A implosão gradual da ‘terceira via’. E o que resta agora
Isadora Rupp
17 de maio de 2022(atualizado 28/12/2023 às 23h33)PSDB pressiona Doria a desistir de disputar a Presidência. Grupo de aliados adia anúncio de nome único. Entenda por que o plano de romper o favoritismo de Lula e Bolsonaro enfrenta tantos problemas
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João Doria em evento no Palácio dos Bandeirantes no qual oficializou sua saída do governo paulista para disputar a Presidência
PSDB, MDB e Cidadania, partidos que atualmente compõem a chamada “terceira via”, adiaram o anúncio de um nome único para concorrer à Presidência da República, algo que estava previsto para esta quarta-feira (18). O clima no grupo é de disputa para definir quem vai ser o candidato e quem vai ser o vice.
A ideia de reunir uma frente de vários partidos dispostos a construir uma candidatura capaz de fazer frente ao presidente Jair Bolsonaro (PL), postulante à reeleição, e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas na corrida ao Planalto, continua sem avançar, a menos de cinco meses de os brasileiros irem às urnas em 2 de outubro.
O grupo em torno da ideia minguou aos poucos. Das figuras que faziam encontros de bastidores a debates públicos em 2020 e 2021, como Luciano Huck, apresentador de TV, Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, Alessandro Vieira, senador, e Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça, pouca gente sobrou em 2022.
Os motivos são vários, mas há um principal: nenhum nome emplacou. Os pré-candidatos da chamada “terceira via” que restaram – Simone Tebet (MDB) e João Doria (PSDB) – não alcançam 5% das intenções de voto mesmo se somarem seus desempenhos. Terceiro colocado nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) ainda não chega a dois dígitos.
Neste texto, o Nexo explica a dinâmica eleitoral nacional no pós-redemocratização, resgata as discussões para a criação de uma candidatura alternativa e mostra o que deu errado nos planos da chamada “terceira via”, a partir de análises de cientistas políticos.
Desde que os brasileiros voltaram a escolher presidente da República por voto direto, há uma constante no quadro nacional: o PT de Lula sempre ocupa um lugar de protagonismo, representando um campo mais alinhado à esquerda, seja com o próprio líder petista, seja com nomes apoiados por ele, como Dilma Rousseff e Fernando Haddad.
No outro campo, mais alinhado à direita, há um revezamento: em 1989 quem ocupou esse lugar foi Fernando Collor, com seu PRN; de 1994 a 2014 foram os tucanos, que venceram duas vezes no primeiro turno com Fernando Henrique Cardoso e depois sofreram derrotas seguidas para o PT. Em 2018, Jair Bolsonaro, então no PSL, ocupou esse lugar, puxando os eleitores para a extrema direita.
Apoiador beija boneco de Jair Bolsonaro em protesto no Rio de Janeiro
Em 2022, depois que Lula viu o Supremo anular suas condenações na Lava Jato e devolver seus direitos políticos, uma das peças centrais da disputa estava colocada na mesa: o ex-presidente ocuparia um lugar de destaque na corrida ao Planalto.
Entre os anos de 2020 e 2021, quando a pandemia de covid-19 atingiu o mundo e o Brasil viveu o com negacionismo e má gestão do governo, a rejeição ao presidente, candidato natural à reeleição, chegou a patamares recordes . Ali se abria uma oportunidade para o surgimento de um nome alternativo.
Além de Luciano Huck, que desde 2018 ensaia entrar para a corrida presidencial, ex-integrantes do governo Bolsonaro começaram a surgir para tentar derrotar o próprio presidente.
Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde que deixou o governo por causa do negacionismo presidencial na pandemia, apresentou-se como alternativa. Sergio Moro, ministro da Justiça que deixou o governo acusando Bolsonaro de tentar influenciar politicamente a Polícia Federal, também começou a se movimentar.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista em Brasíla, antes de deixar o cargo, em 2020
Eduardo Leite, governador gaúcho pelo PSDB, era outro que se colocava como opção, assim como seu colega de partido João Doria, então governador paulista. Esses nomes, incluindo também Ciro Gomes, debatiam propostas para a saída da crise econômica e de saúde pública. A ideia de “terceira via” ganhou a imprensa.
