Expresso

O que é divulgação científica. E como ela se transforma

Cesar Gaglioni

24 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h40)

Comunicação de descobertas para a sociedade como um todo recebeu atenção redobrada na pandemia. Em país com dificuldades estruturais, desafios continuam

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FOTO: CESAR GAGLIONI/NEXO – MIDJOURNEY

Ilustração de cientista trabalhando em laboratório

Ilustração de cientista trabalhando em laboratório

Não basta produzir conhecimento científico, é preciso que ele chegue a diversas camadas da sociedade civil. É nessa ponta da linha de produção que entram os divulgadores científicos – pesquisadores e/ou comunicadores que são responsáveis por apresentar as descobertas da ciência para a população leiga, de forma que elas sejam entendidas e absorvidas.

Durante a pandemia da covid-19, a divulgação científica se popularizou no Brasil. Figuras como a microbiologista Natália Pasternak se tornaram rostos conhecidos da população, explicando desdobramentos da ciência e ajudando na tomada de decisões. O interesse redobrado veio junto com um boom na disseminação da desinformação sobre a doença e outros conceitos científicos.

Neste texto, o Nexo explica os métodos da divulgação científica, sua importância e como ela passa por transformações.

Do século 19 até o 21

A ideia de divulgar de forma estruturada descobertas científicas para a população geral foi registrada formalmente pela primeira vez em 1830 , numa carta do astrônomo inglês John Herschel ao filósofo William Wheewel. “O público precisa de resumos de tudo que é feito em cada área do conhecimento, para ter uma visão geral do que já foi feito e do que ainda está aberto”, afirmou.

Nesse primeiro momento, a divulgação era feita majoritariamente em revistas, como as americanas Science, criada em 1880, e a National Geographic, de 1888.

No Brasil, a divulgação científica começou oficialmente em 1835 , com o lançamento da revista Miscelânea Científica, da Imprensa Literária e Científica do Rio de Janeiro. O método se expandiu em 1876, com o início da publicação da Revista do Rio de Janeiro, que tinha ligação com o então imperador, Dom Pedro 2º, um ávido interessado por ciência.

Apesar da raiz no século 19, foi na segunda metade do século 20 que a divulgação científica se popularizou com mais força, especialmente nos Estados Unidos.

Nesse contexto, uma figura importante foi o físico americano Carl Sagan (1934-1996), que em 1980 começou a apresentar a série “Cosmos” , na PBS, a TV pública educativa dos EUA. A cada episódio, Sagan apresentava algum conceito ou fenômeno científico, explorando passado e presente daquela descoberta, de maneira didática, com auxílio de efeitos visuais e computação gráfica.

Em um dos episódios, por exemplo, fala sobre a formação das galáxias e dos planetas. Num outro, conta a história da astronomia, dos primórdios da humanidade ao século 20.

“Já foi dito que a ciência não é romântica, que a paixão dos cientistas por descobrir a verdade rouba a beleza e o mistério do mundo. Mas isso não acontece. Entender como o mundo funciona não causa mal algum – saber que a luz branca é feita de cores, que as cores são a forma como percebemos as frequências de luz, que o ar transparente reflete a luz e que o céu é azul pelo mesmo motivo que o pôr-do-sol é laranja. O romance do crepúsculo não é diminuído pelo conhecimento”

Carl Sagan

físico americano, no livro “Pálido Ponto Azul” (ed. Cia das Letras)

No século 21, as novas mídias possibilitaram a massificação da divulgação científica. Canais de vídeo, sites, podcasts e etc puderam se proliferar, levando mais informação a mais pessoas.

Esse caminho de divulgar a ciência nem sempre é perfeito. O método científico funciona a partir de hipóteses, experimentos e conclusões. Com o passar do tempo as tecnologias mudam, novos testes são feitos e as descobertas são alteradas.

Além disso, para o médico e professor da UFRJ Olavo Amaral, colunista do Nexo , o universo acadêmico não é uma estrutura “sólida, robusta e imaculada” como sugerea expressão recorrente de que o cientista vive numa torre de marfim. Em sua coluna de estreia na Ponto Futuro , ele afirma que o modus operandi da pesquisa científica muitas vezes gera incentivos errados e ignora interesses e falhas do processo.

