Expresso

Por que a correção do Imposto de Renda une Lula e Bolsonaro

Marcelo Roubicek

21 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Líderes nas pesquisas, candidatos prometem o primeiro aumento da faixa de isenção desde 2015. O ‘Nexo’ explica a medida e ouve um cientista político sobre como ela influencia a campanha de 2022

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FOTO: MARCELLO CASAL JR./AGÊNCIA BRASIL – 21.MAR.2019

Celular apoiado sobre teclado. Na tela, site da Receita Federal

Consulta aos dados da Receita Federal

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas da corrida eleitoral de 2022, disse na terça-feira (16) que sua primeira ação se vencer as eleições será corrigir a tabela do Imposto de Renda. A medida também é promessa do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que já havia pautado o tema no pleito de 2018.

As discussões sobre o reajuste enfrentam, desde meados da década de 2010, dificuldades para avançar. A tabela do Imposto de Renda não é atualizada no Brasil desde 2015. A não-correção, na prática, equivale a um aumento de imposto .

Neste texto, o Nexo mostra como o Imposto de Renda une Lula e Bolsonaro, e por que o tema não anda. Também conversa com um cientista político que diz que a promessa pode render frutos eleitorais em 2022.

Como funciona o Imposto de Renda

O Imposto de Renda funciona da seguinte maneira: existe uma tabela que define, de acordo com a faixa de renda mensal, quem paga cada alíquota. As alíquotas são progressivas – quanto maior a renda, maior a taxa cobrada. São cinco as faixas:

  • Até R$ 1.903,98: isento
  • Entre R$ 1.903,99 e R$ 2.826,65: 7,5%
  • Entre R$ 2.826,65 e R$ 3.751,05: 15%
  • Entre R$ 3.751,06 e R$ 4.664,68: 22,5%
  • A partir de R$ 4.664,69: 27,5%

As alíquotas incidem sobre cada faixa. Assim, se uma pessoa ganha R$ 2.000 por mês, ela não paga 7,5% sobre tudo que recebe – essa taxa incide sobre cada real que ela ganha acima de R$ 1.903,98, que é o limite da isenção.

Se uma pessoa ganha R$ 3.000 por mês, ela paga zero sobre os primeiros R$ 1.903,98, 7,5% sobre tudo aquilo entre 1.903,99 e R$ 2.826,65, e mais 15% sobre os rendimentos entre R$ 2.826,65 e R$ 3.000. Ou seja, uma mesma pessoa paga diferentes alíquotas em cada faixa do salário. É o que mostra a animação abaixo.

As faixas não são alteradas desde 2015.

Lula

O QUE PROMETE

Lula escreveu no Twitter em 17 de agosto que irá reajustar a tabela do Imposto de Renda e a ampliar a faixa de isenção para “ por volta de R$ 5.000 ”. “Vamos ter que estudar e discutir sobre isso”, afirmou. Em entrevista à Rádio Super de Minas Gerais no mesmo dia, o ex-presidente disse que o valor exato ainda está em discussão em sua equipe porque há impacto sobre a arrecadação federal .

COMO FOI EM SEU GOVERNO

Quando Lula assumiu a Presidência em 2003, a última correção da tabela do Imposto de Renda acontecera no ano anterior, 2002, sob Fernando Henrique Cardoso. A primeira correção do petista demorou dois anos a acontecer: foi de 10% no início de 2005. A partir daí, a tabela foi corrigida em todos os anos do governo Lula – mas nem todos os reajustes superaram a inflação. No governo da sucessora, a também petista Dilma Rousseff, os reajustes também foram anuais até 2015. Depois disso, não houve mais reajuste.

Bolsonaro

O QUE PROMETE

No plano de governo , Bolsonaro diz que irá “perseguir o objetivo de isentar os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos [mensais] durante a gestão 2023-2026”. Em 2022, isso equivale a R$ 6.060. Em 2023, considerando o salário mínimo de R$ 1.294 projetado na Lei de Diretrizes Orçamentárias – uma espécie de prévia do Orçamento –, a isenção valeria até rendimentos mensais de R$ 6.470. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o Ministério da Economia trabalha para separar R$ 17 bilhões no Orçamento de 2023 para a correção da tabela.

COMO FOI EM SEU GOVERNO

Durante a corrida presidencial de 2018, Bolsonaro propôs isentar quem ganhava até cinco salários mínimos por mês – cerca de R$ 5.000 à época. Ao longo do mandato, ele reiterou a promessa em diversos momentos , mas a tabela não foi alterada. Em junho de 2021, o governo apresentou um projeto de reforma do Imposto de Renda, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados em setembro daquele ano – o texto travou no Senado. No projeto, uma das principais mudanças é a ampliação da faixa de isenção para R$ 2.500 por mês, com reajuste das outras faixas por, em média, 13%.

FAIXA DE ISENÇÃO DESDE 2002

Faixa de isenção nominal do IRPF. Ajustada em todos os anos entre 2005 e 2015, depois nenhum reajuste.

