Expresso

Por que taxar os mais ricos pode mudar os rumos da década

Marcelo Roubicek

15 de janeiro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 21h24)

Relatório da ONG Oxfam identifica recorde de concentração de riqueza no mundo e sugere aumentar impostos sobre a parcela de 1% que tem mais dinheiro para bancar políticas de combate à desigualdade

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

FOTO: NTB/CARINA JOHANSEN/VIA REUTERS – 29.AGO.2022

Elon Musk, de terno e gravata, sentado segurando um microfone com a mão direita.

Elon Musk participa de evento na Noruega

Aumentar a tributação dos mais ricos é necessário para que o mundo enfrente o quadro de crise múltipla que se desenha nos anos 2020. Esse é o argumento central do relatório “A ‘sobrevivência’ do mais rico”, apresentado pela ONG (Organização Não Governamental) Oxfam no Fórum Econômico Mundial, que acontece anualmente em Davos, na Suíça.

O estudo mostra que, num cenário global de explosão da fome , inflação alta e crescimento da pobreza e da desigualdade, os super-ricos registraram aumento de suas fortunas. A maior taxação dessas pessoas pode ajudar a reduzir desigualdades e também gerar recursos para políticas para assistência dos mais pobres.

Neste texto, o Nexo traz os principais pontos do relatório da Oxfam, do diagnóstico sobre as desigualdades globais às propostas de como levar adiante o aumento da taxação das pessoas mais ricas do mundo. Também mostra o estado da discussão no Brasil.

A riqueza dos super-ricos nos anos 2020

A Oxfam mostra que as pessoas mais ricas do planeta têm acumulado ainda mais riqueza em anos recentes. Entre 2012 e 2021, 54% de toda nova riqueza gerada no mundo ficou com o 1% mais rico. Já os 50% mais pobres receberam 0,7% dessa nova riqueza.

Desde a eclosão da pandemia de covid-19, no início de 2020, essa concentração só se aprofundou. O estudo calcula que a parcela de riqueza que vai para o 1% mais rico aumentou nesse período.

CONCENTRAÇÃO

Apropriação da riqueza gerada no mundo entre 2020 e 2021. O 1% mais rico ficou com mais de 60% da riqueza gerada. Os 90% mais pobres, com 10% da riqueza.

A Oxfam mostra que a riqueza conjunta dos bilionários tem aumentado a uma taxa considerável (e praticamente constante) no século 21. Esse montante teve uma pequena queda em 2022 na comparação com 2021, mas a fortuna conjunta dessas pessoas continuou bem acima do patamar pré-pandemia.

No relatório, esse crescimento da riqueza dos bilionários é associado a fatores como o desempenho das bolsas de valores pelo mundo, sobretudo em 2021 ; os ganhos elevados de grandes empresas de alimentos e energia num contexto de inflação desses bens; e a “enxurrada de dinheiro público injetado na economia pelos países ricos”. A Oxfam também aponta como uma das razões principais a “ausência de tributação progressiva”.

O cenário de crise múltiplas

O aumento da desigualdade e da concentração de riqueza em anos recentes tem dois lados: o crescimento da fortuna dos super-ricos e a piora das condições da população de mais baixa renda ao redor do mundo.

O símbolo dessa piora é o primeiro aumento global da pobreza em mais de duas décadas, no contexto da pandemia. A Oxfam cita o diagnóstico do Banco Mundial, que em outubro de 2022 afirmou que o combate global à extrema pobreza estagnou . Segundo o órgão, a meta de acabar com a extrema pobreza no mundo até 2030 dificilmente será cumprida.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 27.MAI.2021

Homem está sentado sobre um saco de lixo cheio de latas. Ele usa máscara e olha para o chão, cabisbaixo. Ao seu redor, outras pessoas de máscara também esperam.

