Qual foi o estrago nos biomas brasileiros de 2000 a 2018
Mariana Vick
24 de setembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 23h28)Estudo do IBGE mostra redução de áreas verdes no país antes das crises do governo Bolsonaro. Maior parte da vegetação na Amazônia e no Cerrado se converteu em áreas de agricultura
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Árvores desmatadas na Amazônia
Um estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicado na quinta-feira (24) mostra que o território brasileiro perdeu cerca de 500 mil km² de sua cobertura natural entre 2000 e 2018, uma área equivalente ao dobro do estado de São Paulo.
A maior perda de áreas verdes ocorreu na Amazônia e no Cerrado, que juntos representam 86,2% da redução de vegetação no período. Sozinha, a floresta amazônica diminuiu quase 270 mil km², mais da metade do total registrado no país. Em termos proporcionais, o Pampa, bioma do Sul, teve a perda mais intensa.
8%
foi quanto a Amazônia perdeu de vegetação original entre 2000 e 2018, segundo estudo do IBGE; no primeiro ano, ela tinha 81,9% de cobertura florestal, enquanto, no último, tinha pouco menos de 76%
A pesquisa analisou a perda de vegetação nos seis biomas terrestres do Brasil: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Todos perderam parte de suas áreas naturais nesse período, mas o ritmo de devastação desacelerou na maioria das regiões ao longo dos anos até 2018, com exceção do Pampa e Pantanal.
Os biomas que mais perderam vegetação original de 2000 a 2018 são os maiores do país em extensão territorial, enquanto os biomas que registraram menos áreas perdidas são os menores, segundo o estudo do IBGE. Nesta ordem, Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal foram as regiões mais reduzidas nesse período.
A relação muda quando se veem as perdas proporcionais, que mostram que o Pampa e o Cerrado, áreas fortemente influenciadas pela expansão agrícola, tomam a frente em relação a biomas maiores que eles. O Pampa, lugar onde predomina a vegetação campestre, perdeu 16,8% de sua vegetação original entre 2000 e 2018, segundo o estudo do IBGE.
O Pantanal, menor bioma do país, teve as menores perdas, tanto em termos absolutos — ele perdeu 2.100 km² de área — quanto proporcionais — a perda foi de 1,6% da vegetação nativa na região, de acordo com a pesquisa do IBGE. Até 2018, ele era o bioma mais preservado do Brasil, com registros de pouca interferência humana em sua borda leste.
A Mata Atlântica é o único bioma brasileiro que não tem área predominantemente coberta por vegetação, segundo o IBGE. Mais antiga região ocupada do Brasil, a Mata Atlântica é caracterizada pela alta urbanização e a fragmentação de áreas verdes. Ela está na lista de “hotspots”, expressão relativa a regiões com alta biodiversidade, mas que estão ameaçadas de extinção.
12,6%
é quanto a Mata Atlântica preserva de sua vegetação original
Por outro lado, a Mata Atlântica foi o bioma que registrou o maior índice de desaceleração da perda vegetal entre 2000 e 2018, segundo o IBGE. A Caatinga, que tem pouco mais de um terço de seu território sob influência de atividades humanas, também passou por uma redução de ritmo significativa, diz o estudo.
Para chegar ao grau de preservação de cada um dos ecossistemas, o IBGE usou imagens de satélite e fez pesquisas de campo. O estudo faz parte de um projeto do órgão federal que tem o objetivo de mensurar e comparar, ao longo do tempo, as contribuições sociais e econômicas do ambiente natural para o país.
O estudo do IBGE não identificou que tipos de atividades humanas (desmatamento, queimadas ou outras) levou à redução da vegetação registrada nos biomas brasileiros. Por esse motivo, não é possível dizer se a perda de áreas originais é atribuída ao desmatamento ilegal, que tem registrado alta em biomas como a Amazônia nos últimos anos.
O estudo do IBGE usa dados de 2000 a 2018, portanto ele não cobre o desmatamento registrado no país entre 2019 e 2020, anos que vêm sendo marcados por recordes do desmate na Amazônia e pela alta de queimadas tanto na Amazônia como no Pantanal , bioma que ocupa o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
A Amazônia viveu uma crise de queimadas que derrubou mais de 70 mil km² de floresta no segundo semestre de 2019. Nesse ano, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgou que o desmate na região entre agosto de 2018 e julho de 2019 havia sido o mais alto para o período em uma década, depois de anos de diminuição dos índices.
