Até quando Lula mantém o ‘cheque em branco’ na economia
Marcelo Roubicek
05 de junho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)A quatro meses das eleições, ex-presidente desconversa ao ser cobrado por planos para enfrentar a crise. Analistas dizem que petista tem pouco a ganhar com uma revelação do programa
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Luiz Inácio Lula da Silva discursa em evento na Cidade do México, no México
A quatro meses da eleição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não divulgou um plano para a economia caso vença o pleito de outubro. Ele lidera as pesquisas de intenção de voto com ampla margem, à frente do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição.
O Brasil vive um momento de inflação alta , juros elevados e aumento da fome e da miséria. O desemprego está em queda gradual e a atividade econômica se recupera – embora as vagas de trabalho geradas sejam de baixa renda e qualidade e a retomada do PIB seja pouco sustentável .
Lula critica a gestão econômica de Bolsonaro, mas não apresenta propostas claras para atacar os problemas. Diz apenas que já governou o Brasil (2003-2010) portanto as pessoas sabem de seu potencial. Neste texto, o Nexo ouve especialistas para entender essa estratégia.
Em pré-campanha – os votos só podem ser pedidos oficialmente a partir de 16 de agosto –, Lula não tem se manifestado publicamente sobre os detalhes do plano para a economia. Ele não definiu , por exemplo, um nome para liderar a equipe responsável por seu programa na área.
Na terça-feira (31), o petista disse à rádio Bandeirantes, de Porto Alegre, que não fez essa indicação porque tem “90 economistas participando do grupo de trabalho”. “Tem gente do mercado”, afirmou. “Eu não vou queimar um ou outro economista”, completou o ex-presidente.
Lula tampouco tem participado de eventos públicos com agentes do mercado financeiro – ora enviando representantes para falar em seu nome, ora recusando convites.
Ao jornal O Estado de S. Paulo o governador do Piauí, Wellington Dias (PT) – um dos nomes fortes da campanha petista – disse que a decisão estratégica, por ora, é de ter conversas com empresários e agentes do mercado fora dos holofotes.
“O mercado precisa conversar com o candidato a presidente. E na hora que eu tiver interesse vou conversar com o mercado ”
De acordo com o Estadão, Lula já se reuniu a portas fechadas com empresários como Cláudio Ermírio de Moraes, executivo da Votorantim; Luiz Carlos Trabuco, presidente do conselho do Bradesco; e Guilherme Benchimol, dono da XP Investimentos.
Em discursos e declarações à imprensa, Lula já sinalizou que vai rever (ou revogar) a reforma trabalhista de 2017, acabar com o teto de gastos e fortalecer o papel do Estado na economia, sem entrar em detalhes.
Ao mesmo tempo que esconde o jogo sobre o plano econômico para 2022, Lula frequentemente relembra o desempenho da economia em seus mandatos entre 2003 e 2010.
Lula era visto com desconfiança por agentes do mercado. Investidores brasileiros e estrangeiros temiam que a política de um presidente alinhado à esquerda comprometesse a estabilidade econômica alcançada após o Plano Real .
O momento foi de especulação e volatilidade. Em junho de 2002, ainda durante a campanha da qual saiu vitorioso, Lula publicou a “ Carta ao Povo Brasileiro ”, comprometendo-se a manter as bases econômicas do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Lula, em 2003, no primeiro ano de mandato
Já no poder, Lula adotou políticas econômicas ortodoxas, como aumento de juros e redução da dívida pública . O país também se aproveitou do boom de commodities , aumentando as exportações.
No primeiro mandato, o país registrou bons números de crescimento do PIB, inflação baixa e pobreza em queda, refletindo o avanço de políticas sociais, especialmente a partir do programa Bolsa Família e da expansão do valor do salário mínimo .
Em 2006, ano em que buscou a reeleição, Lula trocou o ministro da Fazenda. Saiu Antonio Palocci – nome associado à gestão mais ortodoxa sob Lula – e entrou Guido Mantega .
No segundo mandato, de forma geral, o crescimento econômico foi mantido, mas sob uma gestão menos austera e com maior participação do Estado na economia.
