Expresso

Como falar com crianças sobre política nesta eleição

Isadora Rupp

15 de agosto de 2022(atualizado 06/02/2024 às 10h59)

Muitas vezes contaminado por intolerância e desinformação, debate eleitoral aparece na escola, família e convívio social. Especialistas em comunicação e pedagogia explicam como abordar o assunto

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FOTO: LUIS MACEDO /CÂMARA DOS DEPUTADOS 24.10.2016

Sessão do projeto Câmara Mirim, da Câmara dos Deputados. Crianças estão juntas em frente a uma mesa ampla de madeira, com personagens infantis ao fundo

Sessão do projeto Câmara Mirim, da Câmara dos Deputados

O voto é obrigatório para adultos com mais de 18 anos no Brasil, mas as quase 70 milhões de crianças brasileiras – o que corresponde a pouco mais de 30% da população – não estão imunes ao debate sobre as eleições, muitas vezes contaminado por intolerância e desinformação.

Escolas, famílias e responsáveis no círculo social das crianças podem ajudar a explicar o assunto, aproveitando mecanismos lúdicos, mas sem esconder ou omitir os fatos.

Neste texto, o Nexo indica caminhos, com a ajuda de duas especialistas, para tornar a tarefa menos árdua na família, no convívio social e na escola.

Na família: regras de convívio e limites

O primeiro espaço no qual a criança pode desenvolver um entendimento político amplo é o familiar, diz a educomunicadora Januária Alves, colunista do Nexo e autora de mais de 50 livros infantojuvenis, os mais recentes a respeito de fake news.

Estabelecer, em casa, regras de convívio, horários e limites, além de discutir soluções em conjunto, ajuda a criança a se perceber como cidadã. “Com isso, a criança e o adolescente passam a ter o entendimento de que política e eleição não é só voto. Ela envolve nossa participação na sociedade”, disse ao Nexo .

Já o assunto política partidária e eleição, ensina Alves, deve ser abordado a partir da curiosidade da criança e do adolescente, e não ser puxado pelos pais e responsáveis “do nada”. Quando a dúvida surgir, a explicação pode partir de exemplos lúdicos, mas sem rodeios e com clareza.

“As conversas sobre eleição e o que acontece no mundo devem fazer parte do cotidiano das famílias. É algo que precisa estar no dia a dia, de preferência em um momento que a família esteja reunida. Os problemas do mundo precisam ser conversados, e não escondidos”

Januária Alves

educomunicadora e escritora infantil, aoNexo

Mostrar a diversidade da percepção de mundo e ideologias é outro aspecto importante em casa, pontua a pedagoga Marianna Canova, diretora do berçário e educação infantil Peixinho Dourado, em Curitiba.

Ela exemplifica como lidou com uma situação particular: uma pessoa da família chamou um político de ladrão em frente ao filho, que veio questioná-la. “Expliquei que a pessoa poderia pensar isso, mas que uma outra pessoa, também da nossa família, achava o contrário. E que, por isso, é preciso ter conhecimento para formarmos nossas ideias. Mostrar para a criança essa diversidade de percepção faz uma diferença grande”.

Segundo Canova, essa formação ajudará a criança a entender que irá se deparar, ao longo da vida, com diferenças ideológicas. E que a melhor forma de lidar com elas é conversar de forma gentil e com argumentos embasados.

No convívio social: mediação e responsabilidade

Além da escola e do núcleo familiar, os temas da política e eleição – bem como discursos inflamados sobre elas – também podem aparecer na casa de amigos, em atividades extracurriculares e outros ambientes. Quando a criança reproduz algum discurso de ódio, ou emite opiniões baseadas em notícias falsas em frente a um adulto, o que fazer?

Ignorar não é a saída, ensina Alves. O adulto precisa fazer uma mediação adequada – sem raiva ou ódio. “Vá questionando a criança: por que você acha isso? E aí o adulto responde mostrando outros pontos, com uma mediação equilibrada. Esse é um exemplo que vai ajudar ela a dialogar e defender seus pontos de vista sem desrespeitar o outro”. Também é importante frisar à criança, segundo a educomunicadora, que pensamentos distintos não transformam ninguém em inimigo. “O princípio precisa ser o do respeito”.