O desmatamento e as queimadas continuam em alta em 2020, com o agravante da pandemia do novo coronavírus. A crise de saúde dificultou o trabalho de fiscalização na Amazônia e representou uma oportunidade para quem comete crimes ambientais, segundo relatos de pessoas da região. Tanto o desmatamento ilegal quanto o fogo são resultado da ação humana .
Focos de fumaça em torno do Rio Cuiabá, no Mato Grosso
O Pantanal também passa por uma onda recorde de queimadas desde julho. Mais de 15 mil focos de incêndio foram registrados no bioma neste ano, o maior número desde que o monitoramento começou. Atiçado de forma intencional, o fogo se espalhou sem controle devido a uma seca intensa na região este ano, atingindo áreas verdes e animais .
17,4%
foi quanto o Pantanal perdeu em áreas naturais em incêndios de 2020
O conjunto de crises na área ambiental pressiona o governo federal, acusado de se omitir na resolução dos problemas no Pantanal e na Amazônia. O presidente Jair Bolsonaro nega as crises . Investidores, políticos e diplomatas estrangeiros pressionam autoridades do país a agir, com risco de prejuízo para relações com o exterior.
Além dos dados de perda de áreas verdes, o estudo do IBGE traz informações sobre a conversão do uso da terra. A expressão se refere aos diferentes usos dados às antigas áreas verdes, que depois de derrubadas podem ser convertidas em espaços para atividades como agricultura, pastagem e silvicultura.
A Amazônia, bioma que teve mais perdas segundo a pesquisa, viu a vegetação florestal dar lugar principalmente às chamadas áreas de pastagem com manejo, que podem ser usadas para a pecuária. O crescimento dessas áreas foi de 248,8 mil km² em 2000 para 426,4 mil km² em 2018, afirma o estudo.
O dado indica que houve uma expansão da área agrícola na região, especialmente na região do chamado arco do povoamento, que se consolidou na divisa da Amazônia com o Cerrado — embora hoje esteja se interiorizando. O arco foi criado no contexto da ocupação da Amazônia, em torno de novas estradas e obras na floresta.
O Cerrado, segundo bioma com mais perda vegetal, também passou por uma expansão intensa da agricultura de 2000 a 2018, segundo o IBGE. Nesse período, as áreas agrícolas aumentaram 102,6 mil km² na região, impulsionada pelo crescimento das commodities (soja, algodão e outras monoculturas de grãos e cereais).
44,6%
das áreas agrícolas do Brasil estavam no Cerrado em 2018, segundo o IBGE
Mesmo que o Pantanal tenha sido o bioma mais preservado do país de 2000 a 2018, quase 60% das áreas com alterações na região a partir de 2010 haviam sido convertidas em pastagens de manejo. Enquanto outros biomas viram o ritmo das intervenções diminuir nos últimos anos, no Pantanal, ele aumentou.
A publicação do estudo do IBGE acontece num momento em que outros levantamentos indicam uma relação próxima entre a expansão agrícola e a derrubada de florestas no país. Em agosto, uma pesquisa publicada na revista Science mostrou que 2% das fazendas na Amazônia e no Cerrado respondiam por 62% do desmatamento ilegal.
Na época, a publicação havia afirmado que as propriedades que praticam esse desmate são apenas “maçãs podres” da agropecuária brasileira — que em sua vasta maioria (90%) não comete crimes ambientais —, mas que essas exceções causam grande dano, com consequências para o meio ambiente e para o próprio agronegócio .
Mais tarde, um levantamento da agência Repórter Brasil mostrou que nove fazendas no Pantanal deram inícios a focos de incêndios que destruíram cerca de 1.400 km² de vegetação, uma área pouco menor que da cidade de São Paulo. O estudo cruzou dados do Cadastro Ambiental Rural, que registra as fazendas, com os focos de calor.
Na Caatinga, 47% da vegetação campestre perdida se converteu em mosaicos de ocupações (expressão que se refere a zonas onde há diversos tipos de uso da terra). A região é caracterizada por pequenos estabelecimentos rurais que fazem cultivo de subsistência e por pequenas pastagens ou sistemas agroflorestais.
Colaboraram Gabriel Zanlorenssi e Lucas Gomes com os gráficos.
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