Expresso

Como restaurantes lidam com restrições da quarentena em SP

Marcelo Roubicek

01 de fevereiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h56)

Governo estadual endurece medidas de isolamento social e donos de estabelecimentos protestam. Especialistas da saúde apontam risco maior de contágio em locais fechados voltados para alimentação

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FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 06.JUL.2020

Três homens de máscara compartilham uma mesa, em que há pratos com arroz, carne e batata frita. Ao fundo, há outras meses com clientes, mas a uma distância maior do que o comum

Pessoas almoçam em restaurante em São Paulo

O governo do estado de São Paulo endureceu as restrições de circulação e funcionamento de estabelecimentos comerciais a partir do final de 2020. As medidas mais rígidas foram motivadas pela escalada do contágio do coronavírus no estado.

Bares e restaurantes são obrigados a operar apenas por delivery nos finais de semana e a partir das 20h nos dias úteis, período em que o estado fica na chamada fase vermelha. Isso significa que os estabelecimentos não podem atender clientes em suas dependências quando costumam registrar maior movimento.

O aumento das restrições a partir da virada de ano contrariou associações de empresários do setor. Em 22 e 27 de janeiro, houve protestos contra a decisão do governo de São Paulo. Novas manifestações foram marcadas para a terça-feira (2).

No final de janeiro, houve também registros de desobediência às regras impostas. Alguns bares e restaurantes continuaram abertos em dias de semana após oito horas da noite, horário permitido pelas autoridades. Houve também casos de hostilização de fiscais que tentavam encerrar as atividades do dia de acordo com a determinação do governo.

O que dizem os empresários

O primeiro argumento dos empresários é financeiro, e diz respeito à dificuldade de operar sem o movimento presencial na hora do jantar em dias úteis e finais de semana – isso já considerando meses de operações limitadas que tiveram impactos fortes sobre o setor. Os donos dos estabelecimentos dizem que a manutenção das regras mais rígidas de funcionamento levarão ao fechamento permanente de negócios e estimam que 20 mil pessoas serão demitidas.

O argumento financeiro engloba também reivindicações ligadas à alta de impostos no estado de São Paulo. A partir de 15 de janeiro, o governo do estado retirou incentivos fiscais ligados ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de diversos bens e serviços, incluindo refeições vendidas em bares e restaurantes – na prática, isso significou uma alíquota mais alta na cobrança do tributo. Proprietários de estabelecimentos entraram na Justiça para tentar reverter a elevação do ICMS – até 1° de fevereiro, sem sucesso.

Os empresários do setor também questionam os critérios das restrições maiores sobre o setor na fase vermelha, comparando com outras atividades. Em nota publicada em 26 de janeiro de 2021, a Associação Nacional de Restaurantes atribui a alta de casos do coronavírus às aglomerações nas praias, nas festas de fim de ano e a “baladas clandestinas não fiscalizadas pelas autoridades que ainda acontecem em todo o estado de São Paulo”.

Ao jornal Folha de S.Paulo empresários ainda reclamaram do funcionamento de outros serviços como transportes públicos e viagens de avião, que operam com restrições menores na pandemia e envolvem aglomerações em lugares com baixa ventilação.

Há ainda registros de queixas de proprietários de negócios da capital paulista sobre a presença do prefeito Bruno Covas (PSDB) no Maracanã no sábado (30), para ver a partida entre Santos e Palmeiras pela Libertadores – houve aglomeração no setor da arquibancada em que torcedores estavam presentes.

O risco de contágio nos bares e restaurantes

Especialistas em epidemiologia consideram que bares e restaurantes são lugares de alto risco de transmissão do coronavírus. As características físicas dos espaços e o comportamento de seus frequentadores fazem com que esses locais sejam propícios para o contágio.

Os recintos muitas vezes são pequenos e fechados, com diversas oportunidades para a aproximação e aglomeração dos clientes, do balcão ao banheiro. Um estudo realizado no Japão demonstrou que as chances de transmissão da covid-19 em um ambiente fechado são 18,7 vezes maiores em comparação com um ambiente ao ar livre.

