Como os senadores têm se saído na CPI da Covid, em 3 análises
Fernanda Boldrin
22 de maio de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h08)O ‘Nexo’ ouviu especialistas em saúde, ciência política e direito sobre o desempenho dos parlamentares nas três primeiras semanas de depoimentos
Reunião de instalação da CPI da Covid
Após ouvir pelo segundo dia o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, na quinta-feira (20), a CPI da Covid do Senado concluiu sua terceira semana de depoimentos. Com sessões que viraram o centro das atenções do país , a Comissão Parlamentar de Inquérito investiga a atuação do governo federal na pandemia e os repasses de recursos a estados e municípios.
O depoimento de Pazuello era o mais aguardado da comissão até o momento, pelo potencial de expor erros e omissões do governo no enfrentamento à crise sanitária. Munido de um habeas corpus que lhe garantia o direito de ficar em silêncio caso julgasse que poderia se incriminar com alguma resposta, o general distorceu informações e se isentou de responsabilidades .
O Palácio do Planalto comemorou o desempenho do ex-ministro, sobretudo pelo esforço em blindar o presidente Jair Bolsonaro. Mas analistas apontam que diversos pontos de seu relato dão força à visão de que o governo federal foi omisso na crise enfrentada pelo estado do Amazonas. Senadores críticos ao governo pretendem ouvir Pazuello novamente e explorar suas contradições.
O general foi a oitava pessoa a ser interrogada pela comissão. Com base nas informações colhidas até aqui, senadores críticos ao governo já dizem contar com provas de crimes de Bolsonaro na gestão da pandemia.
Antes de Pazuello, prestaram depoimento aos senadores os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, o titular da pasta, Marcelo Queiroga, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, o ex-chefe da Secretaria de Comunicação do governo Fabio Wajngarten, o representante da Pfizer Carlos Murillo e o ex-chanceler Ernesto Araújo.
Todas as oitivas duraram horas , e os relatos sobre a pandemia se avolumam. O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), já pediu para o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), um balanço com conclusões sobre o primeiro mês de investigações. A comissão é formada por 11 senadores titulares e 7 suplentes, e está prevista para durar 90 dias, prorrogáveis.
Enquanto isso, a CPI também virou entretenimento nas redes. Os senadores têm aproveitado para fazer discursos incisivos – tanto os aliados quanto os opositores ao governo –, e também não perderam a chance de interagir com potenciais eleitores. O relator Renan Calheiros, por exemplo, chegou a abrir, em seu Instagram, uma caixa de sugestões de perguntas para serem feitas para Pazuello durante a oitiva do general.
O Nexo ouviu três especialistas, das áreas de ciência política, direito e saúde, para avaliar o desempenho dos senadores até aqui nos interrogatórios.
“Era esperado um maior preparo [dos senadores] do ponto de vista de disponibilidade de documentação, de domínio da linha do tempo. Como nesse último ano e meio de pandemia tudo foi muito rápido, a dimensão temporal faz muita diferença. Ainda que a maior parte das informações que eles falassem ali fossem informações muito publicizadas, não tinha alguém com o preparo de dizer: ‘aqui a OMS declarou a pandemia, aqui a OMS deixou de considerar a cloroquina algo razoável’. Isso se refletiu nas perguntas. O posicionamento dos senadores foi mais no sentido de demonstrar ser a favor ou contra o governo. Não há um problema em demonstrar posição, o problema é quando isso não vem associado a um domínio técnico mais aprofundado.
O saldo da CPI até o momento foi demonstrar que a falta de articulação, que a gente já sabia que existia do presidente da República em relação ao Congresso, parece existir também em relação aos seus ministérios. Existe uma dificuldade em saber quem tomava decisão, ou saber quem poderia tomar decisão, ou saber quem participava do processo decisório.
Sobre os senadores, chamou a atenção o posicionamento de Marcos Rogério (DEM-RO). Primeiro por ele ser do Democratas, que foi um partido que teve uma relação dúbia com Bolsonaro. E ele assume uma posição muito pró-governo e pró-pauta de uma determinada camada. Outro que se destaca é Eduardo Girão (Podemos-CE), que tem pautas ideológicas muito semelhantes às do governo. E ele ainda procura fontes evidentemente muito ruins ou mal datadas para justificar o tratamento precoce e outras coisas que nem o governo mais consegue justificar.
Eles [Marcos Rogério e Eduardo Girão] assumem um posicionamento que ajuda o governo, mas não sei se diria que são governistas. Parece mais que assumem esses comportamentos porque ganham tempo de câmera com isso, porque querem o apoio dessa ala. Se fosse para combinar, eles não estariam usando a linha de defender a cloroquina, estariam usando a linha principalmente do Pazuello, de que isso nunca aconteceu.
