FOTO: ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL 21-10-2022

A pandemia de covid-19 jogou luz sobre o trabalho científico — na busca por uma vacina em tempo recorde — e explicitou a importância do conhecimento baseado em evidências na hora de agir contra uma grande crise, no caso a crise sanitária mundial mais grave em um século.

O combate à covid-19 também deu visibilidade a instituições científicas brasileiras como a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), ligada ao governo federal, e o Instituto Butantan, ligado ao governo paulista. Mesmo enfrentando cortes nos investimentos , a ciência brasileira teve papel fundamental para mitigar os impactos do período pandêmico.

Para quem pretende seguir uma carreira na área da ciência, é preciso analisar o perfil desse trabalho. A Ponto Futuro, editoria do Nexo dedicada a pensar futuros possíveis, convidou duas profissionais com experiência na ciência para responder sobre o tema. São elas:

• Beatriz Raposo de Medeiros, doutora em linguística pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Tem pós-doutorado na Université de Provence Aix Marseille I (França). Sua linha de pesquisa é descrição e análise das línguas indo-europeias
• Katemari Diogo da Rosa é mestre em Science Education pelo Teachers College e doutora em Science Education pela Universidade Columbia (EUA). Atualmente, Katemari é professora adjunta da Universidade Federal da Bahia

Para alguém que está entrando na faculdade ou está na faculdade, ou se formando, e está na dúvida se tem perfil para trabalhar com pesquisa no Brasil, o que você considera importante essa pessoa saber?

Beatriz Raposo de MedeirosVivemos num país que investe pouco na ciência. De uma maneira geral, a coragem e o gosto pelo estudo são pontos que considero relevantes. É preciso ter audácia e sentimento por aquilo que estuda. A jornada da ciência pode ser longa, então ter o objetivo bem definido pode ajudar.

Analisar o tempo que dispõem para realizar os estudos e tarefas. Ler diversos conteúdos, escrever resumos e participar de reuniões são pontos que exigem bastante da pessoa que escolheu seguir o caminho da pesquisa científica.

Katemari Diogo da Rosa As experiências pessoais são relevantes e, particularmente, as experiências de pessoas como eu, uma mulher negra, são importantes. Portanto, na realidade do contexto acadêmico brasileiro, em particular na área científica, sou minoria. Minha experiência pessoal é crucial, tem um significado que precisa ser considerado. Minha experiência conseguiu transpor algumas barreiras que algumas pessoas não precisam superar.

Existem diversas possibilidades de perfis para se trabalhar com pesquisa. Você não precisa ter um perfil similar aos cientistas de sucesso para conseguir atuar na área. Existe uma gama muito grande de áreas para atuar. A ciência possibilita abranger inúmeros perfis de pessoas diferentes. É uma questão de descobrir o que você gosta, ao invés de descobrir um perfil x para uma determinada área que serve para a pesquisa.

Existem pesquisas que farão diferentes abordagens para análises. Você pode ter um perfil de alguém que gosta de trabalhar com coisas qualitativas, analisando dados e explicando fenômenos que as estatísticas não podem ajudar, por exemplo. Outras pessoas que atuam na ciência estatística vão ser mais eficientes. Essa área se aproxima de uma regularidade matemática que dá uma previsibilidade maior.

O que levar em conta na hora de tomar essa decisão?

BEATRIZ RAPOSO DE MEDEIROS O retorno financeiro pode não ser satisfatório no início. Alguns jovens têm a preocupação de quando haverá o retorno do que investiu, e nem sempre esse retorno acontece nos primeiros anos de pesquisa. Não existe uma previsão, nem regra de quando virá.

Acredito que a estabilidade financeira pode acontecer num determinado momento compensando todo o restante. Essa condição depende muito do momento econômico do país e, principalmente, do atual governo. O investimento público na ciência é fator determinante nesse sentido.

Katemari Diogo da Rosa É importante considerar que o tempo de formação vai ser mais longo que as demais áreas. Provável que você faça quatro ou cinco anos de graduação, mais dois anos de mestrado, mais quatro ou cinco anos de doutorado. É comum ter pessoas do seu ciclo social adentrando no mercado de trabalho antes de você, e isso gera um sentimento de estar atrasado, ou algo do tipo.

O tempo. Você precisa entender e saber trabalhar com uma relativa liberdade para organizar suas tarefas, e nem todo mundo consegue fazer isso. Algumas pessoas precisam de alguém fiscalizando para conseguir ser produtivo. Ser pesquisador científico é ter um estilo de vida diferente.

O que posso fazer para saber se tenho perfil ou não?

BEATRIZ RAPOSO DE MEDEIROS Buscar iniciação científica é um bom caminho para saber se o aluno tem perfil para seguir na área da ciência. Participar de programas em instituições de pesquisas, oficinas de estudos, além de bastante leitura.

Estar próximos desses ambientes pode enriquecer sua percepção sobre determinada área.

KATEMARI DIOGO DA ROSA Participar de eventos, cursos e ações que mostrem a área de pesquisa. Se ambientalizar é fundamental nesse momento. Conhecer diversas instituições, laboratórios e pesquisadores. Estagiar também mostra um caminho para decidir qual área da ciência devo escolher.