Planeta, derivada do latim, significa que anda sem destino, assim como Terra indica chão, lugar de origem e território. Já mundo, mundus, significa “limpo”. Cosmos, do grego, é ordem, arranjo, estudo do universo, sua origem e organização. As diferentes origens dessas palavras merecem a seguinte reflexão: nosso lugar de origem, nosso território que é viajante no espaço dentro do universo, que deveria ser limpo, hoje é imundo e é de responsabilidade dos seres humanos.
O conceito de filantropia incomodava muito as feministas, suas origens gregas significavam amor ao homem, lembrando que na democracia grega estavam excluídos, estrangeiros, escravos e mulheres. Nessa época, os homens eram os únicos “sujeitos dignos” de exercer a democracia. As mulheres não eram sujeitos. Depois de muitas críticas feministas a esse significado misógino de filantropia, a palavra passou a significar amor à humanidade.
Os países do Sul Global têm vivido sob o Capitalismo Mundial Integrado, versão neoliberal, que sob suas políticas econômicas e financeiras, tem causado autoritarismo extremo, perseguições, morte de defensoras e defensores de direitos humanos, civis, socioambientais, povos originários, populações negras, LGBTQIA+, mulheres, etc. Essas políticas permitiram a construção de narrativas de ódio, racismo, sexismo, homotranslesbofobia, misoginia, extermínio, o que colocou em risco tanto as jovens pseudodemocracias quanto as mais consolidadas existentes no planeta.
Em 2020, se propagou na Terra um vírus, o covid-19, que vira uma pandemia agravando outras crises já existentes como a econômica, a política, a de saúde pública, a social, a educativa, etc., escancarando o que tanto movimentos sociais e organizações da sociedade civil tinham debatido e denunciado durante décadas: a desigualdade.
Até hoje não está claro a origem da pandemia de covid-19, mas sabemos que as mudanças climáticas afetam nossos sistemas alimentares, condições de vida, água e territórios, podem provocar também problemas sérios de saúde, como doenças respiratórias, cardiovasculares e dengue, além de insegurança alimentar, problemas no solo, na agricultura em geral e familiar, migrações indesejadas, incêndios, enchentes, etc.
Só pode haver justiça ambiental com equidade racial e étnica, só pode existir democracia com a participação das organizações da sociedade civil e de movimentos sociais
Em muitas culturas e sociedades, as mulheres têm impulsionado e sustentado laços de solidariedade, cuidado, coletividade e cooperação. A pandemia mostrou que as mulheres têm um papel extremamente importante no enfrentamento da situação de urgência sanitária e humana.
Dados da ONU mostram que aproximadamente 70% de todo o pessoal de saúde na linha de frente, bem como assistentes sociais, eram mulheres. Além disso, as mulheres carregam uma carga desproporcional de trabalho não remunerado, como cuidadoras, e são agentes críticos no desenvolvimento sustentável de todos os países. No Brasil, quase 85% dos auxiliares e técnicos de enfermagem são mulheres, segundo relatório do Conselho Federal de Enfermagem e da Fundação Oswaldo Cruz.
As mudanças climáticas afetam mais as mulheres e as meninas. De acordo com estudos da Oxfam, as mulheres são responsáveis por 75% de todo o trabalho de cuidado não remunerado no mundo. Quando elas têm que sair de zonas de possíveis desastres provocados por mudanças climáticas, têm dificuldades em deixá-las devido a impedimentos que têm a ver com o trabalho do cuidado, falta de recursos financeiros e direitos à terra e à propriedade. Quando deixam suas casas por causa do perigo das enchentes ou furacões e vão para abrigos, tem havido casos de meninas e mulheres violentadas, exemplo no caso do furacão Katrina, em Nova Orleans (EUA). Outros casos de violência são com relação à procura de água: meninas e mulheres tem que andar quilômetros e as vezes são caminhos perigosos onde podem ser sequestradas para casamento infantil, tráfico ou sofrer violência de gênero.
Outra forma que toma a violência de gênero como consequência das mudanças climáticas é a perpetrada contra as defensoras do meio ambiente devido ao seu ativismo. São desde assassinatos, torturas, estupros, ameaças, assédios sexuais. Todas têm como único objetivo silenciá-las como lideranças em suas comunidades, territórios e movimentos sociais.
Em 2018, dados das ONU Mulheres apontaram que todos os anos 3,8 milhões de pessoas, a maioria mulheres e crianças, são mortas pela poluição do ar causada pelo uso de energia impura para cozinhar e aquecer em domicílios.
O Elas+Doar para Transformar faz filantropia para a equidade de gênero, para os direitos das mulheres. As doações, na sua maioria, são feitas para fortalecimento institucional, estimulando por meio de diálogos entre as diversas organizações e com especialistas a construção de ações coletivas para potencializar a doação. Para o Elas+Doar para Transformar são as organizações que sabem o que precisa ser feito para transformar socialmente suas comunidades, territórios e cidades. A escuta atenta, o respeito à autonomia das organizações, a confiança nelas, entre elas, delas conosco e dos parceiros, assim como o impacto coletivo e o lucro social como resultados são fundamentais para construir uma filantropia horizontal, que contempla todas as pessoas envolvidas e comprometidas com mudanças sociais positivas.
Só pode haver justiça ambiental com equidade racial e étnica, só pode existir democracia com a participação das organizações da sociedade civil e de movimentos sociais. A democracia não se reduz a votar, ser eleita (o) ou a partidos políticos. Ainda que em crise, a democracia de hoje ainda é mais ampla e abrangente daquela da Grécia Antiga.
Amalia E. Fischer P. é mexicana-nicaraguense. Idealizadora, co-fundadora e diretora geral do Elas+Doar para Transformar, feminista, doutora em comunicação pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), conselheira do Fundo Baobá de Equidade Racial e de ActionAid Brasil. Co-fundadora da Rede Comua e Fundo de Ação Urgente LATAM.
Shinji Carvalho é assistente de programas do ELAS+. Mestre em Conflitos e Meio Ambiente pelo Graduate Institute of International and Development Studies (Suíça). Fellow da Bertha Foundation. Ativista de direitos humanos e ambientais desde 2005