Huck, que ensaiou uma dobradinha com Moro , desistiu da eleição para substituir Fausto Silva nos domingos da TV Globo. Ele nem chegou a se associar a um partido. Mandetta desistiu por falta de apoio, incluindo a falta de suporte de seu próprio partido, o União Brasil. Vieira, do Cidadania, também abriu mão de concorrer.
Em novembro de 2021, Doria disputou uma prévia com Leite e ganhou na votação entre os tucanos. Oficialmente seria o nome do PSDB na corrida presidencial. Mas o então governador gaúcho, apoiado por setores do partido, não desistiu da empreitada presidencial.
Bolsonaro recuperou popularidade no início de 2022, com a volta do pagamento do Auxílio Brasil, entre outros motivos. Um deles, apontado por cientistas políticos, era a ausência de um nome competitivo da “terceira via”.
Até a rejeição à atuaçãopresidencial na pandemia ficou menor, com a redução das mortes por causa do avanço da vacinação. Bolsonaro conseguiu se consolidar na segunda colocação das pesquisas de intenção de voto, variando entre 20% e 25%.
Filiado ao Podemos em novembro de 2021, Moro não durou muito como pré-candidato à Presidência. Nas pesquisas, ele empatava na terceira posição com Ciro, mas avançava menos que esperavam os entusiastas de sua pré-campanha.
Sergio Moro em cerimônia no Podemos, na filiação do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, no dia 25 de novembro de 2021
Em março de 2022, o ex-juiz mudou de partido, filiando-se ao União Brasil, e de domicílio eleitoral, transferindo-se de Curitiba para São Paulo. O ex-juiz não achou espaço nem apoio partidário para continuar na corrida.
Ciro se manteve distante das confusões da “terceira via”. Mais recentemente, deu sinais de que estava aberto a compor, mas sem abrir mão de ser ele o cabeça de chapa numa aliança. Em 12 de maio, elogiou Simone Tebet. “ Ela é diferente, não é viúva do bolsonarismo ”, disse o pré-candidato do PDT, referindo-se ao fato de Doria, Leite e outros nomes da chamada “terceira via” já terem apoiado Bolsonaro.
O mês de março, além de ter sido marcado pelo ocaso das intenções presidenciais de Moro, também expôs as divisões dentro do PSDB. O partido que já governou o Brasil por dois mandatos com FHC se mostrou rachado. Um grupo tentou emplacar Leite novamente, mesmo após a derrota do gaúcho para Doria nas prévias.
O paulista chamou o momento de “golpe”, chegou a anunciar que desistiria de c oncorrer ao Planalto para ficar no governo paulista – algo que implodiria os planos tucanos para a eleição de Rodrigo Garcia no maior colégio eleitoral do Brasil. Doria conseguiu no fim se manter como pré-candidato, mas logo surgiram novos problemas.
O União Brasil, que surgiu da fusão do PSL, antigo partido de Bolsonaro, com o DEM, deixou a “terceira via” no começo de maio de 2022. Os dirigentes não veem vantagem em embarcar numa candidatura presidencial que pode complicar acordos regionais, para eleição de governadores, senadores e deputados.
Já Doria enfrenta resistência no que sobrou da “terceira via”: PSDB, MDB e Cidadania. Ele tem cerca de 3% das intenções de voto, contra 1% de Simone Tebet. Mas o tucano tem uma rejeição maior do que a emedebista, motivo que gera resistência a ele dentro do próprio PSDB.
A senadora Simone Tebet (MDB), no Senado Federal em Brasília
Para os tucanos, a permanência de Doria na disputa põe em risco o futuro do partido , que já em 2018 obteve seu pior desempenho nacional com Geraldo Alckmin, político que deixou o PSDB e hoje é vice de Lula pelo PSB. A lógica de quem resiste ao ex-governador é que uma candidatura fraca à Presidência pode arruinar os planos tucanos nos estados, em disputas para governador, senador e deputado.
