Expresso

A depressão aumentou com a pandemia. O que fazer agora 

Mariana Vick

27 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h30)

Pesquisa mostra que diagnósticos cresceram 41% entre 2019 e o primeiro trimestre de 2022. Pesquisadoras disseram ao ‘Nexo’ que crise sanitária agravou problemas que existiam e trouxe novos

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FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS

Senhora e gato de dentro de casa se apoiam e observam para fora da janela. Só é possível ver seus contornos pela sombra

Mulher e gato se apoiam em janela

Os diagnósticos médicos de depressão cresceram 41% no país entre o período pré-pandemia e o primeiro trimestre de 2022, segundo a pesquisa Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), publicada nesta quarta-feira (27) pela organização internacional Vital Strategies e a UFPel (Universidade Federal de Pelotas).

Realizada para avaliar o impacto do coronavírus sobre o quadro de doenças crônicas não transmissíveis, a pesquisa traz mais evidências de uma tendência notada desde o início da pandemia. Segundo avaliação da OMS (Organização Mundial da Saúde) com base em levantamentos internacionais, a prevalência de ansiedade e depressão cresceu 25% no mundo apenas em 2020.

O Nexo explica o que diz a pesquisa da Vigitel e o que justifica o aumento dos diagnósticos de depressão no país. Mostra também como esse quadro pode mudar, com base em entrevistas com pesquisadoras da área de saúde.

O que o estudo mostra

A pesquisa mostra que 13,5% dos brasileiros entrevistados no primeiro trimestre de 2022 haviam recebido diagnóstico médico de depressão. Em 2019, antes da pandemia do coronavírus, declarada em março de 2020, essa proporção era de 9,6%, segundo estudo feito naquele ano.

Em ambos os períodos, as mulheres apresentaram cerca de 2,5 vezes mais depressão do que os homens. A doença também foi mais registrada na região Sul, em comparação com as demais regiões. Enquanto, em 2019, a depressão era mais frequente entre os mais velhos (com 65 anos ou mais), em 2022 todas as faixas etárias tinham prevalência semelhante.

Por região

Prevalência de depressão por região no primeiro trimestre de 2022. Pessoas da região Sul declaram mais ter depressão.

Por faixa etária

Prevalência de depressão por faixa etária no primeiro trimestre de 2022. Proporções são parecidas dentro da margem de erro.

A prevalência de depressão foi semelhante em entrevistados com níveis distintos de escolaridade. Diferenças mais significativas foram vistas entre pessoas de diferentes etnias: brancos foram os que mais declararam ter depressão, em comparação com pretos, pardos e outros.

Por escolaridade

Prevalência de depressão por escolaridade no primeiro trimestre de 2022. Proporções são parecidas dentro da margem de erro.

Por raça/cor

Prevalência de depressão por raça/cor no primeiro trimestre de 2022. Brancos declaram mais ter depressão do que outros.

A pesquisa foi feita com base em entrevistas por telefone com 9.000 pessoas com mais de 18 anos de todas as regiões do país. O coeficiente de confiança é de 95% e a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

O estudo seguiu a mesma metodologia da Vigitel, pesquisa também feita por telefone realizada desde 2006 pelo Ministério da Saúde. A pesquisa monitora a incidência de doenças crônicas no país — não só depressão, mas diabetes, hipertensão, etc. — e de seus fatores de risco, como tabagismo, alimentação não saudável e inatividade física.

A Covitel tem a diferença de também ter analisado como a pandemia de covid-19 pode ter influenciado a prevalência dessas doenças. Segundo o estudo, em geral as condições de saúde da população e a incidência de fatores de risco para doenças crônicas pioraram nesse período.

O que explica isso

Segundo Luciana Sardinha, epidemiologista da Vital Strategies e uma das coordenadoras da pesquisa, mudanças no cotidiano durante a pandemia, marcadas pelo confinamento e incertezas associadas à covid-19 , explicam o aumento dos casos conhecidos de depressão no país.

Com o isolamento, as pessoas mudaram hábitos e, em alguns casos, essas mudanças favoreceram fatores de risco para doenças crônicas, como a depressão. Segundo a pesquisa, o consumo de legumes e verduras caiu 12,5% na população, e a prática de atividade física da maneira como é recomendada pela OMS diminuiu 21,4%.

FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS – 10.SET.2020

Idosa negra usando máscara protetora cruza os braços enquanto olha para prateleiras de arroz no mercado

Idosa em frente a prateleiras de arroz em supermercado no Rio de Janeiro

Apesar da redução do confinamento e da reabertura de uma série de atividades com a vacinação contra a covid-19 — que avançou entre a população adulta no segundo semestre de 2021 —, muitas pessoas não retomaram boas práticas que mantinham no período pré-pandemia, o que explica a alta prevalência de fatores de risco ainda em 2022, de acordo com Sardinha.

Para Leila Salomão, professora no Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora do projeto Apoiar, que oferece atendimento psicológico para a comunidade, a saúde mental da população já estava comprometida , mas “a pandemia abriu a panela de pressão”.

Salomão citou ao Nexo problemas sociais que se agravaram na pandemia e podem ter desencadeado mais sofrimento psíquico. “A violência dentro das famílias, a sobrecarga de mulheres em casa, o desemprego: a pandemia favoreceu tudo isso. Com os novos problemas — o isolamento, o luto —, a depressão e o medo se acentuaram.”

FOTO: AMANDA PEROBELLI – 08.10.2020/REUTERS

Três homens, de máscara, conversam e trocam pastas e papéis. Atrás deles está uma placa escrito VAGAS

Homens entregam currículo para vagas de emprego no centro de São Paulo

O aumento dos casos de depressão é alarmante, mas não surpreendeu as pesquisadoras, pois no senso comum já existia a impressão de que as pessoas estão mais deprimidas ou ansiosas desde o início da pandemia. Sardinha, na verdade, disse ao Nexo que acredita que os números da Covitel estão subnotificados.

“[Na pesquisa] registramos como depressão apenas os casos de pessoas que receberam diagnóstico médico — porque precisávamos de um critério para fazer as entrevistas — mas há pessoas que sequer têm acesso ao diagnóstico ”, disse a epidemiologista ao Nexo .

Para ela, a falta de acesso a serviços de saúde mental explica a maior prevalência de depressão entre os entrevistados brancos — que tendem a ter mais acesso à saúde — e que vivem no Sul e no Sudeste, que são as regiões mais ricas do país. Mulheres também tendem a registrar mais prevalência por procurarem mais cuidar da própria saúde do que homens.

O que fazer para melhorar

Existem duas maneiras pelas quais é possível enfrentar esse cenário, segundo Salomão. Do ponto de vista individual, a professora recomenda que quem está passando por sofrimento psíquico busque tratamento. “É muito importante que as pessoas procurem ajuda e não se sintam sozinhas”, disse.

Salomão cita projetos que buscam levar atendimento psicológico a preços populares, presentes em várias universidades pelo país. No Apoiar, que segundo ela tem mais de 300 psicólogos em atividade, mais de 4.000 pessoas foram atendidas desde o início da pandemia, em 2020.

Apesar disso, Salomão reconhece que iniciativas individuais não bastam para um problema já generalizado como o da depressão. Para ela, o governo deve investir em políticas públicas na área de saúde mental e aumentar o número de profissionais de psicologia e psiquiatria nas unidades de saúde.

FOTO: AGUSTIN MARCARIAN/REUTERS – 07.04.2020

Uma mulher está sentada à mesa. Ela olha para a tela de um notebook. Sobre a mesa há também papéis e uma luminária.

Psicóloga faz atendimento por chamada de vídeo em Buenos Aires, na Argentina

“Não adianta psicopatologizar [as pessoas com depressão]. Políticas sociais são importantes. Falta de comida, de condições dignas de trabalho — tudo isso leva a um sofrimento psicológico muito intenso”, acrescentou. “Atendemos [as pessoas] como podemos, mas é preciso investimento.”

Sardinha afirmou que também são necessárias medidas de promoção de saúde pública. Para incentivar que as pessoas tenham mais qualidade de vida — o que traz benefícios para a saúde mental —, por exemplo, é preciso investir em políticas não só de saúde, mas de outras áreas.

“Não adianta falar que uma pessoa precisa caminhar mais e fazer atividade física se em frente à casa dela a calçada tem buraco, se não tem iluminação na rua, se não tem segurança”, disse a epidemiologista ao Nexo . “A pessoa precisa de condições mínimas para fazer isso.”

Para ela, profissionais das unidades de saúde — não só os de saúde mental — precisam também estar mais bem preparados para notar possíveis sintomas dos pacientes. “Existe ainda muito preconceito com a saúde mental — como se fosse algo que não precisasse ser tratado.”

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