Expresso

Da brecha à contenção: um trio contra os ataques à urna eletrônica

Isabela Cruz

15 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Presidentes do TSE atuam para impedir que sistema eleitoral seja desacreditado por boatos infundados. Alvos recorrentes de Bolsonaro, os ministros Barroso, Fachin e Moraes alternam concessão, confronto e diálogo

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FOTO: ANTONIO AUGUSTO/SECOM TSE – 04.OUT.2021

Os ministros sentados à mesa. À frente, se lê "Abertura do Ciclo de Transparência"

Os ministros do Supremo Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin (da esq. para dir.), na inauguração do Ciclo de Transparência Eleitoral do TSE para 2022

Edson Fachin vai entregar na terça-feira (16) a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para Alexandre de Moraes. A tensão institucional é a mesma de seis meses antes, quando recebeu o comando da corte das mãos de Luís Roberto Barroso.

Os três ministros, que também fazem parte do Supremo, são alvos recorrentes de Jair Bolsonaro, que ataca de forma recorrente a segurança das urnas eletrônicas sem apresentar provas. O presidente já usou os termos “filha da puta” para Barroso, “autointitulado ditador” para Fachin e “canalha” para Moraes.

O TSE, por sua vez, atuou em várias frentes para combater a campanha de desinformação alimentada por Bolsonaro. Instaurou um inquérito administrativo contra o presidente, fez campanhas de esclarecimento para a população e abriu as portas do tribunal para as Forças Armadas. Reagiu quando os militares passaram a aderir ao discurso do presidente contra a segurança do sistema eleitoral. No movimento mais recente, Moraes foi até o Palácio do Planalto na noite de quarta-feira (10) a fim de convidar Bolsonaro para sua posse como presidente do TSE. O presidente disse que vai.

Neste texto, o Nexo resgata a tensão institucional pela qual passa o país, mostra como foram as gestões de Fachin e Barroso à frente da corte eleitoral e fala sobre as expectativas quanto ao mandato de Moraes.

O convite aos militares na gestão Barroso

Barroso presidiu o TSE de maio de 2020 a fevereiro de 2022, passando pelas eleições municipais que elegeram os atuais prefeitos brasileiros. Foi o primeiro ministro a encarar a campanha de ataques ao sistema eleitoral que Bolsonaro inaugurou após Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos, ter feito o mesmo. No caso brasileiro, a campanha incluiu a defesa de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para a implementação do voto impresso no país.

Para defender a proposta, Bolsonaro fez em julho de 2021 uma live em que prometia comprovar que eleições passadas, feitas eletronicamente, foram roubadas. Mas acabou apresentando apenas boatos de internet já desmentidos pelo TSE e admitindo que não tinha provas concretas de fraude.

Em resposta à live, os ministros do TSE, por unanimidade, decidiram abrir uma investigação contra Bolsonaro. Também solicitaram ao Supremo que incluísse o presidente no inquérito das fake news conduzido no âmbito da corte constitucional. Relator do inquérito, Moraes atendeu à solicitação, e abriu uma investigação dedicada exclusivamente às mentiras de Bolsonaro sobre as urnas.

FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE JAIR BOLSONARO

Gomes e Bolsonaro, sentados à mesa. Ao fundo, telões exibem boneco com os dizeres "voto impresso auditável"

O presidente Jair Bolsonaro (à dir) e o coronel da reserva Eduardo Gomes, durante live sobre o sistema de urnas eletrônicas

Como presidente do TSE, Barroso também teve de ir à Câmara, atendendo a convites dos parlamentares, para explicar por que o sistema eletrônico é seguro e por que o tribunal não adota a impressão do voto. A PEC do voto impresso acabou rejeitada pelos deputados em agosto, num dia em que tanques do Exército desfilaram na frente do Congresso.

Dias antes da votação, Bolsonaro chegou a se referir a Barroso como “ filho da puta ”, quando falava com apoiadores em Santa Catarina. O xingamento foi transmitido ao vivo nas redes sociais do presidente, que depois apagou a postagem. Bolsonaro também já associou Barroso, por mais de uma vez, à pedofilia, sem nenhuma base na realidade.

