Qual Brasil vai para a COP27, conferência do clima da ONU
Mariana Vick
05 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h50)Representantes do governo buscam divulgar matriz energética limpa do país, sem destacar desmatamento na Amazônia. Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deve tratar de recuperação da floresta
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Homem protesta por proteção da Amazônia, no Rio de Janeiro
A COP27, nova edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, começa neste domingo (6) em Sharm El-Sheikh, no Egito. Representantes de governos, setor privado e sociedade civil se reúnem até o dia 18 de novembro no evento, que é considerado o maior fórum global de discussão sobre o futuro do clima.
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva viaja para fora do Brasil pela primeira vez depois de ter vencido a eleição presidencial em 2022 para participar da conferência. O petista, que fez promessas de combater a mudança climática durante a campanha, vai representar o país ao lado de governadores e deve disputar espaço com a equipe de Jair Bolsonaro, que também vai estar no evento em nome do governo federal.
O Nexo explica o que é a COP27, como o Brasil chega ao evento com a delegação do governo federal e quais são os objetivos de Lula ao também ir à viagem. Mostra também o espaço da sociedade civil no encontro, qual é a importância da reunião para o combate à mudança do clima e quais são seus principais pontos de discussão em 2022.
Criada em 1995 e realizada todos os anos, a Conferência das Partes (COP, na sigla em inglês) é uma reunião entre países-membros da ONU voltada à mudança climática, em que os participantes debatem soluções comuns para os desafios do clima e podem criar novos acordos ambientais.
Participam da conferência chefes de Estado, ministros e diplomatas, que se envolvem nas principais negociações sobre o tema. Mais de 90 chefes de Estado devem ir ao encontro no Egito em 2022. Também costumam participar representantes do setor privado e da sociedade civil, que comparecem a reuniões e debates paralelos.
Sobre uma pedra, mulher segura peixe que seu marido acabou de pescar, em Tarawa, Kiribati
A COP é realizada pela UNFCCC, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, grupo de 196 países criado em 1992 com o objetivo de estabelecer compromissos globais para o combate ao aquecimento global, diante da intensificação do problema e de seus efeitos nas últimas décadas.
Em 2022, a conferência chega à 27ª edição — daí o nome COP27. Desde sua criação, parte de seus encontros resultou em avanços importantes, como o Acordo de Paris , assinado em 2015 na 21ª edição da conferência com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2100. Os resultados dependem do sucesso das negociações.
1,1ºC
é quanto a temperatura média global aumentou desde o período pré-industrial
Apesar de parecerem distantes do dia a dia, as discussões que acontecem na COP tratam de temas com grande impacto sobre áreas como meio ambiente e economia. Decisões dos países sobre como lidar com a mudança do clima podem afetar setores como o de energia, a indústria, os transportes e a agricultura, além de tornar as pessoas mais ou menos vulneráveis a eventos climáticos extremos como secas e inundações.
Causas
A mudança climática começa com atividades que emitem grande quantidade de gases que agravam o efeito estufa, fenômeno responsável por tornar o planeta mais quente. Entre os gases emitidos estão o CO2 (dióxido de carbono), o metano e o óxido nitroso. A maior parte das emissões é causada por atividades dos setores de energia, transporte e alimentos.
Efeitos
A emissão de gases como o CO2 agrava o efeito estufa e, como consequência, causa o fenômeno que tem sido chamado de aquecimento global. A principal consequência desse aquecimento é o aumento das temperaturas. Entre outros efeitos, há também a elevação do nível dos mares e o aumento de eventos climáticos extremos. A expressão mudança climática é um sinônimo abrangente de aquecimento global.
Projeções
As projeções do clima mostram que o aquecimento global pode ultrapassar 2ºC ou mais até o fim do século 21 se o ritmo de emissões de gases do efeito estufa não diminuir. Para reduzir esse ritmo, são necessárias transformações em setores como o de energia e transportes. Em um futuro 2ºC, 3ºC ou 6ºC mais quente, a mudança do clima deve afetar (em grau maior ou menor) a economia, a saúde pública e o meio ambiente.
Chefiada pelo atual ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a delegação do governo federal deve ir à COP27 no domingo (6) com foco no discurso da “energia verde”, em referência à matriz elétrica brasileira, que é majoritariamente limpa (ou seja, não é baseada em combustíveis fósseis, como o carvão, mas em fontes limpas, como a água das hidrelétricas). Bolsonaro não confirmou presença no evento.
