uso de adoçantes em doenças como a diabetes, em que a ingestão de açúcar requer controle.

De modo bem específico, e também como “recomendação condicional”, a OMS diz que adoçantes não são recomendáveis como forma de controle de peso e prevenção ou reversão da obesidade a longo prazo. Para apoiar esta recomendação, levantam vários dados da literatura estudando a curto e longo prazo os efeitos da ingestão de adoçantes na obesidade e ganho de peso. Aqui eu tenho uma crítica à forma que o documento foi anunciado publicamente, até pela própria OMS , em que não se incluiu o “longo prazo” no título de todas as comunicações. Esta inclusão, no meu ver, se faz necessária porque os resultados de estudos de curto e longo prazo inclusos na análise são bem diferentes.

Em estudos de curto prazo (geralmente durando alguns meses) em que pessoas são separadas randomicamente em grupos que usam adoçantes e não usam adoçantes, o grupo que usou adoçantes reduziu a ingestão de calorias, e tinha menor peso ao final dos estudos. Isso é esperado, pois adoçantes possuem o gosto adocicado, mas não as calorias do açúcar.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

Navegue por temas