Nesse período houve a descoberta do pré-sal , grandes reservas de petróleo no fundo do mar. Alguns economistas criticam a política econômica adotada por Lula no segundo mandato , considerada por eles excessivamente intervencionista.
Houve expansão dos investimentos públicos , ampliação do papel do BNDES e aumento dos gastos sociais .
O país também atravessou a crise mundial de 2008 . Para lidar com a grande recessão global, o governo de Lula apostou em incentivar a economia, com medidas como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para automóveis e estímulo ao consumo das famílias . O país teve uma leve retração do PIB em 2009 , mas cresceu 7,5% em 2010.
Lula conversa com sua candidata durante campanha
Ao deixar o governo, Lula conseguiu emplacar sua sucessora, Dilma Rousseff. O primeiro mandato de Dilma Rousseff foi marcado pela desaceleração do crescimento econômico brasileiro após o ritmo forte de alta registrado na década de 2000.
Dilma adotou o que sua equipe veio a chamar de “nova matriz econômica”. Ela baixou a taxa básica de juros, interveio no setor elétrico para reduzir as contas de luz da população e expandiu de forma massiva os incentivos fiscais ao empresariado.
Em 2014, quando Dilma disputou a reeleição, o Brasil entrou em recessão . O ciclo de commodities que havia ajudado a impulsionar a economia brasileira entre o início da década de 2000 e o início da década de 2010 havia perdido força.
Parte dos economistas diz que a Operação Lava Jato , que investigou escândalos de corrupção na gestão pública e em estatais brasileiras, afetou a atividade econômica ao atingir a construção civil e a indústria.
Além disso, as contas públicas estavam em deterioração – algo atribuído por boa parte dos economistas a erros de política econômica de Dilma.
A presidente também represou preços de energia elétrica e combustíveis no ano em que tentava a reeleição. Em 2015, ela liberou reajustes de combustíveis e da energia elétrica, o que levou a uma aceleração da inflação para 10,67% no ano – maior número em 13 anos.
Na virada de 2014 para 2015, Dilma trocou o ministro da Fazenda: saiu Guido Mantega, que ocupara a pasta desde 2006, e entrou Joaquim Levy , defensor de uma política mais austera. No ano de estreia do segundo mandato de Dilma, Levy tentou, sem sucesso, emplacar um ajuste fiscal. Ao mesmo tempo que via a crise econômica se aprofundar e a situação fiscal piorar, Dilma perdeu apoio político no Congresso. A resistência de agentes do mercado financeiro ajudou a elevar a percepção de baixa credibilidade da política econômica. Ela sofreu impeachment em 2016 acusada de manobras fiscais, sendo sucedida pelo vice Michel Temer.
Em 2022, na pré-campanha à Presidência, o PT exalta o legado do governo Lula e fala pouco do governo Dilma . Lula nega uma tentativa de “esconder” a ex-presidente .
O Nexo conversou com analistas para entender a estratégia de Lula ao não aprofundar publicamente suas propostas para a economia.
Adriano Laureno Teoricamente, o ideal era que o voto num candidato fosse baseado em um programa pré-estabelecido. Mas o que Bolsonaro mostrou em 2018, no fundo, é que isso não é necessário e, do ponto de vista pragmático, talvez também não ajude a ganhar uma eleição. No caso de Lula na economia, acho que vale muito mais se fazer valer dessa avaliação positiva sobre a economia que a população faz do governo antigo dele. Dado que ele já tem uma aprovação sobre a política econômica que fez no passado, não tem muito por quê ele se comprometer com um programa específico que vai ser alvo de críticas – seja da base da esquerda, caso fizesse um programa mais ortodoxo, seja do mercado, caso ele fizesse um programa mais voltado para a base dele.
Lula, na campanha eleitoral, vai tentar se associar ao próprio governo dele, mostrando os dados econômicos da época em que ele era presidente. Enquanto que Bolsonaro com certeza vai associar o período do PT de uma forma ampla com a crise econômica na qual acabou o governo Dilma. Vai haver essa disputa de narrativas. Pelo menos por enquanto, a estratégia [de Lula] tem dado certo. Mas é claro que a campanha eleitoral é um outro contexto, e ainda não sabemos qual vai ser o resultado.