É difícil sustentar a ideia de que a torre da ciência de fato é de marfim – ou negar que seu telhado de vidro tem se tornado um prato cheio para atrair invasores. A maior parte do discurso dito ‘negacionista’, afinal, não se propõe a negar o método científico, e sim alvejar a academia em seus pontos fracos ”, disse.

A importância e os desafios

Na visão do neurocientista Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, os desafios da divulgação científica no Brasil passam, de início, por questões estruturais de um país marcado por problemas na educação e no desenvolvimento socioeconômico.

“Acho que o maior problema que temos é que o ensino fundamental e médio são ruins. Porque as professoras e professores são muito mal pagos, existe hiper lotação nas salas de aula, existem poucos recursos, falta estrutura nas famílias. As pessoas têm vidas muito difíceis, pouca harmonia em casa, pouco espaço, pouco livro ou livro nenhum”, disse ao Nexo em julho de 2020.

A pandemia de covid-19 marcou um período em que cientistas e especialistas em saúde tentaram, de forma mais intensa, se aproximar da população por meio das redes sociais e da mídia tradicional.A microbiologista Natalia Pasternak se tornou um dos rostos mais conhecidos da divulgação científica brasileira desde março de 2020, quando a crise sanitária começou. Em dois anos, ela deu mais de 300 entrevistas para veículos de comunicação.

Pasternak avalia que seu trabalho é ajudar a população e gestores na tomada de decisões conscientes. “Na comunicação direta com a população, queremos embasar a tomada de decisão. Por exemplo, por que alguém vai vacinar o filho? Já, com os gestores públicos, podemos orientar sobre diversos temas, como regulamentação de créditos de carbono ou sobre a rotular ou não alimentos transgênicos”, disse ao portal UOL.

O desafio, segundo ela, é fazer com que a informação de qualidade chegue nas pessoas em um mar de desinformação e mentiras. Ela considera que o maior trabalho no que diz respeito à covid-19 já passou, mas foi complexo. “Foi um grande desafio, um período intenso de trabalho em que a gente teve de responder à demanda da mídia para desmentir notícias falsas a todo momento”, afirmou.

No Brasil, o trabalho dos especialistas entrou em choque com a desinformação que partia muitas vezes de canais oficiais e do governo e seus apoiadores.

Para Amaral, na pandemia a comunicação da ciência sofreu por ocorrer num ambiente de “polarização militante” ao qual os cientistas não ficaram imunes. “Adicionar vozes ao caldeirão de barulho, afinal, reforça coros homogêneos e tribalizados, e a defesa da ciência nas redes tende facilmente a se transformar em apenas mais um deles”, escreveu em sua coluna no Nexo .

De acordo com o sociólogo José Szwako, um dos autores do livro “Dicionário dos negacionismos do Brasil” (ed. Cepe), ampliar as pontes da produção acadêmica com a sociedade nesse contexto é necessário e deve envolver caminhos diferentes.

“A academia vai precisar de muita criatividade para fazer isso, tanto usando as ferramentas de comunicação que o público usa – como as redes sociais – e também de achar formas criativas de fazer isso, falar a língua do público, seja com artes – teatro, cinema, etc. Há outras linguagens para serem exploradas”, afirmou ao Nexo .

Um exemplo dessa exploração de outras linguagens é o Museu da Vida, no Rio de Janeiro, ligado à Fundação Oswaldo Cruz, que tem uma programação regular de peças de teatro para crianças e adultos com espetáculos que abordam questões científicas, como a vida de cientistas consagrados – caso do italiano Galileu Galilei – e sobre aspectos das diversas áreas do conhecimento, como o conceito de infinidade na matemática.

Até mesmo a poesia pode ser uma aliada . Em artigo publicado em abril por Sam Illingworth, professor de prática acadêmica na Universidade de Edimburgo, argumenta que os poemas podem ser um bom caminho para a divulgação científica. “A poesia também pode ser um veículos entre a ciência e um público mais amplo, conferindo à pesquisa uma linguagem mais acessível”, disse.

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