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Alicia Kowaltowski

Quer acelerar seu metabolismo? Estude estressado

10 de janeiro de 2024

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Em 2024 pense – “acelerando” assim um pouco seu metabolismo – em passar mais tempo usando seus neurônios, como por exemplo lendo jornais ou aprendendo algo novo

Chegamos a um novo ano, aquela época em que muitos fazem resoluções buscando maior saúde pessoal, ou somente buscando reverter os excessos com que se alimentaram no período de festas. Não podendo perder a oportunidade de vender suas soluções metabólicas mágicas, também é a época de ver as propagandas enganosas em mídias sociais cheias de oferecimentos de suplementos ou instruções (oferecidas mediante pagamento, claro) para “acelerar seu metabolismo”, melhorando sua saúde, modelando corpos e transformando magicamente as vidas das pessoas. 

Além da apelação e do anticientificismo dessas propagandas, elas expõem o poder persistente do perigoso e extremamente lucrativo mercado de suplementos – que não envolve regulamentação alguma para assegurar efetividade. Essas propagandas mascaram suas promessas com palavreado que parece remeter a algo bom e desejável para a saúde, e até mesmo ter base técnica ou científica. Não há. Um exemplo é a promessa de fazer “detox”, sugerindo a remoção de algum tipo de molécula tóxica. O problema é que eles não falam que moléculas tóxicas são essas a ser eliminadas, até porque elas não existem

Outra promessa estranha é “acelerar o metabolismo”. Metabolismo é o conjunto enorme de reações químicas que ocorrem dentro de nossos corpos, e que incluem tanto reações que quebram moléculas quanto reações que sintetizam moléculas. Não é algo a ser acelerado como um processo global. Teoricamente, ao comer em excesso no final do ano, pelo menos uma parte de nosso metabolismo está estimulado, levando à maior síntese de gorduras, a forma predominante de depósito dos excessos que comemos. Mas tenho certeza de que não é isso que os tais produtos “aceleradores de metabolismo” querem nos prometer…

Claro que entendo que “acelerar o metabolismo” nessas propagandas quer dizer aumentar o gasto de energia basal do seu corpo, de modo que haja menos “sobra” energética, levando a menos produção e mais degradação de moléculas, em última instância promovendo emagrecimento. De fato, existem pessoas que possuem gasto energético basal maior, tendo portanto a tendência a serem naturalmente magras. Mas os mecanismos que levam a essa mudança são complexos, e não há um sequer medicamento que possa transformar as características metabólicas de qualquer pessoa para torná-la especificamente menos eficiente energeticamente como essas pessoas com baixa tendência a engordar. E se não há medicamento, certamente não há suplemento ou pozinho milagroso vendido pelo celular. 

Muitos dos suplementos mágicos “aceleradores de metabolismo” contêm moléculas que de fato podem temporariamente promover um aumento do uso de energia do nosso corpo através de ações como incremento da nossa frequência cardíaca, movimentação espontânea ou os mecanismos de sinalização celulares que levam à quebra de nossas moléculas de reserva. Isso inclui moléculas bem conhecidas, como a cafeína (do café), a teobromina (do chocolate) e a capsaicina (da pimenta). O problema é que o efeito dessas moléculas aumentando o gasto metabólico é muito pequeno em relação a todos os gastos que o corpo tem (que nos mantém vivos), e dura poucos minutos do dia. Se houvesse ingestão deles em quantidades suficientes e com constância necessária para promover emagrecimento, haveria junto muitos efeitos indesejados dessas moléculas, como tremores, irritabilidade, insônia, palpitações e perda óssea. Certamente não são ferramentas adequadas para perda de peso. A cafeína, por exemplo, é uma molécula que pode apresentar toxicidade em quantidades relativamente próximas às que consumimos usualmente no dia a dia – exagerar nos suplementos cafeinados pode levar até à morte. 

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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