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Movimento Pessoas à Frente

Equidade de gênero nas eleições municipais 2024: confirma!

25 de setembro de 2024

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A representatividade feminina, em todas as suas interseccionalidades, é uma conquista para a democracia brasileira

As eleições municipais de 2024 trazem duas questões-chave para a equidade de gênero na administração pública: se por um lado já está comprovado que uma burocracia representativa, sobretudo em cargos de liderança, faz com que os serviços públicos construam políticas públicas de melhor qualidade para a população, por outro é premissa fundamental de um Estado democrático representativo a sua direção igualmente distribuída entre homens e mulheres. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas também preveem a garantia da participação plena de mulheres e a igualdade de oportunidades para liderar a tomada de decisão na vida pública, econômica e política.

É urgente transformar o perfil atual da camada decisória para que possamos alcançar resultados públicos mais efetivos

Ainda temos números muito negativos da participação feminina em espaços de poder: apesar dos avanços significativos das últimas décadas, o Brasil se encontra na 132ª posição, entre 193 países, no ranking de mulheres em espaços equivalentes ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados. Em 2022, segundo o Relatório Luz, o país elegeu 91 deputadas federais (17,7% das cadeiras), um aumento em relação às 77 de 2018. Cabe destacar ainda que candidatas mulheres foram as mais votadas em oito estados (AC, GO, MA, PA, RJ, RN, SC e SE) e no Distrito Federal. Pela primeira vez, duas mulheres trans foram eleitas para o cargo. Ainda considerando o âmbito eleitoral, mas agora nos municípios, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, 64% das cidades não tiveram nenhuma prefeita eleita desde 2000, número que sobe para 71% quando considerados os municípios com mais de 100 mil habitantes. Das 26 capitais, apenas 7 elegeram mulheres para o cargo nos últimos 24 anos.

Embora haja avanços representados a partir de leis e políticas afirmativas, como a recente alteração realizada na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), que definiu um mínimo de 30% e máximo de 70% na distribuição das candidaturas por sexo em cada partido político ou coligação, as mulheres ainda enfrentam barreiras substanciais para alcançar posições de liderança política. O machismo estrutural e a dificuldade de acesso a recursos nas campanhas eleitorais, sobretudo financeiros, são os principais obstáculos. A situação é ainda mais desafiadora quando falamos de mulheres negras. Um estudo de 2015 dos pesquisadores Luiz Augusto Campos e Carlos Machado apontou que as dificuldades enfrentadas por mulheres pretas e pardas refletem a exclusão histórica dessas populações da elite política, agravada pela falta de acesso a financiamento eleitoral.

O cenário de desigualdade visto em cargos eletivos é muito similar a outro espaço de tomada de decisão fundamental para o Estado, também no Poder Executivo: nos órgãos da administração pública, principalmente em seus cargos de liderança. O Movimento Pessoas à Frente identificou no estudo “Desigualdade de Gênero em Cargos de Liderança no Executivo Federal” a falta de representatividade em nível federal: apesar de representarem mais da metade da população brasileira, nos cargos de Natureza Especial, como secretárias executivas, secretárias especiais e subchefias, apenas 27% são ocupados por mulheres, caindo para 8% quando falamos de mulheres negras. Importante registrar também que a maior proporção de mulheres que alcançam cargos de liderança está concentrada nas áreas sociais, mais identificadas com o cuidado, como Saúde, Educação, e Cultura.

As eleições municipais de 2024 são uma oportunidade relevante para aumentar a participação feminina na vida pública representativa: são 155.564 mulheres se candidatando aos cargos de vereadora e prefeita nas mais de 5 mil municipalidades; destas, 969 são mulheres trans. Este é o momento, também, para que prefeitos e prefeitas entendam a relevância da burocracia representativa, de forma a aumentar os tímidos 27% de mulheres no comando de secretarias municipais nas capitais.

Além de imperativo democrático e valor fundamental da nossa Constituição Cidadã, promover a equidade de gênero na gestão pública é imprescindível para um olhar representativo da população sobre os problemas reais que fazem parte da nossa vida cotidiana e do Brasil que queremos construir. É urgente transformar o perfil atual da camada decisória para que possamos alcançar resultados públicos mais efetivos. Garantir a representatividade é ampliar a diversidade de olhares em busca de novas formas de fazer política e de soluções para os imensos problemas ainda enfrentados por nossa sociedade. 

Para além dos cargos eletivos, há outras políticas que podem ser implementadas para melhorar os números de mulheres na gestão pública, especialmente em cargos de liderança, e assim assumir um compromisso integral com a equidade de gênero. Entre elas, vale destacar a oportunidade de acesso por práticas de recrutamento e seleção, passando pela inclusão de competências e habilidades condizentes em programas de gestão de desempenho e desenvolvimento de servidores, a criação de canais de acolhimento e escuta qualificada no combate ao assédio e a transparência de dados para acompanhar e aprimorar todas as medidas de gestão de pessoas implementadas.

O cenário que se desenha para as eleições municipais de 2024, com o aumento de candidaturas femininas e negras, é um sopro de esperança. Ainda temos muito a conquistar, mas há, sem dúvida, avanços concretos a serem celebrados. A representatividade feminina, em todas as suas interseccionalidades, é uma conquista para a democracia brasileira e uma promessa de que a diversidade nos espaços de poder e decisão resultará em políticas públicas mais inclusivas e efetivas para toda a sociedade.

Jessika Moreira é diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente.

Mariana Almeida é diretora executiva da Fundação Tide Setúbal.

Bruna Barros é diretora executiva do RenovaBR.

Movimento Pessoas à Frenteé uma organização da sociedade civil, plural e suprapartidária. Com base em evidências, ajuda a construir e viabilizar propostas para aperfeiçoar políticas públicas de gestão de pessoas no setor público, com foco em lideranças. A rede de membros do Movimento Pessoas à Frente une especialistas, parlamentares, integrantes dos poderes públicos federal e estadual, sindicatos e terceiro setor, que agregam à rede visões políticas, sociais e econômicas plurais.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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