Entrevista

‘Os procuradores-gerais estão unidos em defesa das eleições’

Isabela Cruz

21 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h42)

O ‘Nexo’ conversou com Mario Sarrubbo, chefe do Ministério Público de São Paulo, sobre os atos de 7 de Setembro, a votação de outubro e o que esperar do comportamento das polícias 

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FOTO: ROBERTO JAYME/ASCOM/TSE – 29.JAN.2018

Urnas organizadas sobre bancadas em galpão e três pessoas trabalhando

Urnas Eletrônicas no Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso

O Ministério Público de São Paulo não tem preocupações sobre a normalidade democrática para os atos de 7 de Setembro, mas está se articulando de forma inédita para garantir o curso normal das eleições de outubro, junto com as demais unidades do Ministério Público pelo Brasil. É o que afirmou ao Nexo o procurador-geral de Justiça paulista Mario Sarrubbo.

Pela Constituição, o Ministério Público tem a função de controlar a atividade das polícias. No âmbito estadual, portanto, cabe aos promotores de Justiça cobrar da Polícia Civil e da Polícia Militar que seus comandos e tropas respeitem os deveres do cargo, o que inclui a proibição de tomarem lado na disputa político-partidária. Em 7 de setembro de 2021, isso foi posto à prova , com as convocações de bolsonaristas para que policiais participassem das manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro.

“Nós identificamos, e recebemos inclusive representações nesse sentido, que estaria havendo convocação para que policiais pudessem participar das manifestações, em prol de A, em prol de B. Identificamos que isso não era possível em termos legais, fizemos uma recomendação aos comandos das corporações policiais civis e militares, e tudo correu muito bem até o que pudemos conferir”, disse Sarrubbo.

Para o 7 de setembro de 2022, a tensão quanto ao comportamento das polícias retornou ao debate público. Neste ano, a Procuradoria-Geral de São Paulo pretende criar um Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública, ou Gaesp, para aprimorar a atividade de controle das forças de segurança, entre outros pontos. O projeto foi aprovado neste mês de agosto pelo Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça de São Paulo.

Nesta entrevista, concedida ao Nexo na quinta-feira (18), Sarrubbo fala sobre a iniciativa do Gaesp, o controle da neutralidade política e da letalidade das polícias pelo Ministério Público, o impacto do governo federal sobre a segurança pública e a preparação das Procuradorias-Gerais de Justiça para as eleições que se aproximam.

Como será o trabalho do Gaesp? O grupo vai atuar no controle da politização das polícias?

Mario Sarrubbo Em 2017, como subprocurador de Políticas Criminais na gestão do dr. [Gianpaolo] Smanio, eu e minha equipe traçamos as primeiras linhas do Gaesp. Porque eu sempre tive convicção de que segurança pública, enquanto um dos direitos sociais previstos na Constituição, precisava ser tratada também pelo Ministério Público de forma concentrada, como nós fazemos com saúde, educação, infância, habitação e urbanismo, meio ambiente etc.

De 2017 até 2020, esse debate foi sendo feito internamente. Ouvimos redes [da sociedade civil organizada], conhecemos projetos de outros estados, e a partir daí fomos criando aquilo que nós entendíamos que pudesse se adaptar às nossas necessidades, do estado e do Ministério Público de São Paulo. Agora estamos na fase de tentar, mesmo com muitas carências de pessoal, montar um piloto que seria na capital e na Grande São Paulo.

Esse grupo vai trabalhar no campo da tutela coletiva. Não é um grupo que vá fazer operações criminais, isso continua sendo com o Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado], com os promotores criminais. O Gaesp vai olhar a segurança pública enquanto direito social, valendo-se do inquérito civil, da ação civil pública, das medidas cautelares. Vai trabalhar com números, estatísticas, dados.

