Expresso

Inflação: de quem é a responsabilidade pela alta geral de preços

Marcelo Roubicek

13 de fevereiro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h21)

O ‘Nexo’ falou com economistas sobre o aumento que pressiona a população, especialmente a mais pobre. Entenda quais são os fatores internos e externos que colocaram o Brasil na atual situação

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FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 02.SET.2021

Vendedor ambulante carrega tábua com artesanato. No fundo, o mar e o morro do Pão de Açúcar. No primeiro plano, uma placa de posto de gasolina com preços altos, e gasolina a R$ 7,00

Vendedor ambulante passa em frente a posto de gasolina no Rio de Janeiro

Os preços acumularam alta de 10,38% entre fevereiro de 2021 e janeiro de 2022 no Brasil. Segundo os dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na quarta-feira (9), a inflação continua em patamares altos no Brasil – a última vez que ficou em dois dígitos tinha sido no começo de 2016.

PREÇOS EM ALTA

Trajetória da inflação e metas no Brasil. Acima da meta e acima de 10% em 2022.

Puxados por produtos como combustíveis, energia elétrica e alguns alimentos como o café, os preços corroem a renda da população brasileira, que está em viés de baixa – a população de mais baixa renda é mais afetada pela inflação. Para tentar controlar a alta inflacionária, o Banco Central vem aumentando os juros , que superaram a casa dos dois dígitos pela primeira vez desde 2015.

Neste texto, o Nexo elenca os fatores internos e externos que impulsionam a inflação brasileira, e conversa com economistas para entender sobre quem recai a responsabilidade pelo momento dos preços no país. A avaliação é que não é possível dizer que a culpa pela inflação em 2021 e no início de 2022 seja toda do governo de Jair Bolsonaro.

Fatores internos relacionados ao governo

Na terça-feira (8), o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) publicou a ata de sua reunião mais recente, que resultou no aumento da taxa básica de juros para 10,75% ao ano . Na ata, o comitê fala na “incerteza em relação ao arcabouço fiscal” como um dos propulsores da inflação.

No entendimento do Banco Central – compartilhado por grande parte dos agentes do mercado financeiro, mas que não é um consenso entre economistas – o descontrole das contas públicas sob Jair Bolsonaro tem ajudado a pressionar os preços no país.

Esse descontrole apareceu em 2021 na forma, principalmente, do furo articulado no teto de gastos (regra que limita a despesa pública) de 2022. O governo também adiou o pagamento de dívidas judiciais, algo que muitos economistas viram como um calote.

O entendimento é que essas manobras elevaram o risco de se colocar dinheiro no Brasil. E se isso acontece, a tendência é que investidores estrangeiros tirem recursos do país – ou então deixem de entrar com dólares. Assim, a tendência é que haja uma saída de moeda americana do Brasil, o que significa uma desvalorização do real frente ao dólar.

O câmbio mais alto tem reflexos para a população: produtos importados ou bens que são cotados em dólares – como commodities, por exemplo – ficam mais caros, e há um impulso de alta de preços no país. Isso aconteceu, aliás, em 2021. O dólar alto foi um dos fatores que ajudou a puxar para cima os preços no Brasil.

Fatores internos relacionados ao clima

Além da questão fiscal e do câmbio, outro fator apontado como um dos motores da inflação são os efeitos climáticos. A seca e as geadas de 2021 prejudicaram o cultivo de alguns produtos importantes, como o café e o açúcar – dois dos bens que mais subiram no Brasil em 12 meses até o início de 2022.

A escassez de chuvas em 2021 foi a pior em 90 anos. Como resultado, os reservatórios das usinas hidrelétricas atingiram níveis críticos. Especialistas chegaram a falar em risco de racionamento de energia , o que não acontecia desde a crise energética de 2001 .

A falta de chuvas encareceu a produção de energia elétrica. Com os reservatórios das hidrelétricas em baixa, o governo acionou usinas termelétricas , mais caras e poluentes. Isso foi repassado ao consumidor e à indústria, que tiveram que pagar uma conta de luz bem mais alta.