Semanas depois, no ato bolsonarista de 7 de setembro de 2021, o foco do presidente foi Moraes, relator de diversos inquéritos que atingem Bolsonaro e seus aliados. Para uma multidão, o chefe do Executivo federal chamou o futuro presidente do TSE de “canalha” e disse que não mais cumpriria as ordens do ministro.

Nesse contexto de ataques, Barroso tomou medidas para ampliar a transparência do processo eleitoral. Entre outros pontos, a gestão do ministro criou a Comissão de Transparência das Eleições, com representantes de órgãos de Estado e de entidades da sociedade civil, e dobrou o prazo para inspeção dos códigos-fonte das urnas por partidos e outras entidades autorizadas (incluindo as Forças Armadas).

Além disso, Barroso, com o apoio de Fachin e Moraes, decidiu chamar as Forças Armadas para participar do processo eleitoral. A ideia era estabelecer uma ponte com os militares, para que eles entendessem o processo e atestassem a credibilidade do sistema eletrônico de votação, evitando assim uma escalada do discurso golpista de Bolsonaro e seus aliados mais radicais.

Dessa forma, o Ministério da Defesa de Bolsonaro, à época comandado pelo general da reserva Walter Braga Netto (atualmente vice do presidente na chapa à reeleição), pôde nomear uma pessoa para uma das 12 cadeiras da Comissão de Transparência. Foi escolhido o general de Divisão do Exército Heber Garcia Portella, chefe do ComDCiber (Comando de Defesa Cibernética do Exército, que é integrado por representantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica).

O general da reserva Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, também foi escolhido para ser o diretor-geral do TSE a partir de fevereiro de 2022. Ele aceitou o convite inicialmente, mas depois acabou negando o cargo “por questões pessoais de saúde e familiares”.

Analistas políticos e acadêmicos alertaram na época que a estratégia de Barroso carregava certa inocência e colocaria o país numa situação de refém de um aval militar sobre as eleições – aval que não está entre as funções das Forças Armadas definidas pela Constituição. Ministros do Supremo e da corte eleitoral também logo passaram a avaliar nos bastidores que a medida foi um erro , segundo informações do jornal Folha de S.Paulo.

A resistência institucional na gestão Fachin

Coube a Fachin o comando do TSE de fevereiro a agosto do ano eleitoral (em agosto, acaba seu mandato de dois anos na corte). No período, se intensificaram as campanhas de desinformação puxadas por Bolsonaro contra o sistema de votação, ao mesmo tempo em que o tribunal se viu obrigado a responder às mais de 80 questões apresentadas pelos militares no âmbito da Comissão de Transparência, em adesão ao discurso presidencial.

As respostas dadas pelo corpo técnico do tribunal aos militares apontaram erros técnicos nos questionamentos, o que foi visto pelo ministro da Defesa como um sinal de desprestígio do TSE às Forças Armadas. Fachin tem feito questão de afirmar que todas as instituições que fiscalizam o processo eleitoral são tratadas de forma igualitária, e que, numa democracia, as eleições são controladas por “forças desarmadas”, e não por militares.

“Quem trata de eleições são forças desarmadas. Portanto, as eleições dizem respeito à população civil, que de maneira livre e consciente escolhe seus representantes. Logo, diálogo, sim, colaboração, sim, mas na Justiça Eleitoral quem dá a palavra final é a Justiça Eleitoral . E assim será durante a minha presidência”

Edson Fachin

ministro do Supremo, em declaração como presidente do TSE, no dia 12 de maio de 2022

Na segunda-feira (8), o ministro teve de dizer ao Ministério da Defesa que um militar que dissemina notícias falsas sobre o sistema eleitoral não pode participar da fiscalização tecnológica desse sistema; que as conversas sobre a votação eletrônica no país devem ser públicas , e não feitas a portas fechadas apenas com militares; e que as Forças Armadas não têm o “papel de controle externo do TSE”, não lhes cabendo auditar eleições passadas.

Diante da resistência do presidente do TSE em conferir os privilégios demandados pelas Forças Armadas dentro do tribunal, Bolsonaro afirmou a apoiadores em meados de julho, em frente ao Palácio da Alvorada, que Fachin “já se intitulou o ditador do Brasil ”.

