Expresso

Por que ambientalistas protestam contra a COP26

Isabela Cruz

06 de novembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h30)

Atos durante a conferência do clima denunciam ‘greenwashing‘ nas propostas da elite financeira e de governos

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FOTO: HANNAH MCKAY/REUTERS – 06.NOV.2021

Multidão com cartazes em defesa do combate às mudanças climáticas e outras pautas ambientais

Manifestantes tomam as ruas de Glasgow, na Escócia, durante a COP26

As ruas de Glasgow, na Escócia, receberam na sexta-feira (5) e no sábado (6) os maiores protestos relacionados à 26ª Conferência Mundial do Clima desde que o evento começou, há uma semana. Manifestações de entidades e movimentos como o Greenpeace e o “Fridays for Future” (“Sextas pelo Futuro”) mobilizaram num único dia dezenas de milhares de pessoas (organizadores falaram em 200 mil ), protestando, entre outros pontos, contra o “greenwashing” praticado pelos envolvidos na conferência.

“Greenwashing” significa lavagem verde, ou maquiagem verde. O termo se refere à apropriação da pauta ambiental por um discurso desacompanhado de práticas efetivas nesse sentido. Sob essa lógica, países e corporações defendem temas “verdes” como mero verniz para suas verdadeiras ações, de forma a obter uma imagem positiva perante consumidores e investidores, enquanto a deterioração ambiental continua se agravando.

Neste texto, o Nexo explica o que propõem grandes empresas na COP26, qual é o espaço que governos têm dado a elas, o que a conferência tem a propor sobre o assunto e por que tudo isso incomoda ambientalistas e ativistas, que passaram a ver a conferência como um “ festival de greenwashing ”, conforme disse a jovem ativista sueca Greta Thunberg.

A proposta da elite financeira

Em abril de 2021, o enviado especial das Nações Unidas para Ação Climática e Finanças, Mark Carney, anunciou uma iniciativa para reunir e coordenar instituições financeiras privadas comprometidas com as metas do Acordo de Paris, assinado em 2015, incluindo a transição global para uma economia neutra em carbono (que absorva tanto carbono quanto emita). Trata-se da GFANZ (Aliança Financeira de Glasgow para Zero Emissões Líquidas, na sigla em inglês), que atualmente reúne mais de 450 instituições financeiras, como bancos, gestores de ativos e seguradoras, em 45 países.

O objetivo da GFANZ é garantir que as instituições financeiras disponibilizem recursos suficientes para projetos de empresas e governos que mirem uma economia de zero carbono. Esses recursos podem se destinar tanto a empresas que realizam atividades sustentáveis quanto a empresas de atividade intrinsecamente poluente, como as petrolíferas. Nesses casos, as corporações realizam projetos paralelos de sustentabilidade, como o plantio de árvores, para ganharem o direito de emitirem gases poluentes nas próprias atividades.

Na quarta-feira (3), o “dia das finanças” nas discussões da COP26, a aliança anunciou que, desde abril, já aumentou em 25 vezes o valor dos ativos negociados por suas instituições que serão vinculados a projetos em benefício de uma economia livre de carbono.

US$ 130 trilhões

é o montante que as instituições financeiras se comprometeram a destinar a projetos de economia verde nos próximos 30 anos

Por que ambientalistas veem ‘greenwashing’

Para muitos ambientalistas, o anúncio da GFANZ não passa de “greenwashing”. Isso porque R$ 130 trilhões em 30 anos seria pouco em relação a tudo o que o setor financeiro mundial movimenta, e a maior parte do dinheiro estaria ainda sendo destinada a indústrias intensivas em carbono.

Outro ponto de crítica é o fato de que as instituições da aliança ainda não se comprometeram a eliminar, mesmo que gradualmente, o financiamento a atividades altamente poluidoras como as de petróleo e gás. Uma análise da Rainforest Action Network revela, na verdade, que o financiamento de combustíveis fósseis de bancos privados aumentou desde que o Acordo de Paris foi assinado em 2015.

A viabilidade das compensações também é questionada. Um estudo recente da Oxfam também mostra que, caso se use somente a plantação de árvores para a compensação das emissões de carbono do mundo, serão necessários pelo menos 1,6 bilhões de hectares de novas florestas para alcançar a neutralidade até 2050, como prevê o Acordo de Paris. Isso equivale a cinco vezes o tamanho da Índia , ou mais do que todas as terras agrícolas do planeta.