Fatores externos relacionados à pandemia

O Brasil não é o único país do mundo em que os preços estão subindo em ritmo rápido. Nos EUA, por exemplo, a inflação chegou em janeiro de 2022 ao patamar mais alto em 40 anos , com alta de 7,5% nos preços acumulada em 12 meses.

Um dos motivos para isso são as disrupções nas cadeias produtivas mundiais, causadas pela pandemia de covid-19. No início de 2020, a chegada da crise sanitária levou a uma redução da demanda global e fez com que produtores diminuíssem suas atividades – seja por redução de vendas ou necessidade de aderir às medidas de restrição da circulação. Ao mesmo tempo, a crise sanitária impôs dificuldades de transporte e logística e criou a necessidade de encontrar novos fornecedores.

Passado o choque inicial da chegada da pandemia, as economias pelo mundo foram se recuperando, seja por causa da reabertura gradual ou por causa de grandes estímulos promovidos pelos governos de diferentes países. A demanda voltou a crescer em ritmo rápido. E a oferta não conseguiu acompanhar.

Fatores externos relacionados a cadeias globais

Problemas de produção se juntaram a problemas de logística, levando à falta de produtos e insumos e aumentos de preços em diversas partes do mundo. Contribuiu para isso o nível baixo dos estoques .

Um dos produtos centrais que ficou em falta são os chips eletrônicos , que são usados em carros, computadores, celulares e outros produtos. A escassez de chips levou a uma limitação na produção desses bens. Outros bens importantes que registraram (e ainda registram) escassez na pandemia são aço, madeira, plásticos e tintas .

Além disso, algumas commodities – materiais primários como produtos agrícolas e minerais – pressionaram preços em 2021. Entre elas, está o petróleo , que escalou a ponto de chegar, no início de 2022, ao preço mais alto desde 2014. Como um todo, o mundo registra alta nos bens ligados à produção de energia.

O Brasil “importou” todos esses aumentos ligados às disrupções das cadeias globais e à alta das commodities. Há também o agravante do dólar alto, que amplia o efeito sobre os preços.

Por isso, produtos como carros e combustíveis estão tão caros no Brasil – no caso dos combustíveis, contribui para isso a política de preços da Petrobras, que repassa aumentos no preço internacional do barril aos consumidores.

A responsabilidade pela inflação

A inflação é geralmente um fenômeno complexo, que pode ser impulsionado por diferentes fatores. Ela pode se espalhar pela economia em diferentes intensidades, atingindo perfis variados de produtos e consumidores. O aumento de preços também pode ter diferentes motivos por trás dele a depender da época, e pode ter remédios diferentes. Os governos podem ter diversos graus de responsabilidade sobre o fenômeno, a depender do momento.

Partindo dos fatores e internos e externos apontados geralmente como motores da inflação, o Nexo conversou com economistas sobre quem pode ser apontado como responsável pela alta dos preços no começo de 2022 – se é que é possível apontar algum.

Virene Matesco, professora de economia da FGV-Rio (Fundação Getulio Vargas), disse que, embora o governo Bolsonaro tenha sua parcela de responsabilidade pelo problema inflacionário brasileiro, ele não pode ser colocado como grande culpado. “Essa irresponsabilidade fiscal do governo é fonte de inflação. Mas dizer que [a responsabilidade pela inflação] é só dele é não entender o funcionamento do sistema econômico”, afirmou.

Para Matesco, a inflação “é um termômetro de que há algo errado no sistema econômico”. A professora da FGV afirmou: “a culpa é de todos. A empresa que aumentou o preço é culpada também. O proprietário de um imóvel que reajusta o aluguel pelo IGP-M [índice de inflação geralmente usado em aluguéis] em mais de 30% também é culpado. Mas ninguém se sente culpado por ela”.

A economista também destacou um elemento que chamou de “temporal” da inflação. Uma das faces desse componente é a inflação inercial – quando aumentos de preços que aconteceram no passado não se dispersam.