Quais os efeitos da não-correção

A não-correção da tabela do Imposto de Renda, na prática, representa um aumento de imposto .

Como no período desde a última mudança houve inflação e não houve alteração na tabela, isso significa que ela está desatualizada. Em outras palavras, R$ 1.903 compram (muito) menos em 2022 do que compravam em 2015.

52,1%

é a inflação acumulada entre abril de 2015, reajuste mais recente da tabela, e julho de 2022

Mas se R$ 1.903 mensais continuam sendo o parâmetro para definir se uma pessoa paga ou não paga Imposto de Renda, pode-se dizer que pessoas com menor renda passaram a pagar nos últimos anos. São cinco faixas de cobrança e em todas elas há defasagem.

“Todo mundo, pela inflação, é pressionado e empurrado para cima e passa a pagar mais do que em tese deveria pagar”, disse ao Nexo Eduardo Lazzari, pesquisador do CEM (Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo). “E quem passou a pagar o Imposto de Renda nos últimos anos são pessoas que definitivamente não têm uma vida financeira tranquila ou plenamente assegurada. Elas sentem na pele muito claramente um imposto que antes elas não pagavam”, afirmou.

Um exemplo é o de uma pessoa que ganhava R$ 1.600 em 2015. Ela estava isenta de pagar o Imposto de Renda. Se ao longo dos anos o salário dela foi reajustado plenamente pela inflação do período, ela ganha em 2022 pouco mais de R$ 2.400. O poder de compra dela não mudou, mas agora uma parte de seu salário vai para a Receita.

Há também casos de pessoas que mantiveram o poder de compra real, mas que “subiram de faixa” no pagamento do Imposto de Renda. Também significa, na prática, um aumento na cobrança.

Por que o tema une Lula e Bolsonaro

“Quem passou a pagar o Imposto de Renda sente na pele. E se eventualmente houver um candidato a presidente endereçando essa questão e se comprometendo a reduzir esse impacto tributário que antes essa pessoa não tinha que lidar (ou lidava em menor proporção), isso tende a criar uma certa atratividade política”, disse Lazzari.

Ou seja, para o pesquisador do CEM, o componente político e eleitoral ajuda a explicar por que os dois principais candidatos da eleição de 2022 prometem corrigir a tabela do Imposto de Renda. “Para qualquer candidato interessado em ganhar a eleição, qualquer grupo de eleitores que você conseguir trazer para si é uma vantagem”, afirmou.

FOTO: MIKE BLAKE/EDGARD GARRIDO/REUTERS

Na foto da esquerda, o atual mandatário Jair Bolsonaro. Na foto da direita, o ex-presidente Lula

Na foto da esquerda, o atual mandatário Jair Bolsonaro. Na foto da direita, o ex-presidente Lula

Segundo Lazzari, a promessa tem potencial de efetivamente angariar votos. Ele exemplificou com o caso de um trabalhador que ganha R$ 3.000 mensais e ouve a promessa de isentar todos que ganham até 5.000 ou R$ 6.000.

“No mínimo, ele vai deixar isso na cabeça dele, e vai virar um referencial. Isso se torna mais um fator no repertório de coisas que poderiam justificar para um eleitor indeciso o voto em Lula ou em Bolsonaro”, afirmou.

Por que é difícil tirar do papel

O Brasil não teve correções na tabela do Imposto de Renda entre 2015 e 2022. Para Lazzari, o principal motivo por trás disso são os problemas enfrentados pelos cofres públicos no período.

“Se você não atualiza a tabela de Imposto de Renda, mais pessoas passam a pagar. E quem já pagava, em geral, passa a pagar mais. Isso aumenta a arrecadação do governo federal”, afirmou. Ou seja, a não-correção favorece a arrecadação do governo.

Quando as contas públicas estão no azul, fica mais fácil abrir mão dessa arrecadação. Em todos os anos sob Lula (2003 a 2010), o Brasil teve superávit primário – ou seja, as receitas superaram as despesas, sem levar em consideração o pagamento de juros da dívida. Houve correção da tabela em todos os anos a partir de 2005.

A partir de 2014, as contas públicas entraram no vermelho. Até 2021, foram oito anos consecutivos de deficit primário. O período quase que coincide com o congelamento da tabela do Imposto de Renda.

Por fim, o pesquisador do CEM citou que há pressão de outros entes federativos sobre o tema, já que, por lei, estados, municípios e fundos regionais recebem metade do dinheiro arrecadado pela União via Imposto de Renda. Eles também têm a perder com uma queda na receita.

“Cria-se um equilíbrio político muito difícil”, disse Lazzari. “Por um lado, o governo federal não tem interesse em diminuir a sua própria arrecadação. E por outro, os estados e municípios também têm desincentivo para que essa tabela seja corrigida, seguramente pressionando deputados e senadores a deixarem o tema de lado”.

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