FOTO: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL – 24.AGO.2018

Fachin, em pé e vestindo terno, em meio a militares fardados

O ministro Edson Fachin, do Supremo, recebe a Melhada do Pacificador, honraria concedida pelo Exército

“Eu acho que ele já se intitulou o ditador do Brasil. Estou achando há muito tempo. Quem age dessa maneira não tem qualquer compromisso com a democracia”, disse Bolsonaro. O presidente também costuma afirmar que o ministro, a quem ele se refere como “ marxista-leninista ”, estaria trabalhando pela eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — acusação estendida a Barroso e Moraes também.

Em 2021, numa decisão confirmada logo em seguida pelo plenário, Fachin anulou as condenações que o petista sofreu na Lava Jato, por considerar que os processos deveriam ter corrido em Brasília, e não em Curitiba. Em contrapartida, diversas outras decisões do ministro, que foi relator e entusiasta da Operação Lava Jato (assim como Barroso), prejudicaram Lula e o PT. Em 2018, por exemplo, Fachin votou para que o ex-presidente fosse preso após condenação em segunda instância.

Como forma de se contrapor às desconfianças jogadas por Bolsonaro sobre o sistema nacional de votação, Fachin decidiu ampliar o número de observadores internacionais das eleições de outubro, no que também encontrou oposição da Presidência. Como revelou o Nexo, o convite à União Europeia foi desfeito pelo TSE , em razão da reação adversa do governo.

Outra medida de Fachin no âmbito internacional foi convidar diplomatas estrangeiros para conhecerem o sistema eleitoral brasileiro e ficarem “ alertas contra acusações levianas ” sobre as eleições. Bolsonaro rebateu a iniciativa fazendo em julho seu próprio encontro com os embaixadores. No evento, voltou a dizer uma série de mentiras sobre a votação eletrônica no país.

A expectativa para a gestão Moraes

Moraes chegou ao Supremo por nomeação do então presidente Michel Temer, sob a oposição de setores mais à esquerda do espectro político e num momento em que militares ampliavam sua participação na vida política do país.

Responsável por diferentes investigações que atingem o presidente e seus aliados, como é o caso do inquérito das fake news e o das milícias digitais, o ministro passou a ser considerado um inimigo pelo bolsonarismo, embora ele esteja longe de representar os interesses da oposição a Bolsonaro dentro do tribunal. Como presidente do TSE, Moraes indica que dará ordens rápidas e rigorosas contra campanhas de desinformação.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS

Bolsonaro e Moraes se cumprimentam durante uma cerimônia em cerimônia de posse de ministros no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília

Bolsonaro e Moraes se cumprimentam durante uma cerimônia em cerimônia de posse de ministros no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília

Generais do alto comando das Forças Armadas, assim como ministros do TSE, têm a expectativa de que Moraes, que é próximo de nomes das Forças Armadas, possa melhorar a relação do tribunal com os militares, informou o jornal Folha de S.Paulo no final de julho.

A proximidade com esses nomes vem da época em que Moraes foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, no governo Geraldo Alckmin. Também se deve ao período em que Moraes foi ministro da Justiça do governo Michel Temer, de maio de 2016 até fevereiro de 2017, passando pela participação das Forças Armadas na execução das Olimpíadas.

Em junho de 2020, por exemplo, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva, então ministro da Defesa de Bolsonaro, foi à casa de Moraes para amenizar a tensão institucional que já se delineava entre o governo e o Supremo. Segundo a Folha, foi Moraes quem depois convidou Azevedo e Silva para ser o diretor-geral do TSE.

Em outubro de 2021, depois de Bolsonaro dizer que não mais cumpriria as decisões de Moraes no ato bolsonarista de 7 de setembro, o ministro também se encontrou com o general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, então comandante do Exército. Nogueira descreve Moraes como um “ homem cordial e do diálogo ”, segundo o jornalista Guilherme Amado, do site Metrópoles.

Bolsonaro não tem a mesma opinião. O presidente, que considera Moraes “arbitrário”, “ditatorial” , chegou a apresentar um pedido de impeachment contra o ministro em agosto de 2021, algo inédito nas relações entre o Executivo e o Judiciário.

O pedido foi prontamente rejeitado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em agosto de 2022, às portas da eleição, diversos setores da sociedade estão se mobilizando em defesa do TSE, das instituições e da democracia no país.

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