Expresso

Como Anitta opera o apoio a Lula longe da lógica partidária

Cesar Gaglioni

18 de julho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h36)

Cantora reitera voto no ex-presidente, mas dá ‘chega para lá’ no PT. Episódio desperta críticas e elogios. Entenda como a artista conduz suas intervenções e que resultado elas podem produzir

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FOTO: STEVE MARCUS/REUTERS – 15.05.2022

Cantora brasileira Anitta no tapete vermelho do Billboard Music Awards 2022

Cantora brasileira Anitta no tapete vermelho do Billboard Music Awards 2022

Anitta, a maior cantora pop brasileira da atualidade, vai votar em Lula . Ela, no entanto, não quer que o PT use sua imagem para catapultar outras candidaturas nas eleições de outubro de 2022, quando os brasileiros vão escolher governador, senador e deputados, além do presidente.

“Atenção candidatos do PT, atenção partido PT. Eu NÃO SOU uma apoiadora do PT e NÃO SOU petista. Não autorizo o uso da minha imagem para promover este partido e seus candidatos”

Anitta

cantora, em 16 de julho, no Twitter

O trecho acima é apenas a primeira parte de uma série de mensagens publicadas pela cantora no sábado (16). O presidente Jair Bolsonaro, pré-candidato à reeleição, retuitou com símbolos de aplauso apenas essa mensagem.

Parte dos apoiadores do PT reclamou, dizendo que não adianta eleger um presidente sem apoio no Congresso. O ex-presidente Lula, por sua vez, interagiu com ela, e ambos concluíram uma conversa de forma simpática . O fato é que Anitta, mais uma vez, protagonizou um episódio político.

Neste texto, o Nexo explica a lógica usada por Anitta em seu apoio a Lula sem, porém, chancelar outras candidaturas petistas e mostra o debate que essa posição levantou.

Anitta, as redes e a política

Uma das artistas mais bem-sucedidas do pop mundial aos 29 anos, Larissa de Macedo Machado, a Anitta, mudou o rumo de sua carreira em 2013, após estourar com a música “Show das Poderosas”: já a partir do ano seguinte, virou gestora de sua própria carreira e administradora dos negócios, o que lhe permitiu diversas guinadas, como ampliar o seu repertório além do funk e iniciar uma caminhada no mercado internacional, com o lançamento de músicas em espanhol e inglês e parcerias com nomes como o rapper Snoop Dog.

As redes sociais são um ambiente caro para Anitta, artista musical mais popular na internet brasileira: são 61 milhões de seguidores no Instagram e quase 18 milhões no Twitter. Seu conhecimento em marketing e estratégias digitais, aliás, a levou a ser conselheira de administração do Nubank .

As lições da cantora sobre redes costumam ser valiosas: além de marcar presença para que o seu nome seja sempre lembrado e citado – seja para o bem ou para o mal, pois o algoritmo assimila apenas o volume –, Anitta adota muito bem o storytelling para criar conexões emocionais e contar a sua história. Além de fidelizar o público ao saber onde ele está e o que precisa fazer para conquistá-lo.

Anitta passou a trocar farpas com Bolsonaro em suas redes ao longo do mandato e é alvo constante de bolsonaristas: levantamento do jornal O Globo em parceria com a consultoria Bites feito em abril mostrou que de um grupo de 3.500 perfis de bolsonaristas influentes, quase a metade (1.678) atacou a artista .

Anitta foi uma das artistas que fizeram campanha para jovens de 16 e 17 anos tirarem o título de eleitor para o pleito de 2022. O movimento deu certo, com o maior número de pedidos registrados desde as eleições de 2010.

À oposição de Bolsonaro, Anitta sugeriu que um slogan melhor que “Fora Bolsonaro” seria “Muda Brasil” , uma tentativa de dialogar com uma base maior de cidadãos.

Com Lula, mas sem o PT

Nas eleições de 2018, Anitta não se posicionou sobre o pleito. Em 2022, além da campanha para que os jovens tirassem o título de eleitor e das dicas sobre como tratar Bolsonaro nas redes, a cantora declarou voto em Lula.

A declaração ocorreu no dia 11 de julho, após o assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT, por um policial penal federal em Foz do Iguaçu, no Paraná.

“Não sou petista e nunca fui. Mas este ano estou com Lula e quem quiser minha ajuda pra fazer ele bombar aqui na Internet, tik tok, Twitter, instagram é só me pedir que estando ao meu alcance e não sendo contra lei eleitoral eu farei”, disse na ocasião. Posteriormente, ela publicou uma montagem em que aparecia com o logotipo do PT estampada em suas nádegas.

No Twitter, Anitta explicou por que apoia o petista, mas não quer ter nenhum vínculo formal com a legenda. Além da mensagem reproduzida e aplaudida por Bolsonaro, outras foram escritas, como esta:

“Minha escolha nessas eleições foi trazer engajamento e mídia para a pessoa que tem maior chances de vencer o ‘Voldemort’. Depois de muitas pesquisas a conclusão é de que essa pessoa é o Lula. E o que vou fazer daqui em diante é usar minhas plataformas no que eu puder ajudar para trazer mais visibilidade a ele com o propósito de não termos novamente ‘Voldemort’ na presidência.”