Morador de rua espera em fila para receber a vacina contra a covid-19

O estudo da Oxfam traz um cenário de “multicrises”, causado na maior parte pela pandemia e seus fortes efeitos econômicos e financeiros.

‘Multicrise’

FOME

Uma das faces da crise múltipla é a explosão da fome no mundo . O relatório diz que 3,1 bilhões de pessoas não tinham recursos para pagar uma dieta saudável em 2020 – o dado é da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). De acordo com a Oxfam, esse número provavelmente piorou em 2021 e 2022, por causa do fator abaixo.

INFLAÇÃO

O maior motivo para projetar números ainda piores da fome é o aumento do custo de alimentos ao redor do planeta, que afetou principalmente os mais pobres. Isso ocorreu por fatores como fenômenos resultantes de mudanças climáticas e a guerra na Ucrânia . O conflito na Ucrânia, aliás, também pressionou o custo de bens de energia, como gasolina e gás natural. A Oxfam diz que muitas grandes empresas capitalizaram sobre a crise inflacionária global, tendo ganhos acima da inflação.

MERCADO DE TRABALHO

O relatório mostra que, no processo de recuperação dos mercados de trabalho de diferentes países, trabalhadores não têm conseguido reajustes que compensem as perdas pela inflação. O documento também diz que os empregos gerados têm sido de pior qualidade, com aumento da informalidade e da vulnerabilidade, atingindo principalmente grupos como mulheres e minorias raciais.

CLIMA

O relatório da Oxfam também faz referência às mudanças climáticas, que tendem a causar danos piores em países de baixa renda. “O agravamento das crises torna os países cada vez mais vulneráveis, principalmente a choques relacionados ao clima, como enchentes e secas, os quais, por sua vez, têm enormes custos e podem tornar as dívidas [dos países] impagáveis”, diz o documento.

Por que taxar os super-ricos

No relatório lançado em Davos, a Oxfam argumenta que os super-ricos e as grandes empresas têm sido beneficiados pela política tributária ao redor do mundo. Um exemplo dado é que Elon Musk – o bilionário que comanda a Tesla, o Twitter e outras empresas – paga uma alíquota real de imposto de cerca de 3,2% sobre sua renda. Em contraste, uma comerciante em Uganda paga impostos na faixa de 40% sobre seus lucros.

Os números apresentados mostram que, desde os anos 1980, houve uma redução dos impostos que incidem sobre as fontes de renda dos mais ricos – desde o imposto de renda em si até a tributação sobre dividendos e heranças.

Além disso, os impostos sobre o consumo têm aumentado. Esses impostos tendem a ser regressivos, ou seja, geralmente pesam proporcionalmente mais sobre os mais pobres do que sobre os ricos.

O texto também cita o fato de que pessoas muito ricas geralmente têm acesso a meios para pagar menos impostos, seja levando dinheiro para paraísos fiscais ou fazendo lobby “para pressionar por isenções e brechas fiscais que o beneficiarão”.

FOTO: YURIKO NAKAO/REUTERS/ 02 DE AGOSTO DE 2011

Notas de cem dólares recém-produzidas

Notas de cem dólares recém-produzidas

Considerando o contexto de aumento da concentração de riqueza no início da década de 2020, a Oxfam sugere aumentar a tributação dos mais ricos por duas razões centrais.

A primeira é que a medida pode ser bastante eficiente na redução da desigualdade. “O próprio sistema tributário pode ter um papel fundamental na diminuição direta da desigualdade, o que é de importância fundamental, considerando-se o abismo que se formou entre os ricos e o resto”, diz o relatório. Além de diminuir a riqueza concentrada em poucas pessoas, uma tributação mais progressiva (que tribute mais os mais ricos) pode ajudar a reverter o movimento de aumento da pobreza.

