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Felipe Maruyama e João Arthur Reis
É necessário pensar em novos paradigmas de inovação em governo, voltados ao fortalecimento da capacidade estatal
A crise sanitária, econômica e social desencadeada pela pandemia do novo coronavírus transformou a agenda de inovação no governo em uma necessidade concreta. Em um contexto de urgência, em que faltam informações completas para tomada de decisão por parte das lideranças públicas e há incertezas coletivas, mesmo de caráter técnico e científico, os países têm investido recursos orçamentários e horas de trabalho no desenvolvimento e na adoção de tecnologias emergentes para prevenção, diagnóstico e tratamento da covid-19.
Essa mudança provocou uma inflexão na agenda acadêmica e prática de inovação em governo. Essa, que era até então predominantemente voltada à busca por eficiência (fazer mais com menos recursos), passou a ser pautada por uma maior preocupação com a capacidade efetiva de entrega de políticas públicas essenciais, fortalecendo uma lógica de inovação orientada por desafios e demandas sociais. Nesse sentido, busca-se maior efetividade (capacidade de fazer uma coisa da melhor maneira possível) como também a legitimidade do setor público para enfrentar problemas complexos .
Em décadas recentes, a narrativa predominante sobre o tema de inovação em governo era de que os governos, com suas estruturas burocráticas rígidas, deveriam aumentar seu desempenho de forma exponencial para executar mais políticas públicas com menos recursos: uma agenda voltada para aumento de eficiência. A materialização dessa agenda se deu por meio de emulação, por parte de governos, de práticas do setor privado: ciclos rápidos para desenvolvimento de novos produtos e serviços, maratonas de programação, e a crença, um tanto ingênua, de que todo e qualquer desafio do governo poderia ser resolvido por meio das chamadas de startups. Contudo há uma limitação importante na transferência de conceitos do setor privado ao público , uma vez que as motivações do setor privado para inovar (aumento da competitividade e maximização dos lucros) não são as mesmas do setor público.
A crise da covid-19 deslocou a discussão ao colocar no centro do debate o papel da inovação em governo na construção de capacidade estatal. Ou seja, se antes a inovação em governo podia ser entendida como uma agenda de caráter incremental ou acessório, passou a ser insumo necessário para o processo de construção de novas capacidades de provisão de políticas e serviços públicos pelo Estado. Tecnologias ligadas à saúde pública, como novos ventiladores pulmonares e testes de diagnóstico são os exemplos mais evidentes. Mas mesmo a digitalização de serviços públicos diversos, por exemplo, passou a ser entendida como essencial, na medida em que é necessária para garantir o acesso a serviços básicos em um contexto de restrição de atividades econômicas e de circulação de pessoas.
Capacidades estatais não devem ser entendidas apenas como a disponibilidade de recursos orçamentários, de pessoal, ou mesmo a existência de determinado tipo de órgão público. Aqui, nos referimos ao conjunto de capacidades administrativas gerenciais necessário para que governos, de diversos níveis, sejam capazes de formular e implementar políticas públicas de forma coordenada, agindo sobre os desafios públicos de forma ativa e efetiva, e respondendo às demandas sociais. O papel dos arranjos institucionais das políticas públicas , ou seja, o conjunto de regras, mecanismos e processos utilizados por agências e órgãos governamentais na implementação de políticas, é determinante dessa capacidade estatal.
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