Leite não divulgou informações oficiais sobre sua agenda na COP27, mas publicou no Twitter no dia 25 de outubro um vídeo em inglês que afirma que o Brasil é “protagonista nesta nova economia verde” e tem potencial para a geração de fontes renováveis de energia, principalmente solar, eólica e biomassa.
78,1%
era a presença de fontes renováveis na matriz elétrica brasileira em 2021; maior parte vem de hidrelétricas
Segundo reportagens da imprensa, o ministro busca focar nesse discurso durante a conferência por causa do contexto de guerra entre Rússia e Ucrânia, que causou uma crise energética global. A Rússia é um dos principais fornecedores de combustíveis como o gás natural para a Europa, e a interrupção do repasse por conta da guerra e de sanções internacionais ao governo de Vladimir Putin abre espaço para outros fornecedores.
Turbina eólica em Fortaleza, no Ceará
“Nossa energia está sendo olhada pelos outros países como uma oportunidade de investimento . O que temos desenhado como estratégia é levar o Brasil das energias verdes e as oportunidades de consumo dessa energia”, disse Leite em um evento em outubro, segundo reportagem da Agência Pública.
Não se sabe o que a delegação do governo vai ter a dizer em relação ao desmatamento, principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Na COP26, Leite assinou um acordo global para zerá-lo até 2030, mas recebeu críticas por não ter divulgado no evento o dado anual de desmate na Amazônia, prática comum em governos anteriores.
Na época, a imprensa noticiou que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão que mede os dados, já tinha essa informação antes da COP26, mas só a divulgou depois do evento. Os dados mostraram que o desmatamento na Amazônia aumentou em 2021 em relação a 2020. Leite negou que o Inpe tenha atrasado de propósito a divulgação da informação.
O desmatamento se tornou um enorme problema do governo Bolsonaro. As taxas de desmate na Amazônia apenas cresceram nos anos em que o atual presidente esteve no Planalto. O governo também passou por crises de queimadas na Amazônia em 2019 e no Pantanal em 2020. Cobrado, o Ministério do Meio Ambiente não tomou medidas eficazes para resolver o problema.
Lula vai à COP27 a convite de governadores dos estados da Amazônia Legal, que terão um estande inédito no evento de 2022, independente da delegação do governo federal, para discutir o desenvolvimento sustentável da floresta e planos de combate ao desmatamento e às queimadas florestais no bioma.
Segundo Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, em entrevista à CNN Brasil, Lula deve ir ao evento no dia 14 de novembro . Além dos governadores da Amazônia Legal, o presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sissi, convidou o petista para a COP, dizendo que espera que o Brasil desempenhe um papel “ positivo e construtivo ” no evento.
Floresta amazônica cercada por terras desmatadas para o plantio de soja no Mato Grosso
Lula deve ir à COP27 na tentativa de reconstruir a imagem internacional do Brasil na área ambiental. Nos anos de Bolsonaro, o governo brasileiro recebeu críticas de outros países por não combater o desmatamento na Amazônia. Segundo ambientalistas, o Brasil, na prática, se tornou um pária ambiental.
Essa foi uma das promessas de campanha do presidente eleito, que também disse que tomaria medidas para reduzir o desmatamento, o garimpo ilegal na Amazônia e invasões de terras indígenas. Quando governou o Brasil, de 2003 a 2010, Lula reduziu o desmate na Amazônia em mais de 70% .
Celso Amorim, que foi chanceler do Brasil nos dois primeiros anos do governo Lula, disse em entrevista ao jornal O Globo que a Amazônia e a questão climática devem ser nortes da política externa de Lula a partir de 2023. “Há uma clareza de que o clima é um tema central nas ações internas relativas ao desenvolvimento e na política internacional”, disse.
Indígena da etnia Kayapó faz vigilância da Terra Indígena Menkragnoti (PA) contra invasores
Caso ocorra dessa maneira, o discurso do ex-presidente eleito na COP27 será o oposto do da delegação oficial, que não sinalizou que levará à conferência soluções para os desafios da Amazônia. Ambos os grupos — o do atual governo e o do governo eleito — devem disputar a atenção de outros países.
Segundo a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), que deve ir com Lula à COP27, a equipe do presidente eleito pretende levar para o evento uma proposta de revisar os objetivos brasileiros de emissões de gases de efeito estufa. Para ela, a meta brasileira pode ser mais ambiciosa e prometer mais cortes de emissões.
