Temas
Compartilhe
Ciência, um processo em que trabalhamos coletivamente para explorar o universo, expandindo nosso conhecimento, é por natureza uma prática colaborativa e mundial. É por isso que é importante para o bom cientista ter experiência internacional imersiva durante sua formação. Trabalhar em projetos científicos no exterior permite que o jovem cientista aprenda novas técnicas e modos de pensar, além de ver diferentes maneiras de fazer perguntas e orientar outros jovens cientistas. Trabalhar no exterior, e junto a diferentes grupos, também permite estabelecer amplas redes de contatos e colaborações pelo mundo afora, que permitirão maior criatividade e avanço do conhecimento quando esses cientistas estabelecerem suas próprias linhas de pesquisa.
Por esses motivos, e pela importância que trabalhar fora do Brasil teve em minha formação pessoal, sempre incentivei os jovens cientistas no meu grupo a realizarem estágios internacionais, além de ter experiência com diversos supervisores. Sair do ninho faz com que jovens cientistas amadureçam, juntamente com a ciência produzida por eles. E até recentemente não havia perda de cientistas com isso. Os números indicavam claramente que a grande maioria dos cientistas brasileiros voltava ao país para estabelecer grupos de pesquisa permanentes. Observei isso com meus estudantes: a maioria formada nos anos iniciais do meu laboratório estabeleceu carreiras em diferentes estados brasileiros. Essa situação mudou bastante nos últimos anos, em que vi crescer formandos que decidiram ficar no exterior. Ocorre em todo país uma diáspora científica, com a saída de cientistas brasileiros para o exterior.
Deixo claro que tenho muito orgulho das conquistas e carreiras dos ex-estudantes do meu grupo, tanto daqueles que estão no Brasil quanto daqueles que, por circunstância ou oportunidade, se estabeleceram no exterior. Também tenho clara consciência de que cientistas brasileiros atuando internacionalmente possuem importância para a ciência internacional e nacional, frequentemente estabelecendo vínculos colaborativos fortes com grupos locais. Mas um país que perde mais cientistas do que ganha através de mobilidade internacional, ou que perde mais do que o planejado para seu investimento em formação de pensadores, precisa se preocupar com a atratividade da carreira científica local. Sem isso, corre o risco de não ter soberania e desenvolvimento nacionais, apoiados pela pesquisa científica própria.
Foi com esse intuito que foi lançado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) o programa Conhecimento Brasil, visando atração e fixação de talentos no território nacional, em instituições de pesquisa tanto públicas quanto privadas. Infelizmente, ao examinar a portaria que estabelece o programa, tenho grandes preocupações sobre sua sustentação e implementação. Programas visando fixação de talentos em ciência precisam ter como alvo cientistas de alto mérito, assegurar que estes tenham condições institucionais para realizar atividades científicas de fronteira e dar segurança para que haja perspectivas a longo prazo para esses indivíduos, sem as quais certamente não vislumbrarão retornar ao país. Não vejo nenhum dos pontos desse tripé fundamental corretamente abordado no programa apresentado.
Não há como cientistas de qualidade vislumbrarem um futuro em pesquisa no Brasil no momento, considerando que a última Chamada Universal para projetos de pesquisa do CNPq se deu com orçamento muito baixo, e em moldes esdrúxulos que requeriam forçosamente a realização de pedidos em grupos, o que dificulta o uso das verbas já enormemente limitantes para a realização de qualquer atividade científica (cerca de R$ 18 mil por ano por pesquisador, no máximo). Também não há como vislumbrar um futuro como cientista num país que tornou a atividade acadêmica tão burocrática que um pesquisador mal tem tempo de pensar. Essa bur(r)ocracia já se faz notável no primeiro passo da carreira, com os rituais absurdos envolvidos nos concursos públicos para contratação de docentes, coibindo a atração de talentos internacionalmente.
Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Navegue por temas