FOTO: @RICHFURY, @KEVINMAZUR, KEVIN WINTER /@GETTYENTERTAINMENT

A cantora Anitta se apresenta em palco no festival Coachella 2022. Ela usa uma roupa verde e amarela, óculos escuros com armação amarela e correntes prateadas. Ao fundo, dançarina vestida de azul dança junto com a cantora

A cantora Anitta no festival Coachella 2022

Voldemort, apelido usado para designar Bolsonaro, é o grande vilão da série de livros “Harry Potter”, de JK Rowling. Ela seguiu:

“Meus ideais políticos e as coisas que eu acredito ficaram para as próximas eleições. Este ano meu foco é fazer minha parte para não dar brecha a esse possível pesadelo de reeleição. NÃO USEM MEU NOME e minha imagem para promover a candidatura e o partido de vocês porque quem usar vai tomar logo um forão.”

Em interação com Lula, Anitta disse que o petista é o equivalente a Alvo Dumbledore, outro personagem de “Harry Potter”, articulador da derrota de Voldemort.

Anitta se reuniu com Lula e deu a ele sugestões de como tocar sua campanha digital. “Conversei com o Lula inclusive antes [de anunciar o apoio]. Falei: ‘Olha, Lula, eu nunca fui petista, nunca votei em você. Porém, nessas eleições, estarei ao seu lado, apoiando, se quiser apoio em mídias sociais, que eu entendo bastante, TikTok, essas coisas, vou apoiar. Expliquei para ele a estratégia de marketing que eu acredito que funcione para virar”, disse a cantora à TV portuguesa na segunda-feira (18).

Desconexão partidária

O posicionamento da cantora em apoiar Lula, mas se afastar do PT, é fruto de sua personalidade e trajetória, mas também se encaixa no comportamento geracional dos millennials e da geração Z, públicos com quem Anitta dialoga.

As eleições de 2022 contam com o maior número de jovens (de 16 a 30 anos) aptos a votar desde o pleito de 2010.

37,4 milhões

é o número de jovens de 16 a 30 anos aptos a votar nas eleições 2022, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral

Ao mesmo tempo, as filiações partidárias dessas faixas etárias estão em queda. Menos de 2 milhões de pessoas com essas idades estão filiadas formalmente a partidos políticos, um número menor do que nas eleições de 2010, 2014 e 2018.

Pesquisa conduzida pelas cientistas políticas Esther Solano e Camila Rocha, lançada em janeiro pela Fundação Luminate, mostrou que os jovens, apesar de estarem mais motivados a votar em 2022, têm pouco interesse na política institucional e na lógica partidária , vendo o voto apenas como um dever burocrático.

“Para eles [os jovens], a ordem institucional está eminentemente capturada por elites que pouco se importam com a população e dominada por uma lógica e personagens envelhecidos que excluem os jovens do diálogo. No centro desta crítica, o partido político, visto como excessivamente burocratizado, afastado da juventude e imerso na lógica do poder”, escreveram as autoras no Nexo Políticas Públicas em abril.

Essa percepção não é exclusiva do Brasil. Nos Estados Unidos, 73% dos jovens de 16 a 30 anos dizem que têm pouca confiança em partidos e instituições, de acordo com dados do centro de pesquisas Pew Research Center divulgados em 2020.

FOTO: REPRODUÇÃO /INSTAGRAM COACHELLA

A cantora Anitta, de costas e com uma roupa justa nas cores verde, preta, amarela e rosa, canta em palco do festival Coachella 2022

Anitta durante apresentação no Coachella 2022

Leituras sobre Anitta

Comentarista do jornal O Estado de S. Paulo, Felipe Moura Brasil, alinhado à direita, disse que é impossível apoiar Lula sem apoiar o PT . “Lula é o PT, Anitta”, escreveu na segunda-feira (18). “Em todos os casos, o partido seguiu as necessidades de Lula, que só se distingue de Bolsonaro em matéria de torrar e distribuir dinheiro dos outros por afetar maior preocupação com os pobres.”

Para a jornalista e colunista do UOL Milly Lacombe, alinhada à esquerda, o posicionamento de Anitta é certeiro ao tentar estabelecer diálogo com quem não é fã de Lula e do PT, mas tem considerado votar no petista para tirar Bolsonaro do poder.

“Anitta vai se comunicar com quem não é petista, nunca foi, mas considera votar em Lula para se livrar do horror que está aí. É uma aliança poderosa que, da forma como entendo, tem ainda mais valor do que se ela dissesse: ‘virei petista’. Ao fazer o que fez, ela explode a bolha, fala com quem está fora dela, engaja os não engajados, chama os que, como ela sugere, não gostam do PT, mas gostam menos ainda de ‘Voldemort’”, escreveu no domingo (17).

Segundo Lacombe, há também algo de empoderador na decisão de Anitta. “Se ela fez isso porque está mesmo querendo ter o controle da exposição sobre seu corpo ou se fez isso porque está a fim de detonar fronteiras e se comunicar com quem ainda não sabe como vai votar, talvez não fiquemos sabendo. O fato é que, em qualquer um dos dois casos, Anitta está rebolando corretamente em nossas caras.”

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