Reportagens na imprensa afirmam que há a expectativa de que Lula chegue à COP27 com o nome do indicado para chefiar o Ministério do Meio Ambiente em seu novo governo. Marina Silva está entre os cotados. Além de ex-ministra, ela é deputada federal eleita pela Rede de São Paulo em 2022.
Além das delegações do governo federal e de governadores, um grupo de integrantes da sociedade civil vai à COP27 representar o Brasil. Chamado de Brazil Climate Action Hub, o pavilhão inclui ambientalistas e cientistas e busca dar visibilidade para ações que esses grupos propõem contra a mudança climática, na contramão do discurso oficial.
A delegação à parte do governo federal foi criada em 2019, durante a COP25, que aconteceu em Madri, no primeiro ano do governo Bolsonaro. Com o então ministro Ricardo Salles, o Ministério do Meio Ambiente se afastou da sociedade civil, que até então acompanhava a delegação do governo, e fez com que essas organizações fossem à COP por conta própria.
Jovens protestam por ação contra a mudança climática em frente ao Congresso Nacional, em Brasília
O pavilhão se tornou referência para o Brasil em 2019 e em 2021, na COP26, que aconteceu em Glasgow, na Escócia. Foi sede de dezenas de eventos que apresentaram estudos, iniciativas e experiências de políticas públicas da sociedade brasileira nas duas conferências. Em 2021, além de cientistas, ambientalistas, políticos, gestores públicos e empresários, a delegação incluiu integrantes dos movimentos negros, indígenas, quilombolas e das juventudes.
Em 2022, a sociedade civil diz que pretende ir à COP27 para buscar diálogo com outros países do chamado Sul Global, os mais atingidos pelas consequências da mudança do clima, para debater soluções para o problema. Coordenam o grupo as organizações Instituto Clima e Sociedade, Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e Instituto ClimaInfo.
Fora a questão brasileira, a COP27 deve ser influenciada pelo atual contexto geopolítico, marcado pela guerra entre Ucrânia e Rússia, que começou em fevereiro. A guerra comprometeu a segurança energética e a segurança alimentar global, com o corte de fornecimento de commodities agrícolas da Ucrânia.
O fim da oferta de combustíveis fósseis da Rússia para o restante da Europa provocou uma corrida por esses recursos em outros lugares. Segundo ambientalistas, por um lado, isso deve levar ao aumento das emissões globais de gases de efeito estufa. A insegurança energética, por outro lado, aumenta a percepção de que é preciso diversificar as atuais fontes disponíveis de energia, o que pode, no longo prazo, levar a mais investimento em energias renováveis.
Pessoas dormem no leito do rio Yamuna, totalmente seco, debaixo de uma ponte em Nova Déli, na Índia
Entre as expectativas da presidência da COP27, que organiza o evento do Egito, está a de que a conferência seja marcada pela implementação do Acordo de Paris. Desde 2015, quando o tratado foi assinado, os países discutem como colocá-lo em prática para limitar a temperatura global a 1,5ºC, mas nem todos os pontos tiveram consenso até agora.
O debate sobre o financiamento climático de países mais ricos para que os mais pobres consigam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa sem comprometer a própria economia está entre os temas de conflito. Em 2009, os participantes da COP se comprometeram a criar um fundo anual de US$ 100 bilhões até 2020 para esse financiamento, mas o dinheiro nunca foi desembolsado.
Com o cenário de corrida de cada país, inclusive os mais ricos, por independência energética desde o início da guerra na Ucrânia, esse conflito deve se agravar. Segundo ambientalistas, há menos disposição para se investir em outros países, o que deve dificultar as negociações.
Enchentes na cidade de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro
Outros pontos de conflito entre países são o debate sobre perdas e danos que eventos climáticos extremos — como ondas de calor, secas e inundações — provocam sobre as nações mais pobres e o debate sobre adaptação da infraestrutura para que elas consigam resistir a esses eventos.
Em 2022, com a ocorrência de eventos climáticos extremos em lugares como a Índia e o Paquistão , que passaram por uma onda de calor sem precedentes que afetou a infraestrutura local, houve mais atenção para os efeitos da mudança climática em países mais vulneráveis. Investir em adaptação e perdas e danos, porém, também exige que haja recursos.
Em 2021, na COP26, os países acordaram que apresentariam metas de redução de gases de efeito estufa mais ambiciosas até 2022. Relatório divulgado em outubro pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), porém, mostrou que as medidas listadas até agora são insuficientes e não têm sido colocadas em prática. Esses compromissos devem ser avaliados na conferência de agora.
Colaborou Caroline Souza com o gráfico
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