Quais são as conquistas do movimento indígena na COP26
Mariana Vick
09 de novembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h32)Com mais influência que nos eventos anteriores, lideranças conseguiram apoio inédito e espaço em mesas de discussão para mostrar seu papel no combate à mudança climática
Indígenas de todos os países, incluindo os brasileiros, conquistaram apoio inédito e tiveram pela primeira vez espaço nas mesas de discussão da COP26 , a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que dura até quinta-feira (12) em Glasgow, na Escócia.
Relegados em COPs anteriores, eles têm mostrado a políticos, empresários e negociadores do evento suas contribuições para o combate à mudança climática . Mesmo com os avanços, eles esperam mais compromissos dos países até o fim da conferência.
O Nexo mostra quais foram as conquistas dos indígenas na COP26 até agora, o que dizem os indígenas brasileiros na conferência e qual o seu papel no combate à mudança climática. Mostra também as tensões entre o movimento indígena e o governo brasileiro no evento.
Os primeiros sinais de apoio ao movimento indígena na COP26 ocorreram nos primeiros dias da conferência, assim que se percebeu a presença de lideranças de diversos países unidas em coalizões e em debates antes restritos a outros integrantes da sociedade civil.
Em um gesto considerado histórico, em 1º de novembro governos e doadores privados anunciaram na COP26 o compromisso de destinar US$ 1,7 bilhão diretamente para povos indígenas entre 2021 e 2025, com o objetivo de ajudá-los a proteger as florestas em que vivem.
Indígenas brasileiras durante a COP26, em Glasgow, na Escócia
Entre os doadores, estão os governos do Reino Unido, EUA, Alemanha, Noruega e Holanda. Fundações filantrópicas como Ford, Rainforest Trust, Bezos Earth Fund, Arcadia, Bloomberg Philanthropies, Sobrato Philanthropies e Wyss Foundation também contribuem.
Mais que pelo valor, o fundo é considerado um avanço da COP26 porque busca fazer com que os recursos cheguem diretamente às comunidades indígenas, que devem ter autonomia para gerir o dinheiro, diferentemente do que ocorre nos financiamentos que existem hoje.
Menos de 1%
é quanto comunidades indígenas recebem do financiamento climático destinado a reduzir o desmatamento atualmente, segundo o jornal Folha de S.Paulo; valor é considerado pequeno
Também no início da COP26, em 1º de novembro, mais de 100 países assinaram um acordo que busca acabar com o desmatamento até o fim da década. No texto, a conferência aponta que os indígenas são fundamentais para a preservação florestal e prevê apoio ao grupo.
Apesar disso, o acordo não faz referências específicas aos direitos territoriais ou de posse dos indígenas, que enfrentam o risco de serem expulsos de suas terras em países como o Brasil, segundo críticos. Parte do movimento busca ainda mais avanços até o fim do evento, na sexta-feira (12).
Entre os indígenas beneficiados pelos compromissos assinados na COP26, estão os brasileiros, que em 2021 registraram presença recorde em Glasgow. Mais de 40 lideranças, a maioria mulheres, foram ao evento para participar das negociações e reivindicar a demarcação de terras.
Txai Suruí , indígena de 24 anos do povo Suruí, em Rondônia, foi a única brasileira a discursar na abertura do evento, em 1º de novembro. No discurso, ela criticou “promessas falsas” para o clima, pediu espaço aos indígenas nas decisões e mais proteção contra a violência.
“O clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo e nossas plantações não florescem como no passado. A Terra está falando: ela nos diz que não temos mais tempo”
Nomes como Sônia Guajajara e Joênia Wapichana (Rede-RR), única deputada federal indígena do Brasil, também têm participado de protestos em Glasgow e de agendas com figuras como John Kerry, representante dos EUA para o clima, e o príncipe Charles do Reino Unido.
Entre os assuntos que discutem, estão o papel dos povos indígenas no combate à mudança climática e a preservação das florestas em seus territórios. Para o movimento, as demarcações de terras são centrais para a proteção de sua vida, de sua cultura e do meio ambiente.
Parte deles também denuncia ataques às terras indígenas no país e problemas como a pandemia, o garimpo ilegal e a violência no campo. Segundo relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), os assassinatos de indígenas no Brasil aumentaram em 2020.
O espaço dado aos indígenas na COP26 se deve à sua importância para o combate à mudança do clima. Terras indígenas são o tipo de área que mais preserva florestas no Brasil, e, em todo o mundo, são uma barreira contra o desmatamento , atividade que gera emissões.
Estudos indicam que as florestas podem contribuir com até 37% para as metas de mitigação do clima do Acordo de Paris, que busca limitar o aquecimento global a abaixo de 2ºC ou, idealmente, a 1,5ºC até o fim do século. O acordo está no centro das discussões na COP.
Guardiões da Terra da etnia Munduruku, na Amazônia
Outra revisão feita pela ONU sobre mais de 300 estudos científicos aponta que, em países como Bolívia, Colômbia e Brasil, a taxa de desmatamento em terras indígenas corresponde à metade do que se vê em áreas de floresta vizinhas, privadas ou públicas.
Apenas no Brasil, o desmatamento em terras indígenas na Amazônia entre 2000 e 2014 foi de 2%, quando, na média da região, esse valor foi de 19%, segundo estudo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental na Amazônia). O desmate tende a ser ainda menor em áreas demarcadas.
Segundo os estudos, essas terras não apenas reduzem as emissões de carbono. Os territórios indígenas também preservam a maior parte da biodiversidade — que inclui não só a vegetação, mas os animais. Quase 80% das espécies conhecidas estão nessas áreas, de acordo com a ONU.
Apesar do aumento do protagonismo de indígenas na COP26, o governo brasileiro não tem se aproximado da sociedade civil na conferência e seus representantes têm feito críticas a lideranças tradicionais, acusadas de ir a Glasgow para “atacar o Brasil” e a política ambiental de Jair Bolsonaro.
Bolsonaro, um dos poucos chefes de Estado a não ir à COP26, criticou Txai Suruí, que falou na abertura do evento, em conversa com apoiadores em Brasília. “Levaram uma índia […] para atacar o Brasil”, disse na quarta-feira (3). Pouco depois, Suruí foi assediada nas redes sociais.
“Alguém viu algum alemão atacando a energia fóssil da Alemanha? Alguém já viu atacando a França porque lá a legislação ambiental não é nada perto da nossa? Ninguém critica o próprio país. […] É só aqui”
No sábado (6), o Brasil recebeu na COP o Fóssil do Dia , antiprêmio distribuído a países que mais travam o combate à crise climática, por seu “tratamento terrível” aos povos indígenas. A Climate Action Network, rede que criou o prêmio, citou os ataques de Bolsonaro a Suruí.
Indígenas na COP26 seguram cartaz que diz: ‘o colonialismo causou a mudança climática; os povos indígenas são a solução’
Com 479 membros, a delegação do Brasil é a maior da COP26 , segundo o jornal Folha de S.Paulo. Incluídos nesse grupo em outras conferências, indígenas, ambientalistas, ONGs e pesquisadores deixaram de ser chamados desde o início do governo Bolsonaro, hostil à sociedade civil.
Segundo o governo, a delegação não pode incluir pessoas que não fazem parte do poder público. Entre as pessoas credenciadas, porém, há 57 nomes que não pertencem a nenhum governo, como empresários da indústria e do agronegócio, de acordo com a Folha.
Por não serem mais convidados à COP pelo governo federal, representantes da sociedade civil passaram a levar à conferência um estande paralelo . Chamado na COP26 de Climate Hub, o estande tem programação e discussões próprias.
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