Um exemplo dado por Matesco é o de contratos e salários que são reajustados compensando perdas com a inflação: “você pega o passado e joga para o presente, você não deixa ela [a inflação] morrer”. O outro lado são as expectativas de inflação , pelas quais os agentes se antecipam a aumentos esperados e os repassam para os preços.

Já Fábio Terra, professor de economia da UFABC (Universidade Federal do ABC), disse que não é possível atribuir a inflação alta do momento à ação de ninguém especificamente, e que o movimento é produto do contexto de crise trazido pela pandemia.

“A pandemia é uma coisa absolutamente desconhecida dessa nossa geração. Isso muda totalmente a maneira pela qual o mundo vai funcionar”. Para o professor da UFABC, a persistência do cenário de crise sanitária faz com que os agentes econômicos ainda estejam em território desconhecido. “O mundo continua tateando. Enquanto o mundo estiver tateando, o dólar vai tatear. E enquanto o dólar tatear, a gente vai continuar sofrendo aqui”, afirmou Terra.Ele também rejeitou de alguns economistas de que o Banco Central demorou a começar a aumentar os juros, justamente porque o contexto da crise era terreno desconhecido.

A alta do câmbio sob análise

Ainda no tema do câmbio – componente importante da inflação brasileira em 2021 e no início de 2022 –, Terra disse que discorda da leitura do Banco Central e de outros economistas, segundo a qual os problemas fiscais brasileiros são um dos principais impulsionadores do dólar.

Para o economista, “o câmbio é muito influenciado pelo que está acontecendo no resto do mundo, e apenas marginalmente [influenciado] por questões internas”. Ou seja, por mais que as ações do governo possam ter efeitos sobre o dólar, elas acabam sendo mais pontuais, e não têm um peso tão forte nos movimentos da moeda americana. “O que mexe com o câmbio na maioria das vezes é o que os investidores esperam que acontecerá com os EUA. A política monetária dos EUA é a nossa política cambial”, disse.

Já Matesco avaliou que o câmbio sofre influência das ações do presidente da República. Ela citou as instabilidades institucionais provocadas por Bolsonaro como uma fonte de inflação e “estresse” na economia.

Os possíveis remédios à inflação

A professora da FGV afirmou que é comum que o governo seja apontado como o principal responsável pela alta de preços, justamente por ele ser “o gestor da macroeconomia”. Ela apontou que há medidas no alcance do Executivo que podem ser tomadas que poderiam aliviar a inflação, como o corte de gastos para reduzir a pressão sobre os preços.

No entanto, Matesco afirmou que o combate à inflação é uma função que cabe muito mais ao Banco Central que ao Executivo. “O Banco Central é quem tem que zelar pela moeda [pelo poder de compra]”, afirmou. “É ele que tem os instrumentos legítimos, do lado da política monetária. Quem tem a bala de prata para matar o monstro chamado inflação é o Banco Central, aumentando a taxa básica de juros”.

A professora da FGV rejeitou outras possibilidades de atuação do governo sobre os preços, como o congelamento de preços ou a redução de impostos. A diminuição dos tributos cobrados sobre combustíveis – sem compensação por aumento de outras receitas – é discutida por Congresso e Executivo no início de 2022.

Terra também se opôs a essas medidas. “Entendo que reduzir imposto é uma medida estritamente eleitoral. É uma medida muito ruim, é mais um arrumadinho que não resolve estruturalmente o problema, e que acaba trazendo outros problemas, como mais desarranjo fiscal”, disse.

O professor da UFABC falou em duas medidas ao alcance do governo para aliviar a situação dos preços no Brasil em 2022. Uma delas é a revisão da política de preços da Petrobras “para que nem todo reajuste [do petróleo] fosse passado” ao consumidor.

Como alternativa, ele sugeriu usar os lucros da estatal para tirar pressão dos combustíveis, ou a criação de um fundo de estabilização de preços – esta última proposta já é discutida no Senado Federal. A outra medida seria que o Brasil acumulasse “mais reservas internacionais [em dólar] para que a gente possa ter mais poder usá-las ao longo do tempo” para aliviar o câmbio.

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