O segundo motivo para taxar os mais ricos é “aumentar a receita que os governos têm para gastar em políticas que reduzam a desigualdade e construam sociedades mais igualitárias e sustentáveis”. O argumento é que as múltiplas crises vividas no mundo na década de 2020 exigem ação forte dos governos, com investimentos no combate à desigualdade e à pobreza, direcionando recursos para áreas como saúde, educação, meio ambiente e políticas alimentares.

A Oxfam também traz algumas sugestões sobre como os países podem aumentar a tributação sobre os mais ricos. Abaixo, o Nexo elenca as principais.

Como taxar os super-ricos

IMPOSTO DE RENDA

A ONG diz que o imposto de renda sobre pessoas físicas precisa ser “aumentado em muito” para os mais ricos no mundo todo. O relatório sugere que o 1% mais rico pague, na maior faixa, uma alíquota de pelo menos 60% sobre seus rendimentos, como salarios e dividendos. No caso dos super-ricos (que pertencem ao 0,1% mais rico), a alíquota pode chegar a 75%. Deduções e abatimentos precisariam ser revistos para não favorecer os que já têm mais.

CAPITAL

O relatório traz a recomendação de aumentar a tributação sobre ganhos de capital, como negociações de ações e títulos. O diagnóstico é que as alíquotas nesses casos costumam ser mais baixas em países de baixa renda. Outra sugestão é a de taxar ganhos de capital não realizados. Um exemplo é o de uma ação cujo preço cresceu muito em um determinado período de tempo, aumentando o patrimônio de quem tem esse papel na carteira – mas na maior parte dos países, esse ganho só é taxado se o ativo for efetivamente vendido, e não apenas se houver valorização, o que permite que pessoas muito ricas acumulem ganhos de patrimônio sem pagar imposto. A taxação desses ganhos “é um conceito relativamente novo e precisaria ser examinado e analisado de forma cuidadosa antes de ser implementado”, diz o relatório.

LUCROS INESPERADOS

A Oxfam defende que os lucros acima do esperado sejam alvo de tributação, com alíquota entre 50% e 90%. A ideia é combater a “crise do excesso de lucros”.

PATRIMÔNIO

A Oxfam também recomenda taxar as fortunas dos mais ricos. Há diferentes maneiras de fazer isso: tornando mais progressiva a tributação sobre a propriedade de imóveis (imposto predial e territorial); taxando ou aumentando a taxação sobre a herança; ou criando um imposto sobre o patrimônio líquido, que pode ter diferentes modelos. Esse último tributo pode ser recolhido uma única vez ou ser cobrado todos os anos.

COMBATE À EVASÃO

É necessário também diminuir as maneiras pelas quais pessoas mais ricas conseguem pagar menos impostos. As políticas sugeridas vão desde medidas para tornar o patrimônio dos mais ricos mais transparente até ações internacionais para registro de ativos e aumentar a troca de informações entre países.

O caso brasileiro

No Brasil, se aplicam muitos dos problemas identificados pela Oxfam sobre o sistema tributário global. O sistema brasileiro é amplamente considerado regressivo e complexo .

E isso ocorre em um país muito desigual e com forte concentração de renda e riqueza. Segundo dados do Credit Suisse usados pela Oxfam, 3.390 pessoas no Brasil detêm 16% de toda a riqueza do Brasil, mais do que os 85% mais pobres da população.

A regressividade, no caso dos mais ricos, se manifesta de diferentes maneiras, desde as formas de tributação do patrimônio até distorções no imposto de renda . A avaliação de especialistas é que os super-ricos brasileiros pagam menos impostos que em outros países.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 09.DEZ.2022

Lula desfocado no primeiro plano. No fundo, Haddad, com foco, olha para Lula.

Fernando Haddad (à esq.) e Luiz Inácio Lula da Silva (à dir.) em coletiva do governo de transição

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder em 2023 com a promessa de avançar com uma reforma tributária. A ideia é unificar impostos para tornar o sistema mais simples e eficientes. Além disso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ainda em 2022 que Lula o encarregou da missão de “colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda”.

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas