O papel da educação cidadã no combate à polarização

Ensaio

O papel da educação cidadã no combate à polarização
Foto: Gustavo Graf/Reuters - 29.set.2018

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Maisa Diniz e Mariana Fernandes


27 de junho de 2021

Se tentar acabar com a polarização no grito é, além de ineficaz, contraditório, a saída é pela educação

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Nunca falamos tanto. Hoje temos poucos momentos de silêncio, escuta e introspecção: seja por texto, áudio ou vídeo, passamos grande parte de nossos dias “conversando”. Por outro lado, apesar da “falação” sem fim, dialogamos muito pouco – temos dificuldades em encarar diferenças e aceitar opiniões contrárias às nossas. E essa falta de diálogo se relaciona com algo sobre o qual cada vez ouvimos falar mais: a polarização.

Polarização, num sentido literal, tem a ver com ondas eletromagnéticas, energia, vibração. Numa definição mais ampla, polarizar significa “concentrar em extremos opostos” o que quer que seja – grupos, ideias, interesses, atividades. Mas, nos dois sentidos, tanto na física quanto no dia a dia, essa oposição pode gerar uma forte tensão. Em qualquer situação, seja num jogo, numa brincadeira ou numa partida esportiva, o “nós contra eles” pode, quando menos se espera, se transformar numa disputa real e, nos casos mais graves, violenta. E tudo isso vem de nosso passado como espécie. A formação de grupos foi uma estratégia que os primeiros humanos encontraram para sobreviver. Assim nasceu a sociedade, assim nasceu a polarização: naqueles tempos, nossa sobrevivência dependia de sermos leais à nossa turma e tratar adversários como inimigos mortais.

Essa herança genética, claro, interfere até hoje em nossas vidas e na política. Mas o mundo atual, em grande parte, tem a democracia como base. Ainda que o sistema presidencialista – principalmente quando as eleições para o Executivo são divididas em dois turnos, como aqui no Brasil – possa estimular mais a polarização do que outros, devemos sempre nos lembrar que a democracia vai além do seu partido, do seu candidato e, inclusive, do seu voto: a base dela é a troca de ideias e construção coletiva em busca de um bem comum e uma vida digna para todos.

No best-seller “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt apontam que a democracia requer respeito a regras comuns, reconhecimento da legitimidade dos adversários, tolerância e diálogo. E o excesso de polarização compromete tudo isso. Numa sociedade concentrada em dois lados radicalizados, adversários são vistos como inimigos, o diálogo não é incentivado e transgredir as regras parece recorrentemente justificável. Polarizar, então, não é simplesmente discordar ou pensar diferente, é se fechar nas próprias convicções. Sob o ponto de vista democrático, seja na escola, no playground, nas redes sociais ou nas eleições, a polarização costuma ser um sintoma de que algo não vai bem.

E a polarização política exacerbada, como a que existe hoje no Brasil, está longe de ser inevitável. Essa é uma questão ainda pouco analisada, compreendida e enfrentada por aqui, mas está claro que seus danos – tanto para a nossa política quanto para as relações pessoais como um todo – são imensos. Passamos por um desgaste democrático em que a polarização é, sim, elemento central. Ela prejudica a convivência plural, reforça estereótipos, reduz a confiança entre as pessoas e deteriora a credibilidade nas instituições. Somos o país com maior desconfiança do planeta . De acordo com pesquisa do Instituto Ipsos, 32% dos brasileiros consideram não valer a pena conversar com quem pensa diferente e acreditam que essas pessoas não se importam com o futuro do país. Sendo o diálogo um dos pressupostos básicos da democracia, como fica a busca por uma sociedade livre, justa e solidária – como manda nossa Constituição?

A polarização exacerbada diminui quando lados opostos entendem que o ambiente democrático demanda diálogo, negociação e construções coletivas

Considerando o contexto em que vivemos, em meio à polarização exacerbada, pensar em sonhos, aspirações e progressos comuns, algo que requer um debate público coletivo e informado, torna-se cada vez mais difícil. A concretização desse tipo de projeto fica inviável quando cada indivíduo está vivendo em sua própria bolha. E, assim, fragmentando a sociedade, a polarização faz com que a busca por soluções para nossos principais problemas coletivos fique em suspenso. Afinal, quando dois lados são incapazes de formar acordos mínimos, qualquer pequena vitória de um dos lados pode ser interpretada como uma ameaça concreta que gera medo e insegurança em seus oponentes. Esses sentimentos provocam ruídos de percepções, fazendo com que qualquer processo decisório acabe travando.

E aqui estamos. Travados.

Se tentar acabar com a polarização no grito é, além de inócuo, contraditório, a saída é pela educação.

Para que a democracia triunfe, precisamos entender as regras do jogo e, acima de tudo, jogá-lo com ética, de modo que todos realmente possam participar. Melhorar a qualidade da nossa política e, consequentemente, das nossas relações pessoais e dos nossos diálogos (e vice-versa) passa obrigatoriamente por termos acesso a informação e conteúdo de qualidade. É muito mais fácil (e efetivo) defendermos a democracia quando entendemos o que ela significa (e o que nos faltaria se ela não existisse). Em outras palavras, a polarização exacerbada diminui no momento em que lados opostos entendem que o ambiente democrático demanda diálogo, negociação e construções coletivas.

Esse entendimento vem da educação política, que é capaz de descontaminar o ambiente democrático ao nos oferecer uma compreensão da política de forma ampla. Quando abandonamos certas visões simplistas, nos abrimos para o verdadeiro diálogo, que é quando complementamos e somos complementadas por ideias vindas de todos os lados. Nos tornamos, assim, agentes de convergência, de conscientização e de combate à polarização extremista – colaborando para consolidar a democracia no Brasil.

Maisa Diniz é ativista e coordenadora do Despolarize , projeto que trabalha para descontaminar o ambiente democrático e reduzir a violência política buscando o diálogo e a negociação.

Mariana Fernandes é jornalista e gestora do núcleo de comunicação e conteúdo do Politize! , organização com a missão de formar cidadãos conscientes e comprometidos com a democracia.

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