Quando se fala da questão do comportamento político dos policiais, isso estaria dentro do campo de visão desse grupo. Olhando sempre a floresta, e não a árvore: policial civil ou militar é servidor público, como é o promotor de Justiça, o magistrado, o fiscal. A nossa função de serviço público nunca pode ser exercida como um trampolim para aspirações políticas. Nós não podemos, em momento algum, dentro das nossas funções, expressarmos preferências políticas para A ou para B.

Há explicação para o Gaesp de São Paulo não ter sido instalado antes, em gestões passadas?

Mario Sarrubbo É preciso estar sempre aperfeiçoando. A função do procurador-geral é tentar ser melhor do que o outro. Eu lanço a semente, o grupo do Gaesp estará instalado. Espero entregar em abril de 2024 um Ministério Público com Gaesp em todas as regiões do estado de São Paulo. E minha esperança é que o próximo procurador aperfeiçoe esse projeto, para que alcancemos um sistema de segurança pública que atenda às aspirações da nossa população e da nossa República.

Na verdade foi criado o Gecep [Grupo Especial de Controle Externo da Atividade Policial]. Mas ele sempre trabalhou muito sem estrutura. Nós sempre trabalhamos aqui no Ministério Público procurando suprir os inúmeros deficits de pessoal, de estrutura, um orçamento difícil. O estado de São Paulo sempre teve a questão orçamentária com muita responsabilidade. Então nós nunca tivemos um orçamento sobrando.

E talvez esse ponto [da segurança pública e do controle das polícias] tenha ficado de lado. Talvez nós todos tenhamos nos acomodado no passado com o Gecep, entendendo que estávamos cumprindo nossa missão. O Gecep foi importante, foi um primeiro passo dado no final da década de 1990. Mas é nosso trabalho sempre procurar aperfeiçoar.

Faz sentido haver preocupação com uma possível perda de controle dos governadores em relação às polícias estaduais, em razão da politização dos comandos e das tropas?

Mario Sarrubbo Ouviu-se muito a respeito, mas na prática isso não aconteceu. O que temos visto é um ambiente de normalidade.

Aumentou o número de policiais candidatos . Isso eu vejo com naturalidade. Aumentou também o número de forças policiais. O campo da segurança pública, nas últimas décadas, exigiu formação de novas turmas, novos concursos, mais polícia, etc. Há um aumento desse campo profissional, há um aumento das representações .

Insisto, acho que a grande preocupação nossa é sempre fazer com que o servidor público como um todo, e isso envolve os policiais civis e militares, não usem da sua função como trampolim político. Por exemplo, imagine um policial ou uma policial, militar ou civil, que tenha tido uma atuação heróica, salvou vidas, salvou uma criança, e acabou muito na mídia. Isso é supernatural e é importante que aconteça. Naturalmente pode vir um convite para uma candidatura política. Não vejo isso como algo ruim. Até porque é bom ter representantes de categorias no Congresso Nacional, eu sou favorável a isso, até para que essas categorias possam se fortalecer.

A nossa preocupação, e aqui temos uma grande preocupação, é para que as nossas funções como um todo — e isso vale também para o Ministério Público — não sejam exercidas procurando um trampolim político ou criando caminhos para se alavancar politicamente. Porque aí é um desvirtuamento da função pública: se deixa de atender ao interesse público para atender a outros interesses. Isso nós não vamos admitir. E está dentro da nossa função controlar [isso] tanto internamente quanto externamente.

O Gaesp sai do papel antes do 7 de setembro ou pelo menos das eleições?

Mario Sarrubbo Antes das eleições com certeza, isso eu posso assegurar. Mas não vai dar tempo de montar o Gaesp para o 7 de setembro. Para lançar um primeiro [Gaesp] regional, para capital e Grande São Paulo, eu preciso de dois promotores e de uma estrutura. Como a equipe vai trabalhar muito com dados, eu preciso de profissionais dessa área de estatística.