Na ala crítica ao governo, temos o Renan Calheiros (MDB-AL). Como relator, ele tem uma posição de destaque e com muitas prerrogativas. Poderia ter feito um trabalho melhor com Pazuello, com dados mais fundamentados. Outra voz que se coloca muito forte é de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que está certamente mais bem embasado tecnicamente.
Temos dois senadores do Amazonas, Eduardo Braga (MDB-AM) e Omar Aziz (PSD-AM), que também estão tendo um papel importante, especialmente porque a crise de covid foi muito mais pesada no estado do Amazonas. E eles estão em uma situação curiosa, porque ao mesmo tempo que o Amazonas sofreu mais que outros lugares, o estado tem muitos serviços públicos que necessitam das Forças Armadas. Omar Aziz o tempo todo denota que esse desacordo que ele tem em relação ao governo não passa pela relação que ele tem com as Forças Armadas. Ele fez vários posicionamentos no sentido de que ‘olha, não estou criticando as Forças Armadas, estou criticando o que aconteceu aqui.”
“Uma CPI é uma Comissão Parlamentar de Inquérito, ou seja, ela investiga. Para começar, de forma bem pragmática, [os senadores deveriam focar em] perguntas objetivas sobre fatos. Não adianta você passar dez minutos criticando ou elogiando a postura do governo federal em relação à pandemia e não perguntar sobre fatos para uma pessoa que está ali na condição – ainda que equivocada – de testemunha. Mas ela [testemunha] está ali para colaborar com uma investigação, e muitas vezes as ‘perguntas’ [dos senadores] não são sequer perguntas.
Por enquanto a comissão tem um saldo, mas não é uma grande novidade. O que a gente tem percebido é uma reafirmação de que o combate à pandemia, por parte do governo federal, se pauta por um negacionismo, por uma completa inobservância da ciência, e por uma postura bastante irresponsável daqueles que de fato são os responsáveis pela gerência desse momento. Principalmente na questão das vacinas acho que houve certo avanço [na coleta de evidências], nas negociações completamente amadoras do governo federal.
[Quanto ao uso de internautas para fazer perguntas], tem uma legitimidade nisso do ponto de vista de representatividade. Todo parlamentar está ali representando uma parcela da população que votou nele. Essa é uma proposta de interagir com o eleitor que é legítima, mas ela não pode também fugir do aspecto técnico e do aspecto de investigação que uma CPI tem que ter. A pergunta dos internautas não pode ser mais um desabafo – que é legítimo, justificável, mas não é para isso que serve uma CPI.”
“A estratégia do governo [federal na pandemia] foi baseada em duas frentes. A primeira delas foi estimular a população a se contaminar, porque o governo comprou lá atrás a tese da imunidade de rebanho por contágio. Se junta a isso uma lógica política do governo. Pelas perguntas e intervenções na CPI, principalmente do Renan [Calheiros] e do Randolfe [Rodrigues], eles têm claro que o governo fez essa aposta e que muita coisa foi decorrência disso.
Vi muita gente decepcionada com Renan, principalmente no depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo e no depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, mas acho que ele está construindo essa linha. É muito difícil achar uma pergunta direta que vá conseguir [mostrar isso objetivamente]. O que o Renan faz? Pergunta se tinha tese de imunidade de rebanho. Geralmente, eles falam não. Mas é esperado que eles digam não. E acho que isso é um dado relevante, porque a gente tem vários elementos fáticos de que eles apostaram nisso.
[Os depoentes aliados ao governo] estão dando respostas, primeiramente, contrárias ao que era a política do Bolsonaro, e contrárias à atuação que eles mesmos tiveram enquanto foram atores públicos. E isso é um dado relevante. Mesmo que involuntariamente, eles estão se dando conta de que não podem bancar essa tese. Ernesto Araújo chegou ao absurdo de falar que nunca foi contra a China. Pazuello disse que aquele aplicativo TrateCov, [lançado em janeiro pelo Ministério da Saúde e que estimulava o uso de cloroquina até para bebês], foi um hacker. Então, embora eles tenham um discurso de bancar o Bolsonaro, eles estão demonstrando, ainda que inconscientemente, que a atuação do Bolsonaro não tem defesa.
O objetivo da CPI, no meu modo de ver, é principalmente político, de desgastar o governo e de informar a sociedade. Várias coisas que estavam acontecendo ao longo de um ano estão sendo condensadas agora em poucos dias, passando nos jornais, e muita gente que não tinha noção está passando a olhar para isso. O sentido fundamental da CPI me parece que é justamente esse. Então acredito que esses senadores, principalmente os que estão conduzindo, têm uma linha e estão indo bem, apesar de frustrar quem espera uma coisa bombástica.”
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