Expresso

A exibição de ‘Amor Estranho Amor’ na TV, 4 décadas depois

Aline Pellegrini

10 de fevereiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h57)

Filme que mostra a apresentadora Xuxa seminua com garoto de 12 anos foi alvo de disputas judiciais desde seu lançamento nos anos 1980

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FOTO: DIVULGAÇÃO

Em foto em preto e branco, menino de camisa branca é observado de perto por mulher loira

Marcelo Ribeiro e Xuxa em cena do longa

Conhecido como o “filme proibido” da Xuxa, “Amor estranho amor” (1982) vai ganhar sua primeira exibição na televisão na madrugada de quinta para sexta-feira (12), à 0h30, no Canal Brasil. A circulação do longa dirigido por Walter Hugo Khouri (1929-2003) estava vetada desde o início da década de 90 pela apresentadora Xuxa Meneghel, que foi figurante na produção.

O drama, que retrata temas como prostituição infantil e incesto a partir da história de Hugo, um menino que passa um dia no bordel onde sua mãe trabalha, ficou famoso por uma cena que mostra a apresentadora seminua com o garoto de 12 anos.

Xuxa aceitou o papel a pedido do então namorado Pelé, amigo do produtor Anibal Massaini Neto. Quando gravou o longa, ela tinha 18 anos e trabalhava como modelo.

“Amor estranho amor” foi lançado nos cinemas em 1982, um ano antes de Xuxa começar a se dedicar ao programa “Clube da Criança”, na TV Manchete. Em 1986, passou a comandar o “Xou da Xuxa”, na TV Globo, onde o sucesso com o público infantil lhe rendeu a alcunha de “rainha dos baixinhos”.

Nessa época, “Amor estranho amor”, que recebeu classificação indicativa de 14 anos, tinha rendido à sua protagonista, Vera Fischer, o troféu de melhor atriz pelo Festival de Cinema de Brasília, um dos mais importantes do país, e já circulava em VHS.

Conflito jurídico

Ao perceber que a carreira com o público infantil era incompatível com suas cenas e com a divulgação do longa – que apelava à nudez dela – Xuxa deu início a uma disputa judicial que só teria fim em 2018. A comercialização do filme foi proibida pela Justiça em 1991 em decisão do então juiz Luiz Fux, atual presidente do Supremo Tribunal Federal.

Xuxa pagou mais de R$ 300 mil por ano para a produtora do longa, a Cinearte, para impedir a difusão do filme. O valor era uma espécie de ressarcimento à empresa pela não comercialização da obra.

Após percorrer vários tribunais, em 2017 os advogados de Xuxa levaram a disputa ao Supremo. O ministro Celso de Mello considerou a reclamação “inacolhível” e negou seu seguimento. O acordo que a apresentadora mantinha com a Cinearte e que embargava a distribuição do filme perdeu a validade em 2018. No fim de 2020, após oferta do produtor Anibal Massaini Neto, o Canal Brasil comprou os direitos de exibição do longa.

Em 2010, Xuxa começou outra batalha judicial, desta vez contra o Google. A apresentadora pedia que a empresa tirasse do ar resultados de busca que a relacionassem à prática de pedofilia. Ela perdeu.

Xuxa, que não apresenta mais programas infantis e foi demitida da Record no fim de 2020, mudou de ideia sobre o filme. Agora, ela incentiva as pessoas a assistirem ao longa, que considera “muito bom”.Em entrevista ao Fantástico em novembro de 2020, afirmou que o filme “fala de uma coisa muito atual, que é a exploração infantil”.

“Não é minha realidade, mas é a realidade de muita gente. Então, antes de as pessoas me criticarem, elas deveriam saber que isso existe, diariamente, nesse país e no mundo todo, mas, principalmente, nesse país”, disse.

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Mulher de vestido preto ao lado de homem de terno que abraça garota que tem o torso nu

Vera Fischer, Tarcisio Meira e Xuxa, atores de ‘Amor estranhos amor’

A história de ‘Amor estranho amor’

Ambientado na São Paulo de 1937, às vésperas do golpe que instituiu o Estado Novo no país, o filme de Walter Hugo Khouri acompanha Hugo, um garoto de 12 anos que foi deixado pela avó no bordel de luxo em que sua mãe trabalhava como prostituta.

