Expresso

Como falar de política: as lições de 2018 para os eleitores de 2022

Isabela Cruz

10 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Quatro anos depois de uma eleição marcada por forte divisão social, o ‘Nexo’ consultou especialistas no debate público digital sobre o que pode ser feito de diferente na nova disputa presidencial

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FOTO: MARIO DE FINA/NURPHOTO VIA GETTY IMAGES

Homens e mulheres em fila. No muro ao lado deles está escrito "Brasil"

Eleitores em fila para votar na embaixada do Brasil na Argentina

Quatro anos se passaram desde que os brasileiros viveram o ano eleitoral de 2018, marcado por uma profunda divisão social tanto sobre valores ideológicos e projetos para o país quanto sobre os próprios fatos, distorcidos por notícias falsas transmitidas massivamente pelas redes sociais.

Tudo indica que a proximidade da eleição de 2022 fará voltar a frustração decorrente da dificuldade de dialogar com amigos e familiares em campos diferentes do espectro político, especialmente nas redes sociais. Com a enxurrada de informações em uma campanha que novamente se dará em grande parte no ambiente digital, voltam também dúvidas sobre como lidar com desinformação e discursos extremistas.

A seis meses de uma nova escolha eleitoral, o Nexo conversou com três estudiosos do debate público no meio digital sobre os aprendizados de 2018 para 2022, no que diz respeito à comunicação política entre eleitores. Quando, com quem, sobre o quê e de que forma falar sobre política? Confira abaixo o que eles disseram.

A escolha de temas para abrir portas

Na visão de Isabele Mitozo, professora de comunicação da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), o diálogo entre pessoas de diferentes ideologias num contexto eleitoral fica mais fácil a partir de assuntos “mais palpáveis na vida das pessoas”.

“O tom que parece servir melhor para estabelecer algum contato entre diferentes ideologias no contexto daquelas eleições e das que virão em outubro é o da realidade, do preço do mercado”, disse ela ao Nexo .

Segundo a professora, a experiência de 2018 revelou também a importância de todos os lados da disputa eleitoral já terem uma agenda bem definida, para não ficarem numa posição de apenas correr atrás de responder ao discurso adversário. Pesquisadora de grupos políticos de WhatsApp, ela relata que grupos de extrema direita “já estão se mobilizando em torno de temas repaginados de 2018, como ‘volta do comunismo’, ‘ditadura gay’ e ataques a jornais e jornalistas, temas que foram minando o debate público”.

Além das pautas, o formato da comunicação também importa para que ela seja eficaz.No caso das checagens de notícias, por exemplo, novas abordagens usam conteúdo audiovisual para atingir interlocutores diferentes, segundo Cristina Tardáguila, fundadora da Agência Lupa de checagem de fatos e diretora de programas no ICFJ (Centro Internacional para Jornalistas, na sigla em inglês).

“Vários projetos estão sendo desenhados para atingir audiências específicas, que certamente não foram atingidas em 2018”, disse ao Nexo. Haverá iniciativas específicas para idosos , comunidades indígenas e jovens, ela relata.

A busca por quem está disposto a ouvir

Uma das principais dúvidas entre eleitores é como lidar com pessoas com opiniões extremas e que não se mostram dispostas a dialogar, bem como o que fazer com postagens que amplificam essas ideias. Para Mitozo, as eleições de 2018 ensinaram que “não é possível discutir fanatismo, crenças enraizadas, nem usar discurso com tom educador com pessoas que não estão abertas a isso”.

Mitozo relata ao Nexo que, na pesquisa que desenvolve desde 2018 sobre o uso do WhatsApp e eleições, nunca encontrou nos grupos políticos “um link sequer que fosse de agências de checagens de fatos”. “Isso é um sintoma importante do quanto as bolhas funcionam no bloqueio a esse tipo de conteúdo”, disse ela, destacando que as pessoas mais radicalizadas se sentem confortáveis nesses ambientes e preferem acreditar no que circula dentro deles.

Sobre essas barreiras à comunicação com determinados grupos, Tardáguila explica que o objetivo dos checadores de notícias não é corrigir os extremos, mas sim informar “quem ainda escuta”. O critério pode ser válido também para o eleitor que tenta apresentar argumentos a amigos ou parentes.

O ‘silêncio estratégico’ nas redes

Nas redes sociais especialmente, Mitozo defende que, embora nem sempre seja fácil escolher entre “não dar palanque a determinados discursos ou destacar o mau comportamento e constranger quem o tomou”, há casos em que ignorar determinadas postagens é a melhor opção.

