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Movimento Pessoas à Frente
Um novo Estágio Probatório Unificado para o setor público
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O serviço público brasileiro enfrenta desafios históricos no que diz respeito à avaliação de desempenho dos servidores, especialmente durante o estágio probatório, período inicial de três anos em que o trabalhador será avaliado e, se aprovado, terá estabilidade no cargo. A falta de normas unificadas e diretrizes claras têm resultado em avaliações inconsistentes e, muitas vezes, inconclusivas, o que prejudica o desenvolvimento e a preparação dos novos ingressantes para as exigências do setor público. Esse cenário não apenas impacta a eficácia das instituições, mas também compromete a qualidade dos serviços prestados à sociedade. A solução para esse desafio, portanto, passa pela inovação, o que exige adequação do atual modelo para que se promova uma cultura de acompanhamento contínuo do desenvolvimento profissional, garantindo que os funcionários estejam alinhados com os objetivos estratégicos das organizações e com os valores maiores da administração pública.
Nesse sentido, pela primeira vez desde a Lei 8.112/1990, haverá um instrumento que estabelece diretrizes, critérios e procedimentos a serem seguidos por todos os órgãos e entidades integrantes do Sipec (Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal), garantindo que o processo de avaliação de desempenho seja uniforme, equânime, justo e transparente. Com a aprovação deste novo decreto, as regras para o estágio probatório dos servidores da APF (Administração Pública Federal) serão unificadas.
Ausência de regramento uniforme para toda a administração pública federal resulta em múltiplas interpretações
Além de unificar as normas sobre essa matéria, o novo decreto introduz mudanças que visam aprimorar a gestão do desempenho, com ênfase no desenvolvimento profissional dos servidores recém-ingressos por meio de concursos públicos. O estágio probatório é essencial para avaliar a aptidão e a capacidade dos trabalhadores para o desempenho de suas funções, e agora contará com diretrizes que melhor preparam esses profissionais para as exigências do cargo e para as dinâmicas do serviço público federal.
A última mudança no processo de avaliação de desempenho para fins do estágio probatório ocorreu com a Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que ampliou o prazo para a obtenção da estabilidade dos servidores públicos para três anos, condicionada à avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade. No entanto, essas alterações não trouxeram mudanças substanciais ao processo de avaliação, que continuou sem diretrizes claras. Isso resultou na manutenção das dissonâncias na aplicação dos dispositivos dos artigos 20 e 21 da Lei nº 8.112, de 1990, e do artigo 41 da Constituição Federal, além de perpetuar a subjetividade no processo de avaliação de desempenho para fins do estágio probatório.
A ausência de regramento uniforme para toda a administração pública federal resulta em múltiplas interpretações por parte dos órgãos e das entidades quanto à aplicação da norma, fragilizando o processo avaliativo. Até então, um dos principais problemas estava na realização da avaliação de desempenho apenas uma vez ao longo do período do estágio probatório, o que limitava a identificação de aspectos a serem aprimorados no desempenho do servidor, comprometendo o seu desenvolvimento profissional contínuo.
O decreto é resultado de um estudo minucioso de orientações normativas produzidas ao longo do tempo pelo órgão central do Sipec e de uma análise de normativos sobre o tema, publicados por diversos órgãos e entidades.
O novo decreto surge, então, como uma resposta necessária para preencher as lacunas identificadas, estabelecendo diretrizes objetivas para a avaliação de desempenho, para o fortalecimento da cultura do feedback contínuo, para o acompanhamento e monitoramento do trabalho dos servidores, incentivando os gestores a adotarem uma postura mais próxima e orientadora durante o estágio probatório, além de contribuir para o amadurecimento do processo de gestão de pessoas dos órgãos e das entidades da APF.
As diretrizes reunidas por meio do decreto trazem previsibilidade e clareza ao processo avaliativo, permitindo que os servidores saibam exatamente o que deles é esperado durante o estágio probatório. Buscam, ainda, consolidar um sistema mais justo, transparente e eficaz, refletido no aprimoramento da administração pública.
Além disso, está prevista a criação de um sistema único para a avaliação dos servidores durante o estágio probatório. Essa ferramenta integrará os subsistemas de gestão de desempenho, permitindo um acompanhamento mais preciso e contínuo do progresso dos funcionários, desde a entrada no serviço público até o final do estágio probatório. Isso contribuirá não apenas para uma melhor gestão do desempenho, mas também para o desenvolvimento profissional.
Para impulsionar o desenvolvimento contínuo dos recém-ingressos, o decreto estabelecerá um programa de desenvolvimento inicial, que constitui um dos requisitos para a aprovação no estágio probatório. O objetivo do programa, ao integrar o processo avaliativo, é ambientar e preparar os servidores para enfrentar os desafios atuais e futuros do serviço público, valorizando a ética, a transparência e a diversidade no interior da APF.
As ações de desenvolvimento desse programa envolvem estratégias didáticas e metodológicas que objetivam a construção de uma aprendizagem significativa e o desenvolvimento de competências fundamentais para esses profissionais. Para além do programa de desenvolvimento inicial, o disposto no decreto buscará incentivá-los a participar de outras ações de desenvolvimento, de acordo com as necessidades levantadas pelos órgãos e entidades em seus respectivos PDP (Planos de Desenvolvimento de Pessoas), com o objetivo de desenvolver competências específicas.
Apesar dos avanços alcançados, a administração pública federal ainda enfrenta desafios complexos no processo de avaliação de desempenho. A eficácia desse processo requer uma transformação cultural significativa, superando práticas como a resistência ao feedback e a leniência nas avaliações.
Além disso, persiste a necessidade de atualizar os fatores avaliativos estabelecidos pela Lei nº 8.112/1990. Alguns deles, como assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade, embora fundamentais, já não refletem plenamente as práticas de gestão e o contexto contemporâneo do serviço público.
Dessa forma, enquanto a revisão da legislação não ocorre, a administração pública precisa adaptar esses fatores de avaliação, alinhando-os às novas demandas da gestão pública e garantindo maior eficiência e eficácia ao processo. Para tanto, o órgão central do Sipec está avançando para promover essas adaptações, buscando alinhar os fatores previstos aos desafios atuais enfrentados pelo serviço público.
Nesse sentido, não se pode perder de vista a necessidade de dialogar sobre a importância da atualização desses fatores para promover uma gestão mais eficiente e orientada para resultados.
Priscila de Figueiredo Aquino Cardoso é coordenadora-geral de Desempenho e Desenvolvimento de Pessoas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade de Brasília e servidora pública do Ministério da Saúde desde 2009.
Priscila de Oliveira é chefe de Divisão de Gestão de Desempenho de Pessoas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, mestre em gestão de políticas públicas pela Universidade Federal do Tocantins, doutoranda em ciências empresariais e sociais.
Silmara Ribeiro dos Santos é chefe substituta da Divisão de Gestão e Desempenho de Pessoas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, mestra em Controle de Gestão pela Universidade Federal de Santa Catarina e servidora pública do Ministério da Saúde desde 2010.
José Celso Cardoso Jr. é secretário de gestão de pessoas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, doutor em economia pelo IE/Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) desde 1996.
Movimento Pessoas à Frenteé uma organização da sociedade civil, plural e suprapartidária. Com base em evidências, ajuda a construir e viabilizar propostas para aperfeiçoar políticas públicas de gestão de pessoas no setor público, com foco em lideranças. A rede de membros do Movimento Pessoas à Frente une especialistas, parlamentares, integrantes dos poderes públicos federal e estadual, sindicatos e terceiro setor, que agregam à rede visões políticas, sociais e econômicas plurais.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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