Como a desnutrição afeta o desenvolvimento dos bebês
Isadora Rupp
18 de janeiro de 2023(atualizado 06/02/2024 às 10h58)O Brasil atingiu o patamar mais crítico de internação hospitalar de crianças menores de 1 ano por causa de deficiências nutricionais. Problema gera consequências no desenvolvimento a curto e longo prazo
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Bebê é amamentado no peito pela mãe
O Brasil atingiu o pior nível de hospitalização de bebês por desnutrição dos últimos 13 anos: em 2021, 2.979 bebês menores de 1 ano foram internados no SUS (Sistema Único de Saúde) por conta de deficiências nutricionais. São 113 internações para cada 100 mil nascidos vivos. Em 2011, esse número era de 75.
Em 2022, até o final do mês de agosto, foram 2.115 internações, o que significa um aumento de 7% em relação ao mesmo período de 2021. A média diária é de 8,7 bebês internados por desnutrição.
É o que concluiu um estudo do Observa Infância, iniciativa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e da Unifase (Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto), que reúne dados sobre saúde infantil.
Neste texto, o Nexo explica quais as consequências da desnutrição para os bebês e aponta políticas públicas necessárias para reduzir o problema.
É rápido para um bebê de 0 a 2 anos chegar na curva de peso que indica desnutrição: isso acontece por causa do funcionamento do metabolismo, explica o coordenador do Observa Infância, Cristiano Boccolini.
Segundo ele, enquanto um adulto necessita, em média, de 35 calorias por quilo de peso, um bebê necessita de 120. “Qualquer falta de nutriente e caloria faz com que o bebê evolua rapidamente para o quadro de desnutrição”, disse Boccolini ao Nexo .
As causas para desnutrição são duas: falta de comida, a primária, ou alguma doença (como diarréia, pneumonia ou câncer), a secundária. “Nos últimos dois anos não tivemos nenhuma epidemia dessas doenças. O que nos leva a crer que a falta de comida é a causa”, falou Boccolini. Inflação de alimentos, cujos preços subiram mais de 30% entre 2020 e 2022, e a defasagem de verbas do Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar) são alguns dos motivos que refletem nas hospitalizações de bebês por desnutrição, segundo o pesquisador.
30%
Foi quanto a taxa de hospitalização em bebês por desnutrição aumentou entre 2020 e 2021 na região Centro-Oeste. É o maior aumento regional do país.
Boccolini explica o papel da merenda escolar nessa relação: uma família com bebês que já precisam se alimentar (até os 6 meses, o Guia Alimentar para Crianças do Ministério da Saúde recomenda única e exclusivamente o leite materno), e também com crianças em idade escolar, ficam com o sistema alimentar da casa pressionado quando a criança, que antes comia na escola, chega em casa com fome.
“Ouvi relatos de mães que continuaram a amamentar sem dar nenhum alimento para o bebê com mais de 6 meses, porque não tinham. E aí a criança desnutre porque os nutrientes passam a não ser suficientes”, disse o coordenador do Observa Infância ao Nexo .
No caso de mães com problemas de amamentação e que precisam utilizar fórmula infantil, Boccolini conta que há famílias que, por falta de dinheiro, diluem o produto em uma quantidade maior de água do que o indicado nas instruções de preparo, o que compromete o aporte de calorias e nutrientes.
Leite materno exclusivo
Até os 6 meses de vida o bebê deve ser alimentado exclusivamente com leite materno, segundo o Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 Anos, do Ministério da Saúde. A OMS (Organização Mundial da Saúde) faz a mesma recomendação. O colostro, leite dos primeiros dias pós-parto, é ideal nos primeiros dias de vida, pelo alto teor de proteína. Não se deve oferecer água ou chá, mesmo em climas mais quentes, justamente para não atrapalhar o ganho de peso. Para mães com problema para amamentar ou que não têm leite materno suficiente, a substituição é feita com fórmula infantil, prescrita pelo médico pediatra. Nenhum outro tipo de alimento deve ser oferecido antes dos 6 meses.
