Coluna

Alicia Kowaltowski

Como a ciência do emagrecimento engorda a economia 

20 de setembro de 2023

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Com o advento e popularidade dos medicamentos à base de semaglutida, lucros explodiram de modo tão desproporcional que molécula remodelou a economia dinamarquesa

Há mais de uma década, cientistas que trabalham na área de metabolismo notam um enorme aumento de atividades de pesquisa na Universidade de Copenhague, na Dinamarca, conhecida pela sua ligação com contos de fadas e uma escultura da Pequena Sereia, que adorna sua costa. São anunciadas posições para pesquisadores e chamadas de projetos variados, voltados para estudos de doenças metabólicas como obesidade e diabetes, buscando atrair pesquisas e pesquisadores de qualidade. Cientistas de todo o mundo recebem pedidos confidenciais para avaliar projetos profissionalmente, dentro dos melhores parâmetros da análise por pares, processo que busca garantir a qualidade do investimento em ciência. Vários pesquisadores de renome, além de jovens promissores, se mudaram para a cidade, que se estabelece cada vez mais firmemente como um centro forte e dinâmico de pesquisa científica na fronteira do conhecimento.

As chamadas são o produto de uma parceria entre a universidade pública dinamarquesa e a Fundação Novo Nordisk, ligada à empresa farmacêutica do mesmo nome, com investimentos monetários significativos na construção de infraestrutura de laboratórios, contratação de profissionais e financiamento de projetos de pesquisa. Trata-se de uma de várias parcerias entre o setor público, privado e organizações sociais que promovem atividades na Universidade deCopenhague. E não pense que por ser uma parceria ligada a uma empresa farmacêutica teria que ter um forte caráter de apoio apenas à pesquisa translacional, de aplicabilidade mais imediata: o próprio nome do centro, Center for Basic Metabolic Research (Centro para Pesquisa Básica em Metabolismo, em tradução livre) deixa clara a intenção de se investir prioritariamente em pesquisa básica.

A Novo Nordisk certamente compreende que a ciência básica, aquela que visa compreender propriedades e mecanismos fundamentais que governam a natureza, é a que mais avança nosso conhecimento sobre o mundo que nos cerca. Com isto, é também o tipo de pesquisa científica com maior probabilidade de trazer grandes e novos achados capazes de mudar os rumos da sociedade, com maior impacto em nossas vidas. De fato, o centro focado em pesquisa metabólica deCopenhague está longe de ser o único financiado pela fundação em questão, que apoia iniciativas muito variadas na universidade, da biotecnologia e medicina de precisão à sustentabilidade, agricultura e ciência dos alimentos, inovação digital, empreendedorismo e artes.

Talvez a Novo Nordisk seja especialmente capaz de compreender a importância e significativo retorno econômico de se investir em pesquisa básica e em amplas frentes por causa do seu histórico. A empresa, que completa 100 anos em 2023, foi fundada um ano após a descoberta canadense de que era possível isolar insulina de animais e usá-la para tratar diabéticos , e rapidamente levou este tratamento inovador e vital à Dinamarca e ao mundo.

O financiamento e estímulo à pesquisa básica nas últimas décadas, aliados à tradição centenária na área de inovação em diabetes, renderam à Novo Nordisk uma nova ferramenta farmacológica capaz de revolucionar o tratamento de doenças metabólicas. Já escrevi sobre a ciência por trás do desenvolvimento da molécula semaglutida , presente nos novos tratamentos para obesidade e diabetes Wegovy e Ozempic, de propriedade da Novo Nordisk. São tratamentos novos e altamente eficazes para doenças metabólicas, diminuindo a sensação de fome excessiva que leva a elas, e levando a sensível perda de peso, associado a melhoras de saúde. Embora ainda haja uma barreira econômica para muitos pacientes adquirir este fármaco, esta deve se dissipar com o aparecimento de outras opções semelhantes e novas maneiras mais econômicas de produzi-lo. De fato, a semaglutida, como nova opção farmacológica para doenças que são extremamente prevalentes no mundo atual, é um divisor de águas, capaz não somente de melhorar a saúde de centenas de milhões de pessoas, mas também de reverter o estigma associado à obesidade, ao provar na prática que se trata de doença tratável, e não causada por falta de controle pessoal.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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