Nessas hipóteses, o cálculo leva em consideração que as plataformas virtuais têm algoritmos que, diante de muitas reações negativas a uma postagem, entendem que aquele conteúdo, gerador de engajamento, deve ser visto por ainda mais usuários. Ou seja, retuitar ou compartilhar algo que um candidato escreveu para criticá-lo acaba dando visibilidade para esse candidato.

“Quando falamos de uma disputa entre democracia e autoritarismo, por exemplo, em ambientes que funcionam de acordo com uma ação algorítmica, não se pode dar engajamento para discursos antidemocráticos, pois eles vão ganhar maior alcance e, consequentemente, mais visualizações”

Isabele Mitozo

professora de comunicação da UFMA, ao Nexo

Tardáguila destaca que um discurso, mesmo que não tenha qualquer coerência entre suas teses, pode ganhar força e se espalhar apenas porque foi dito com muita intensidade: muitas vezes, por diferentes pessoas, em diversas plataformas.

“É o método que dentro do universo da desinformação se chama ‘firehose’ [mangueira de combate a incêndio, em inglês]. Se aponta uma mangueira gigante [de informações] para as pessoas, de forma que elas acabam derrubadas. Vem sendo cada vez mais usado no Brasil”, disse ao Tardáguila ao Nexo . Ela defende que o “ silêncio estratégico ” é fundamental no combate à desinformação.

O momento de falar sobre política

Professor de comunicação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Camilo Aggio falou ao Nexo sobre o comportamento de eleitores que, preocupados com o resultado eleitoral, acabam criando debates políticos o tempo todo.

“Esse sujeito hiper-engajado que fala sempre de política, pode até achar que está fazendo um trabalho de convencimento, de elucidação do outro, quando na verdade ele pode ser apenas um chato que os outros querem evitar”

Camilo Aggio

professor de comunicação da UFMG, ao Nexo

Ele destaca que entender os momentos apropriados para discussões políticas, assim como o fato de que “o distanciamento temporário pode ser necessário para acomodação das diferenças”, é saudável não apenas para as relações interpessoais, mas para a própria democracia.

Para ele, as eleições de 2018 mostraram que a saturação social em relação a discussão política e rupturas de laços gera uma indisposição para lidar com a política em muitas pessoas, que então “acabam se isolando nas próprias convicções”.

“Como mostra o livro ‘ Overdoing Democracy ’ (ou saturando, descaracterizando a democracia), a ideia de que a conversa ininterrupta e a maior participação das pessoas na política necessariamente tornam a democracia mais vigorosa é uma falácia”, afirmou Aggio. “Porque se pode participar politicamente de muitas formas, inclusive com alto grau de engajamento contra a própria democracia”.

Uma sociedade mais preparada

Os entrevistados do Nexo foram unânimes em dizer que, embora se espere que as redes de desinformação continuem atuantes em 2022, inclusive com temas semelhantes aos das eleições de 2018, também é possível contar com uma capacidade de reação muito melhor da sociedade às campanhas de desinformação agora. Os avanços, segundo eles, ocorreram no eleitorado, nos partidos e nas estruturas profissionais de apuração de fatos.

“Estou muito bem impressionada com o avanço do Brasil, com tudo o que aprendemos de uns tempos para cá. Está evidente que há muito mais pessoas antenadas para o problema da existência das notícias falsas do que em 2018”, disse Tardáguila. Como exemplo dessa melhora, ela citou o episódio em que caminhoneiros apoiadores de Bolsonaro, durante a paralisação em setembro de 2021, desconfiaram que um áudio do presidente que circulou em seus celulares podia não ser realmente do mandatário.

Tardáguila destacou também que os serviços de checagem de notícias se popularizaram mais desde as eleições de 2018, e que o número de organizações dedicadas a essa atividade também cresceu.

Camilo Aggio, por sua vez, espera que os partidos e comitês de campanha estejam mais bem preparados para enfrentar as enxurradas de notícias falsas. “[Nas eleições de 2018, houve] a constatação de que não é possível mais fazer política sem lidar com argumentação digital, sem considerá-la como um componente essencial, senão prioritário, para qualquer um que tenha pretensão de alcançar um cargo eletivo”, disse.

Mitozo prevê um maior alcance do jornalismo tradicional também, depois do papel que teve durante a pandemia de covid-19. “Ele ganhou mais credibilidade perante os cidadãos no Brasil ao servir de meio confiável de divulgação de fatos e de combate à desinformação gerada, muitas vezes, por fontes oficiais do governo federal”.

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