Além disso, acho que Lula está tentando criar um discurso de frente ampla, e acho que isso ajuda a explicar por que ele não está apresentando esse programa de governo. Inclusive, era a principal justificativa que o Lula vinha apresentando sobre isso: a campanha para presidente não é uma campanha só do PT, só do Lula. É uma campanha que quer ter uma ampliação dessa gama de influências, com membros de diferentes partidos. Era até difícil para Lula apresentar um plano de governo da candidatura se a aliança só está ficando pronta agora.
Pelo menos até agora, ele conseguiu usar essa desculpa, que é boa para manter essa base organizada em torno dele. Porque se Lula não fechou ainda uma estrutura de um plano de governo amplo, significa que todos esses partidos que estão em volta dele ainda têm a possibilidade de influenciar o governo, o programa e as propostas. Ao não dar um plano de governo pronto, Lula evita se desgastar com essa base, que ainda tem expectativa de conseguir influenciar o próprio plano de governo.
Daniela Campello Não sei se eu diria “escondendo”. Também não sei o quão claro esse plano se encontra – principalmente por conta da presença de Alckmin e de visões distintas dentro do PT. É possível que ele esteja sendo feito ainda.
Do ponto de vista de estratégia eleitoral, não vejo Lula ganhando muito com a revelação de detalhes do plano, por duas razões. A primeira é que, no momento de crise econômica em que o Brasil se encontra hoje, a lembrança dos bons tempos do governo dele é, em si, um excelente cartão de visitas para o eleitor. Para Lula, faz muito sentido falar: “eu governei e vocês viram como funcionou”. Falar mais dos resultados do que falar exatamente do que fez. Para o eleitor de uma maneira geral não importa a estratégia. O eleitor não acompanha as políticas, ele observa o resultado. Trazer à memória do eleitor os resultados dos bons tempos dos governos 1 e 2 de Lula é uma estratégia vencedora, nesse sentido.
A discussão de agenda entraria muito mais numa discussão sobre o que foi a agenda do governo Lula, o que foi a agenda do governo Dilma, e o que seria a agenda do PT hoje – se uma agenda mais próxima de um ou de outro. É exatamente a discussão que Lula está tentando evitar. O que ele vai trazer são os bons tempos sob ele, Lula da Silva, e esses bons tempos são incontestáveis, estão na memória mesmo de quem não vota no Lula hoje. Esse é um aspecto tão forte e tão favorável a ele num cenário de crise econômica, que imagino que o foco seja fazer alusão a esses bons tempos, sem muito mais detalhes. Naturalmente, a oposição vai tentar trazer alguma coisa do governo Dilma. Vai existir essa pressão da oposição, mas Lula vai bater reiteradamente nos bons resultados que foram obtidos na sua administração.
Do outro lado, se a eleição estivesse se configurando numa disputa de agendas e numa discussão de políticas como um todo, haveria uma pressão para o PT se posicionar com relação ao que vai fazer ou não com o cenário atual. Mas como o outro lado absolutamente não vai se manifestar a respeito disso (é o caso de Bolsonaro), acho que se o PT colocar na agenda as discussões sobre política [econômica], o debate – seja crítica ou elogio – vai ser totalmente em torno da agenda do PT, e não da outra agenda em comparação. Ele vai se abrir a certas críticas de quem já está criticando neste momento. Então, estrategicamente, não vejo por que isso seria um benefício para o PT.
Adriano Laureno No momento, Lula está numa posição em que ele é a pessoa ativa nessa comunicação. A população ouve basicamente o que ele quer falar, os temas sobre os quais ele quer discursar. Em algum momento, ele vai ter que ser um pouco mais reativo, quando ele começar a ser questionado sobre esses assuntos em debates, em perguntas mais diretas feitas por jornalistas. Ele vai ter um desafio quando a campanha chegar a esse ponto.