Como o projeto é minha menina dos olhos, estou ansioso para começar o quanto antes e gostaria mesmo que já no 7 de setembro ele pudesse estar a todo vapor. Mas creio que não consigamos, por conta das estruturas e do momento de grande carência de servidores.

O que o Ministério Público de São Paulo fez às vésperas dos atos de 7 de setembro de 2021 para evitar um engajamento político-partidário das polícias?

Mario Sarrubbo No ano passado, antes de 7 de setembro, havia uma grande movimentação, inclusive convocação de policiais para participar de manifestações em prol de A, em prol de B, contra A, contra B. E nós fizemos uma recomendação dizendo: policiais civis e militares não devem participar de manifestação política. Nossa função é outra, é garantir a manifestação, é trazer segurança para essa manifestação e permitir que a população se manifeste em prol da sua corrente política, do seu candidato.

Nós identificamos, e recebemos inclusive representações nesse sentido, que estaria havendo convocação para que policiais pudessem participar das manifestações, em pro de A, em prol de B. Identificamos que isso não era possível em termos legais, fizemos uma recomendação aos comandos das corporações policiais, e tudo correu muito bem.

O que está sendo feito sobre esse tema para os atos de 7 de setembro de 2022?

Mario Sarrubbo Para esse ano, a expectativa é de que ocorra o mesmo [não adesão das polícias às manifestações]. Acho até que nem será necessária essa recomendação. Não estou vendo grandes movimentos nesse sentido. Pelo menos ainda não chegaram aqui para o Ministério Público, dentro do que eu consigo acompanhar. Então a minha expectativa é de que não haverá nenhum grande problema nesse campo para o 7 de setembro.

O Ministério Público estará sempre monitorando. No ano passado, no 7 de setembro, eu fiquei um tempo inclusive no Copom [Centro de Operações da Polícia Militar de São Paulo], acompanhando a movimentação pela cidade. E tudo transcorreu de forma pacífica. Esta é a missão do Ministério Público, da Polícia Militar, da Polícia Civil: permitir que as pessoas se manifestem, mas nós não vamos lá encampar a bandeira do candidato A ou B, porque isso não é papel de promotor, como não é papel de policial civil ou militar.

Essa tranquilidade, pelas conversas do senhor com outros procuradores-gerais, se aplica às polícias dos demais estados do país?

Mario Sarrubbo É muito difícil entender as circunstâncias de cada estado. Eu não tenho essa visão, porque esse tema ainda não foi discutido. Nós temos uma reunião semana que vem, para tratar de eleições. A preocupação dos Ministérios Públicos é que possamos ter uma atuação decisiva e firme para que as eleições ocorram de forma transparente, livre, para que o povo possa expressar a sua vontade através do voto, sem nenhuma interferência. Esse é o grande papel das instituições para outubro, quando esperamos passar com tranquilidade por esse momento de eleições.

É uma festa democrática, não é para ter brigas, não é para ter nenhum problema. Temos que assistir aos debates, é muito bom ver os candidatos debatendo. Cada um tem sua predileção política. Que isso possa se expressar de forma livre, sem nenhum constrangimento, nas urnas, e que o resultado das urnas, que aqueles que vençam assumam a partir de janeiro e melhorem o dia a dia da população do nosso país. É nesse sentido que nós vamos trabalhar.

O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, e o Ministério Público brasileiro como um todo, como se mostra no Conselho Nacional, nós temos uma preocupação muito grande com as eleições, com fake news. Nós temos algumas campanhas, que estamos fazendo em todos os estados, procurando orientar e fomentar a atuação dos nossos colegas para que as eleições transcorram da melhor maneira possível.

Com relação a movimentos de corporações policiais, civis e militares, eu confesso que não tenho esse dado. Eu tenho uma preocupação muito grande com esse estado aqui [São Paulo], que é quase um país, e confesso que não tenho tido oportunidade de saber como isso está em outros estados.