Por fim, para organizações e movimentos como Greenpeace, Amigos da Terra e Extinction Rebellion a ideia de compensação de carbono, em si, já é ruim. Eles dizem que o mecanismo acaba garantindo a empresas o direito de continuarem poluindo, enquanto, em razão da baixa regulação do setor, as compensações costumam ser de baixa qualidade e com pouco impacto para um freio ao aquecimento global. Na visão deles, portanto, para se chegar às metas do Acordo de Paris, é preciso cortar emissões na fonte , e não “fazer planilhas” de compensação.

“As compensações de carbono significam sabotagem climática. Elas não são apenas uma ferramenta para disfarçar a inação e atrasar a transformação que precisamos, elas também vão levar a devastadoras grilagens [apropriação ilegal] de terras no Sul Global [países em desenvolvimento]”

Teresa Anderson

coordenadora de políticas climáticas da organização ActionAid International, durante painel da COP26 no dia 3 de novembro de 2021

Às críticas que imputam “greenwashing” ao mundo corporativo somam-se acusações no mesmo sentido também contra países. O governo brasileiro, por exemplo, apresentou à COP seu recém lançado Programa Nacional de Crescimento Verde , entre outros compromissos. No entanto, diante da falta de detalhamento das propostas e do histórico da gestão Bolsonaro, que promoveu um desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental e não impediu recordes de desmatamento , especialistas em meio ambiente têm alertado a comunidade internacional para a distância entre o discurso e a prática do Executivo federal.

Outro fator de ‘greenwashing’: quem comanda a COP

Uma outra crítica à COP26 diz respeito à estrutura do evento em si. Como revelam as reportagens da organização Global Witness, diversos eventos do pavilhão da União Europeia, por exemplo, são organizados e patrocinados por grandes exploradoras de combustíveis fósseis, que, segundo os críticos, não pretendem abandonar suas atividades poluidoras, mas apenas fazer um greenwashing de sua marca e controlar a narrativa sobre uma suposta transformação do setor energético.

Segundo a reportagem, grupos que fazem lobby pelo uso do hidrogênio como fonte energética, um tema de destaque na COP26, são integrados por grandes empresas do setor de óleo e gás que, apesar do discurso ambientalista, trabalham, inclusive sobre definições regulatórias, para que esse hidrogênio supostamente “limpo” possa ser produzido com o uso de seus combustíveis fósseis de sempre.

Para os ambientalistas, os representantes dessas grandes empresas não deveriam estar organizando os eventos e fazendo da COP26 uma plataforma publicitária, mas sim sendo questionados pelas práticas poluentes pelas quais são responsáveis.

A delegação do Reino Unido, por exemplo, acabou excluindo as empresas de óleo e gás de qualquer tipo de papel formal no evento, depois que o jornal The Guardian revelou em 2020 que executivos dessas corporações ofereceram dinheiro em troca da exposição no evento e chegaram a dizer que poderiam atuar como intermediários entre as autoridades britânicas e de outros países.

Contrastando com a predominância das grandes empresas, diversas entidades da sociedade civil têm reclamado da dificuldade de acesso aos debates da COP26, seja porque o custo de hospedagem, transporte e alimentação em Glasgow é muito alto, seja porque as salas da conferência estão em tamanho reduzido em relação a edições anteriores da conferência. As autoridades do Reino Unido afirmam que a medida se deve à necessidade de se evitarem grandes aglomerações em razão da pandemia de covid-19.

O que vai mudar depois da COP26

A Fundação IFRS, que define padrões internacionais para relatórios corporativos de contabilidade, lançou na quarta-feira (3) durante a COP26 seu ISSB (International Sustainability Standards Board), um conselho destinado a construir padrões também para relatórios de empresas sobre sustentabilidade ambiental.

Presidente da IOSCO (Organização Internacional de Valores Mobiliários, na sigla em inglês), Ashley Alder ajudou a criar o ISSB e destacou a importância do órgão para o combate ao “greenwashing”. “Se você não tem informações básicas em uma base comparável mundialmente , você aumenta enormemente os riscos de ‘greenwashing’”, disse ela, conforme reportagem da agência Reuters.

A sede do ISSB será em Frankfurt, na Alemanha, e o lote de normas globais será publicado no segundo semestre de 2022. Um protótipo desses padrões será colocado em consulta pública até lá.

Ministros das Finanças e presidentes de Bancos Centrais de 39 países celebraram publicamente a criação do conselho, incluindo o presidente do Banco Central brasileiro , Roberto Campos Neto.

Este conteúdo é parte da Cobertura Especial sobre a COP26, que tem o apoio da FES Brasil, fundação política alemã para a promoção da democracia inclusiva, da economia sustentável e da justiça social.

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