Alimentação complementar
Quando a criança completa 6 meses de vida se inicia a alimentação complementar – que complementa, mas não substitui o leite materno. Crianças que são amamentadas devem receber alimentos três vezes ao dia. Bebês que já desmamaram, cinco vezes, segundo o Guia. Os pais ou responsáveis devem oferecer alimentos de forma gradual, preferindo sempre alimentos in natura e preparações caseiras. Crianças de até 2 anos não devem comer nenhum tipo de açúcar e nem alimentos com adição de açúcar, como bolos, biscoitos, geléias e produtos ultraprocessados. Neste período, pode-se oferecer água ao bebê nos intervalos das refeições.
Respeite a vontade da criança
A alimentação complementar não deve ser forçada e é necessário oferecer alimentos mais de uma vez para que o bebê assimile o sabor e passe a aceitá-lo. A base da alimentação deve ser verduras, hortaliças e frutas. Após receber alimentos, caso não se sinta saciada, pode-se oferecer leite materno. Não é aconselhável a prática de castigos ou gratificações para que a criança coma.
O tratamento da desnutrição no SUS em casos que não são extremos consiste em estabilizar a criança e repor seus fluidos, eletrólitos, sais minerais e magnésio. Em casos extremos, é feita a nutrição parenteral (via endovenosa), até a criança sair do risco de ter problemas como falência múltipla de órgãos e outras complicações.
A média de internação, de acordo com o Observa Infância, é de duas semanas, mesmo para casos que não são graves – em situações críticas, o bebê pode passar até um mês no hospital. Esse tempo longo de internação pressiona o SUS, já sobrecarregado.
A desnutrição aguda aumenta a chance da criança desenvolver doenças crônicas na vida adulta, como diabetes, hipertensão e até mesmo obesidade, por mais paradoxal que seja.
Boccolini, do Observa Infância, também ressalta que a ausência de calorias e nutrientes impacta diretamente no desenvolvimento físico, cerebral e na capacidade cognitiva do bebê.
“Por mais que o tratamento da desnutrição seja relativamente simples, o estrago já está feito. No futuro, a criança terá pior rendimento escolar, problemas comportamentais. É um impacto que se estende para a vida toda. Ela fica marcada pelo estágio de desnutrição”, falou Boccolini ao Nexo .
Na primeira infância, entre 0 e 6 anos, 90% das conexões cerebrais se formam, um período único de novas conexões e neurônios que formarão as habilidades sociais, cognitivas e emocionais. Logo, a desnutrição afeta o desenvolvimento da atenção, memória, leitura e aprendizagem como um todo.
Retomar a obrigatoriedade de acompanhar o peso e a vacinação de crianças com menos de 7 anos beneficiárias do Bolsa Família (contrapartida que deixou de ser obrigatória no programa Auxílio Brasil , do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro) é o primeiro passo para reduzir os níveis de desnutrição em bebês, disse Boccolini ao Nexo .
“O segundo é uma focalização das políticas vigentes, como o Bolsa Família, pois ainda existem bolsões de invisibilidade social com famílias e crianças que não são alcançadas por falta de conhecimento ou documentação”, falou Boccolini.
171
Foi o número de internações por desnutrição de bebês menores de 1 ano para cada 100 mil nascidos vivos no Nordeste em 2021 . É a pior taxa no país, 51% acima da média nacional
Recompor os valores investidos na merenda escolar, pontua o coordenador do Observa Infância, fecha a tríade da retomada de políticas públicas necessárias para ajudar a reverter os índices de aumento da hospitalização em bebês – felizmente, frisa Boccolini, a taxa de mortalidade em bebês segue controlada no Brasil (11,9 óbitos, segundo o IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Ou seja: apesar do maior número de hospitalizações, o SUS está sendo eficiente em evitar a morte dessas crianças. A gente ainda tem um sistema eficiente e suficiente para reverter esse quadro”.
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