Essa articulação das Procuradorias-Gerais estaduais antes das eleições é excepcional ou faz parte de um padrão de atuação do Ministério Público?

Mario Sarrubbo Não é um padrão. É na verdade uma preocupação para nós do Ministério Público, tendo em vista a polarização e acontecimentos passados recentes: brigas políticas, até morte.

Nós, os procuradores-gerais, estamos procurando, sempre com a Constituição debaixo do braço, padronizar a nossa atuação em todo o Brasil, para afirmar que o Ministério Público trabalhará e zelará para que as eleições ocorram da melhor forma possível.

Essa polarização que estamos vivendo hoje, uma certa agressividade no ambiente, essa é uma grande preocupação de todos nós, dado que nós, como defensores da ordem democrática, temos um papel muito importante nesse contexto eleitoral.

Isso tem ensejado muitas conversas, ações conjuntas, padronização de ações em todo o Brasil. O Ministério Público brasileiro quer mostrar unidade, no sentido de que estamos dentro da nossa missão constitucional e todos nós queremos — isso eu posso falar com tranquilidade por todos os procuradores-gerais do Brasil — que as eleições ocorram num clima da mais absoluta normalidade.

Em anos recentes houve também alguma mudança na preocupação do Ministério Público em relação à letalidade das operações policiais, incentivada pelo atual presidente?

Mario Sarrubbo Eu acho, e aqui eu trago uma visão até um pouco pessoal, que, quando se fala de governo federal, a grande questão que me toca no quesito segurança pública é a questão das armas. Nós temos um Estatuto do Desarmamento, que tem como objeto jurídico principal ter o controle e evitar a grande circulação de armas de fogo. E nos últimos anos isso tem aumentado sobremaneira, através de decretos. Essa é uma preocupação.

Em algum momento, e já está começando esse movimento, a sociedade começa a pagar pela permissão de circulação de armas de fogo. Isso é muito ruim no quesito segurança pública. O fato de o cidadão andar armado, eu não tenho nenhuma dúvida, não aumenta o nível de segurança dele. Aliás, as estatísticas são muito claras: quando se é roubado, as chances de se dar bem numa reação armada é muito pequena. Quanto mais armas circulando entre a população, mais aumentará a violência, o número de mortos.

A circulação de arma de fogo, na minha visão, deveria ser desincentivada. Quem tem que ter arma é policial, civil, militar, são as forças de Estado que têm o monopólio do uso da força. O cidadão tem que, se possível, andar sem arma. Eu tenho porte de arma e nunca tive arma e nunca vou ter. Não quero andar com arma, nunca andarei. E tenho uma opinião muito firme e muito franca sobre esse tema.

Com relação ao aumento do número de mortes nas ações policiais, isso sempre esteve no radar do Ministério Público, e o Grupo de Segurança Pública trabalhará com isso, sem sombra de dúvida. O estado de São Paulo tem experimentado diminuição do número de mortos por intervenção policial. Isso creditamos a anos e anos de trabalho de toda a sociedade, do Ministério e principalmente das próprias corporações, tem que se elogiar. Tem-se investido muito em armas não letais. Isso é um bom sinal.

E o Ministério Público estará sempre atento a essa questão da letalidade e procurando sempre intervir no sentido de que a operação policial de sucesso é aquela em que o criminoso, se possível sem nenhum arranhão, esteja preso e seja entregue à Justiça para que a lei seja aplicada. Quando há morte, seja lá de quem for, nós já não ficamos satisfeitos. Claro, nem toda vez em que ocorre a morte, há culpa, há responsabilidade por isso. Muitas vezes é algo que decorre de legítima defesa, de estrito cumprimento do dever legal. Não desconhecemos isso. Trabalhei na área penal minha vida inteira, então conheço bem isso. Mas esse é sempre um campo de atenção do Ministério Público, e estará sem sombra de dúvida no radar do Grupo de Segurança Pública.

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