O grupo da chamada “terceira via” chegou a anunciar que escolheria um nome único para disputar o Planalto, com anúncio nesta quarta-feira (18). Mas as disputas internas impediram um acordo e a ideia foi adiada. As convenções partidárias, que definem oficialmente quem vai ser candidato a quê, ocorrem entre 20 de julho e 5 de agosto. A decisão poderá ser tomada até lá.
A falta de definição e de trabalho em cima de um nome único é um dos aspectos que mais pesam para a falta de competitividade da “terceira via”, segundo os cientistas políticos ouvidos pelo Nexo . O discurso dos pré-candidatos que tentam igualar Bolsonaro e Lula como figuras “radicais” tampouco ajudou.
“O eleitor sabe que não existem dois extremos. Lula governou por oito anos e nunca foi extremado, sempre foi conhecido pela mediação. Algo que pessoas mais à esquerda criticam ”, afirmou Marcia Ribeiro Dias, professora e pesquisadora da Escola de Ciência Política da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
Lula em evento dos 100 anos do PCdoB, no Rio de Janeiro
Segundo Dias, uma “terceira via”, apesar de se autointitular como um “centro democrático”, está mais inclinada à direita. “É um espaço clássico na política, que está vago. Se Bolsonaro se enfraquecesse, a centro-direita poderia disputar [de forma competitiva]. Mas isso não aconteceu, e boa parte [dos eleitores conservadores] voltou para Bolsonaro. E nas eleições podem migrar também para a abstenção”.
Ciro, um pré-candidato mais alinhado à esquerda, também escolheu o mesmo caminho de discurso. “Ciro bateu muito em Lula, mas não agregou eleitorado. Em vez de convencer os indecisos, entrou numa disputa que não gerou ganhos”, disse ao Nexo Joscimar Silva, professor de ciência política na UFPI (Universidade Federal do Piauí) e diretor-financeiro da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais).
Ausência de uma ruptura planejada em relação ao bolsonarismo, que fosse capaz de causar fissura na base ideológica do presidente, é apontada como outro erro da “terceira via” pelo cientista político Cláudio André de Souza, professor de ciência política na Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira). “Apostaram no antipetismo e não perceberam que o bolsonarismo é um fenômeno mais amplo”, disse ao Nexo .
A construção atrasada para formação de palanques estaduais é um outro equívoco do PSDB e do MDB, na análise de Souza. “O DEM e o PSL pensaram neles mesmos e nas bancadas estadual e federal na formação do União Brasil, e não na de um presidenciável.”Não trabalhar com os indecisos e com a rejeição de Lula e Bolsonaro é outra estratégia equivocada, de acordo com Silva.
Uma eleição protagonizada por Lula e Bolsonaro, dois líderes populares que foram testados pelo eleitor enquanto governo, é mais um aspecto único na eleição de 2022. Algo que não foi visto em disputas desde a redemocratização do país. E isso dificulta o êxito da terceira via, afirma Dias.
Os cientistas políticos ouvidos pelo Nexo dizem ver pouco espaço para o crescimento de uma candidatura competitiva que não sejam as de Lula e Bolsonaro. “São líderes que conseguem despertar paixões no eleitorado por motivos completamente distintos. As eleições de 1989 [Fernando Collor de Mello e Lula disputaram o 2° turno] foram muito apaixonadas, mas a de 2022 é única. Difícil alguém que faça frente a Lula e a Bolsonaro ”, afirma Dias, da Unirio.
À “terceira via” resta lançar um candidato para tentar furar esse bloqueio, mesmo que seja difícil. Ou então deixar os candidatos regionais livres para aderir aos favoritos na disputa presidencial. Em 2018, boa parte dos tucanos foi de Bolsonaro. Já setores do MDB, especialmente no Nordeste, têm ligação com Lula.
Ciro, por sua vez, continua seguindo numa raia bastante congestionada, por causa da liderança de Lula na esquerda. Daí suas tentativas de obter votos mais à direita atacando o petista. As chances, porém, são poucas. Segundo a professora e pesquisadora da Escola de Ciência Política da Unirio, “não há nenhuma candidatura minimamente expressiva, uma novidade surgida de uma história de engajamento político”.
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