“O vírus pode ficar em suspensão no ambiente, sob a forma de gotículas, por horas, segundo alguns estudos feitos em laboratório. Em um ambiente fechado, com muitas pessoas infectadas, você pode ter muita carga viral”, disse ao Nexo Rafaela Rosa-Ribeiro, doutora em biologia celular com pós-doutorado na Itália, em entrevista em julho de 2020.

A especialista lembrou que as pessoas tiram a máscara para comer e beber e, naturalmente, irão conversar, se tocar e se cumprimentar. “Em cinemas, shoppings, escolas, universidades, todos têm de ter certos cuidados, como distanciamento social, máscaras e higienização das mãos. Em bares e restaurantes isso tudo fica muito mais complicado porque as pessoas acabam se descuidando por estarem em um momento de descontração”, disse.

Um estudo americano de 2009 demonstrou que as partículas menores de saliva, como as projetadas durante uma conversa, tendem a ficar mais tempo suspensas no ar. “As pessoas podem respirar essas partículas e acabar se infectando”, afirmou Rosa-Ribeiro.

Falar mais alto, um comportamento comum em locais cheios de gente, também contribui para a exposição viral. Uma análise publicada em 2019 na revista Nature afirmou que a emissão de partículas de saliva tende a aumentar conforme o volume da voz aumenta.

As respostas das autoridades

Em 22 de janeiro de 2021, após os primeiros protestos de proprietários de estabelecimentos, o governador paulista João Doria (PSDB) defendeu as restrições mais rígidas para restaurantes e bares. Doria disse que entendia as preocupações dos empresários, mas que “sem vida, não há economia ”.

Mas o governo do estado dá indícios de que cedeu à pressão, ao menos um pouco. Segundo a coluna Painel do jornal Folha de S.Paulo, as conversas entre entidades de empresários do setor e o governo estadual avançaram no final de janeiro. A expectativa do setor é que até quarta-feira (3) sejam publicadas medidas de ajuda aos bares e restaurantes – não há detalhes de quais ações poderão ser tomadas. O secretário de Turismo do estado, Vinicius Lummertz, confirmou à Folha que o governo de São Paulo “estuda propostas” para o setor.

Na segunda-feira (1°), Doria disse que irá anunciar na quarta-feira (3) a redução das restrições sobre os horários de funcionamento de “comércios, shoppings, bares e restaurantes, inclusive aos finais de semana”. O governador justificou a decisão dizendo que os casos de contágio por coronavírus estariam em baixa nas últimas semanas.

Associações de donos de bares e restaurantes também articulam medidas com a esfera federal. O presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solmucci, se reuniu na quarta-feira (27) com o presidente Jair Bolsonaro; o ministro da Economia, Paulo Guedes; e o ministro do Turismo, Gilson Machado. Segundo a Abrasel, o presidente prometeu medidas em até 15 dias para aliviar a situação financeira dos empresários do setor.

Entre as demandas dos representantes de bares e restaurantes está a volta do programa que permitia reduzir salários e jornadas de trabalho. O Ministério da Economia estuda reeditar a medida , mas esbarra em um problema orçamentário.

Em 2020, a União pagou compensações para os trabalhadores que tiveram a remuneração reduzida, com custo total estimado em pouco mais de R$ 50 bilhões. Em 2021, com o Orçamento federal mais apertado, o governo não vê condições de pagar essa compensação, e estuda maneiras de permitir a redução de jornada e salário sem ter que abrir os cofres públicos.

Há também a possibilidade de o governo editar uma linha de crédito subsidiado – ou seja, com taxas mais baixas e condições favoráveis bancadas pela União – voltada especificamente para bares e restaurantes de micro, pequeno e médio porte, conforme revelou reportagem do jornal O Estado de S. Paulo no sábado (30). A ideia teria surgido dentro do governo federal após a reunião de Bolsonaro com representantes do setor.

Há, no entanto, resistências dentro do Ministério da Economia. O entendimento de integrantes da equipe econômica é que a medida beneficiaria um setor da economia em detrimento de outros, gerando uma distorção.

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