A pedagoga Marianna Canova afirma que a manifestação por parte da criança ou do adolescente de um pensamento considerado antidemocrático é uma situação que pode ajudar a explicar como funciona a construção e o funcionamento da democracia, e aproveitar para falar sobre períodos como o da ditadura militar.

FOTO: CARLA CARNIEL/ANADOLU AGENCY/GETTY IMAGES – 28.OUT.2018

Mulher e homem, em primeiro plano desfocado, olham para a foto. Ao fundo, cabine de urna

Eleitores aguardam para votar, no segundo turno das eleições de 2018

“Meu filho é intolerante com cigarro e disse que, se fosse presidente do Brasil, proibiria. Aproveitamos para conversar e dizer que, aqui no país, o cigarro é permitido. E que a pessoa pode escolher se quer fumar ou não”, exemplifica.

Propagação de discurso de ódio na internet é outro problema que aumenta em período eleitoral – segundo dados da Safernet, referência no enfrentamento de crimes contra os direitos humanos na internet, as denúncias cresceram nos dois últimos pleitos.

Em 2018 e 2020, anos de eleições presidenciais e municipais, as denúncias de racismo, xenofobia, nazismo, LGBTfobia, misoginia e apologia a crimes aumentaram em comparação com anos sem eleições. Esse tipo de comportamento, que também envolve o cyberbullying, precisa ser explicitado para crianças e adolescentes, afirma Januária Alves.“Temos visto as pessoas se esconderem nas redes sociais para atacar e dizer coisas que jamais diriam cara a cara. É necessário explicar de forma muito clara para as crianças e adolescentes que o que vale para o offline vale para o online”.

Na escola: representação e uso lúdico

Organizar pequenas assembleias desde a educação infantil para a tomada de decisões dentro do grupo é um exemplo de medida que prepara a criança para compreender a profundidade política, segundo Canova. “Com isso, ela entende o que é representatividade”.

A própria organização da escola também ajuda, indica Alves. “Crianças de 3 e 4 anos precisam levantar a mão para falar, são ensinadas a esperar o coleguinha terminar. Tudo isso faz parte do ecossistema da política, e é muito organizador. As crianças precisam de segurança. Regras ajudam elas a saberem que não podem fazer as coisas sem consequências. Se ela xingar o amigo, será responsabilizada”.

A escola deve observar as demandas sobre o tema. Segundo Januária Alves, outros assuntos onipresentes no debate público, como as fake news, aparecem como dúvida cada vez mais cedo, o que é um ótimo mote para organizar uma explicação coletiva em sala de aula.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS

Imagem de cima, mostra duas crianças negras e de cabelos escuros sentadas numa mesa mexendo com peças de letras e um tabuleiro coloridos

Crianças em projeto de reforço escolar para recuperar déficit de ensino durante a pandemia, em escola de São Paulo

Mais tarde, no ensino fundamental, a possibilidade de eleição de representantes de turma ajuda nesse processo, dizem as especialistas. “Tudo isso é um exercício político. Justamente para preparar as crianças e adolescentes para que compreendam que, quando a gente elege alguém para nos governar, damos o passe para a pessoa decidir sobre a vida em comum”, afirmou Alves ao Nexo .

Trabalhar a política por meio de histórias de tradição oral, contos de fada, fábulas ou livros explicativos também introduz o assunto no universo infantil.

Há outros modos para buscar entendimento e diálogo quando a hostilidade política chega às crianças na sala de aula: foi a situação com a qual a professora Karina Letícia, de Timóteo (MG), se deparou com seus alunos do 5° ano do ensino fundamental.

Os estudantes começaram a se “atacar” usando nomes de políticos, e ela organizou um projeto para que as crianças, na faixa etária de 11 anos, pesquisassem as biografias dos políticos. A iniciativa foi vencedora do Prêmio Professor Transformador na categoria ensino fundamental I, e os estudantes conseguiram viajar a Brasília para entender o funcionamento do Congresso Nacional.

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