Com elenco formado por atores como Vera Fischer, Tarcísio Meira, Mauro Mendonça e Walter Foster, o filme mostra um dia de Hugo no local. O menino fica cercado de garotas de programa, entre elas a jovem Tamara, personagem de Xuxa, que é obrigada a se prostituir.

Uma das breves cenas que movem a polêmica de mais de três décadas mostra Tamara deitada seminua sobre Hugo. Em outra, enquanto é preparada para “ser dada de presente”, ela diz ao garoto: “logo você vai virar um gurizão, mas desde já você é um sabonetinho”.

Reduzir a obra de Khouri a essas cenas isoladas é considerado um erro por críticos de cinema, que reconhecem nas produções do diretor influências de cineastas como Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman.

A pornochanchada

Diretor de obras como “Noite vazia” (1964) e “O palácio dos anjos” (1970), ambas indicadas à Palma de Ouro do Festival de Cannes, Walter Hugo Khouri foi um dos cineastas brasileiros que precisou se inserir no universo das “pornochanchadas”, que tomaram o cinema nacional a partir dos anos 70, para continuar trabalhando.

O termo se refere a filmes concebidos como comédias eróticas. Obras do gênero tiveram um grande sucesso comercial no país e eram realizadas especialmente na Boca do Lixo, região central de São Paulo que servia como um polo de produtoras de filmes de baixo orçamento.

Khouri encontrou nessas produtoras que apelavam ao erotismo uma forma de viabilizar suas obras sem abrir mão completamente de sua liberdade criativa por questões comerciais, como escreve o crítico Donny Correia. Foi nesse período que “Amor estranho amor” foi concebido.

Para Correia, apesar de Khouri recorrer ao erotismo para vender ingressos, ele “não abriu mão das discussões existenciais características de seu trabalho. Assim, entre belas imagens de corpos femininos e citações de Espinosa ou Schopenhauer, trouxe à luz filmes como ‘As deusas’ (1972), ‘O desejo’ (1975) e ‘O prisioneiro do sexo’ (1979)”.

A opinião dos atores

Em entrevista de 1990 a João Doria (então apresentador do programa “Sucesso”, da Band, atual governador de São Paulo), Xuxa afirma que, inicialmente, a capa da fita VHS do filme levava os rostos dos protagonistas Tarcísio Meira e Vera Fischer. Porém, depois do sucesso da apresentadora na TV, sua imagem passou a estampar a arte, que também levava o slogan “venha ver o que Xuxa faz com seus baixinhos”.

“Enquanto usarem meu nome e minha imagem indevidamente, eu vou processar. É meu nome, minha imagem, é o que eu tenho. Eu venho trabalhando em cima disso. Continue usando a Vera Fischer, que ela adora o filme, ela quer que saia o filme, então use bastante o rostinho dela e o nome dela e me esqueçam”, afirmou na época.

Fischer, que interpreta Anna, a prostituta de luxo que é mãe de Hugo, afirmou que foi muito prejudicada pela disputa judicial de Xuxa. “Eu senti muito até porque era coprodutora do filme. O produtor principal era o Anibal Massaini e nós sentimos no bolso”, afirmou em entrevista ao programa Cinejornal, do Canal Brasil, em 2020.

A atriz considera que a censura foi uma decisão dos empresários da apresentadora. “Eu acho que ela [Xuxa] tinha uma equipe muito poderosa. E acho que eles a obrigaram a tirar o filme de circulação”.

Já Marcelo Ribeiro, que interpretou o garoto Hugo e contracenou com Xuxa na polêmica cena, diz que acha uma barbárie chamarem Xuxa de pedófila por culpa do filme.

“Eu achava que a Xuxa estava errada com a proibição. E só depois que cresci entendi o lance dos cartazes [apelativos]”, afirmou Ribeiro, que hoje tem 51 anos e trabalha como especialista de tecnologia da informação, em entrevista à Folha.

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