Na população de uma forma mais ampla, o que ressoa mais não é o programa de governo, não são os detalhes específicos como quem vai ser o ministro da Economia, quem vai ser o presidente do Banco Central, ou qual vai ser a estratégia para combater a inflação. O que ressoa mais na população são: a personalidade do presidente; o histórico do presidente; e pautas específicas. E nesse ponto das pautas específicas, Lula já tem trazido a pauta da reforma trabalhista, a pauta da transferência de renda, da democracia… Já tem pelo menos três ou quatro pautas de impacto para apresentar para a população. Essas pautas acabam sendo mais importantes para a parte mais ampla da população, do que ter um plano estruturado.
No mercado, neste momento, há uma ideia relativamente consolidada de que o Lula seria relativamente moderado na economia. Não necessariamente é uma visão adorada – obviamente esse segmento preferiria uma pauta liberal mais explícita. Há uma certa divisão sobre apoiar Lula, mas a visão sobre Lula não é tão negativa quanto já foi. Então Lula não tem uma necessidade urgente de dar respostas, nem para um lado, nem para o outro. Do ponto de vista pragmático, talvez a melhor estratégia seja mesmo não ter um programa de governo tão específico, tão claro, ou com uma pauta tão propositiva neste momento. Isso gera incerteza, mas do ponto de vista de Lula, talvez seja melhor gerar uma incerteza do que gerar uma certeza de uma posição que não vai agradar o mercado.
Por outro lado, é um pouco difícil exigir um programa de governo de Lula quando nem Bolsonaro e nem mesmo a terceira via têm um plano de governo. O único candidato neste momento que eu diria que tem um plano de governo claro e especificado é Ciro Gomes. E até por isso que ele [Ciro] consegue uma parte de um eleitorado fiel, porque é fiel ao próprio programa de governo do Ciro. Então Lula está numa posição relativamente confortável. Porque não é como se do outro lado tivesse um plano de governo muito bem estruturado e só tivesse faltando o lado dele.
Daniela Campello Acho que essa é uma discussão das elites, dos analistas, dos economistas, de cientistas políticos, mas não é uma discussão do eleitor mediano. O eleitor médio, para começar, está votando no desempenho que está observando deste governo [atual, de Bolsonaro]. A eleição é um referendo ao desempenho do governo que está ali. E se o eleitor fizer uma comparação mais sofisticada entre o que está vivendo hoje, com Bolsonaro, e o que viveu no período de Lula, isso é mais que suficiente. A agenda econômica do Lula definitivamente não é um tema para o eleitor mediano. É uma discussão de elites e de analistas, mas não do eleitor mediano.
Quanto ao mercado, acho que talvez tenha havido um aprendizado no PT – e isso é uma inferência minha, não ouvi isso de ninguém – sobre o tamanho da pressão que os agentes de mercado realmente realizam sobre as agendas econômicas. Porque os agentes de mercado hoje ainda apoiam, em sua maioria, o governo Bolsonaro, que é esse governo completamente errático, com uma agenda econômica incoerente e inconsistente, e que delegou grande parte do orçamento público para um orçamento secreto. Qual é a pressão que o mercado de fato exerceu no Bolsonaro durante esse período? Acho que muito pouca. Talvez o PT tenha aprendido que talvez não precisa dar tanta satisfação para o mercado assim. É uma conclusão minha, não ouvi isso de ninguém do PT.
Acho que a pressão do mercado e dos agentes econômicos continua [ao longo da campanha] sobre o PT para revelar [o programa econômico]. Mas acho que essa pressão é incrivelmente desigual. Onde é que está se perguntando o que o governo Bolsonaro vai fazer com a bomba que ele vai deixar? Essa pergunta é só para o PT? Acho que enquanto a pergunta for feita só para o PT e as revelações forem esperadas só do PT, o PT não tem absolutamente nenhum incentivo para fazer esse jogo. E o eleitor mediano não está preocupado com isso. Está preocupado se a vida dele vai voltar a ser minimamente melhor, como já foi em algum momento sob a administração do PT.
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